Um retrato da sociedade do espetáculo
“Bling Ring”, de Sofia Coppola, expõe fronteira onde superficialidade, transgressão e redes sociais encontram-se. Mas transpira conformismo…
Publicado 26/08/2013 às 22:27 - Atualizado 15/01/2019 às 17:55
“Bling Ring”, de Sofia Coppola, expõe curiosa fronteira, onde superficialidade, transgressão e redes sociais encontram-se. Mas cheira a conformismo…
Por Lais Fontenelle
Acabo de sair, com uma enorme sensação de vazio, do cinema, depois de assistir ao último lançamento de Sofia Coppola, Bling Ring: A gangue de Hollywood que conta a história, originalmente publicada em 2009, na revista Vanity Fair, de um grupo de adolescentes ricos e residentes do bairro californiano Calabasas, onde o horizonte mais distante e almejado parece ser de fato a colina das mansões de Hollywood à frente.
E é para lá que esses jovens, desesperançados e obcecados por fama, decidem ir noites seguidas, em busca de um sonho e um estilo de vida baseado nas fotos e reportagens que leem em sites e revistas de fofocas sobre a vida de seus ídolos: atrizes, modelos e celebridades hollywoodianas. Mas, esse sonho, esvaziado de utopias ou desejos — que aparenta não ir além de bolsas Channel, óculos Ray Ban ou sapatos Louboutin — acaba numa realidade bem dura e concreta: atrás das grades.
A brincadeira desses jovens, supostamente inocente, começa na casa de Paris Hilton, herdeira de um império do setor hoteleiro americano e habituée nas capas de revista de todo mundo pelo estilo de vida e roupas que ostenta. Uma dupla de amigos da escola descobre seu endereço e o fato que a casa estará vazia e decidem ir até lá “fazer compras”. Depois de se deslumbrarem com os luxos e as marcas de sonho na mansão da moça, saem de lá tranquilamente com malas Louis Vuitton nas mãos repletas de coisas roubadas e com uma falsa sensação de plenitude nas mãos, oferecida por esses fugazes momentos de diversão. Mas, como a sensação de bem estar dura pouco, assim como a oferecida pelas drogas que ingerem diariamente, eles querem mais e é aí que a brincadeira fica séria.
A dupla acaba expondo as “travessuras” cometidas através de fotos que postam nas redes sociais e por relatos detalhados para amigas da escola, que se animam com a ideia de “ir às compras” nas casas de celebridades. E assim a dupla vira um grupo ou quadrilha que começa a fazer dessas invasões de privacidade um hábito divertido, usado para fugir do tédio — sem se preocupar com o ato transgressor, violento e ilícito que estavam cometendo. Aliás, fica claro no filme que, talvez, a única preocupação desses jovens seja a aparência.
Tudo é espetacularizado e compartilhado, o que demostra o questionamento cada vez maior dos limites entre o público e o privado, em tempos de redes sociais. Esse é um dos pontos mais importantes do filme: a experiência da exposição e da privacidade. Parece-nos que vale tudo por um minuto de fama compartilhada. E as celebridades “seguidas” por esses jovens também expõem sua privacidade, desde suas roupas até seu paradeiro de final de semana. O que, além de gerar um sentimento de intimidade com seus “fãs” acaba ajudando a gangue na hora de planejar a próxima invasão.
Ao entrar nas mansões, os adolescentes experimentam aquele estilo de vida através de objetos já conhecidos e almejados dos closets, deixando claro o sentimento de intimidade compartilhado entre os jovens e seus ídolos.
Através do fanatismo por roupas e marcas das personagens, o filme parece expor um retrato real dos dias de hoje. Os jovens desejam e consomem não somente uma roupa ou acessório, mas um signo social e um estilo de vida. Uma associação que começa na infância, quando as marcas utilizam personagens e mascotes. E ao entrar na adolescência são as celebridades, com suas marcas e grifes, que ganham força no imaginário juvenil.
A diretora escolheu não entrar nas questões psicológicas de seus personagens, na ausência familiar ou na falência da instituição escolar, mas ainda assim consegue capturar o que muitos autores chamam de zeitgeist – espírito de uma época. E demonstra a existência de uma juventude fútil, desesperançada e violenta que se preocupa mais em ter do que ser. Que compartilha mais objetos do que afetos. Mas, apesar do vazio do tema Sofia acerta, como sempre, nos diálogos e na estética que, através do último trabalho de fotografia do excelente Harris Savides, consegue tirar brilho de cenas tão deprimentes.
É um filme que merece ser visto pela reflexão que suscita. Inspira a enxergar os valores compartilhados pela juventude atual, seu tempo frenético, seus sonhos e desejos. E os limites entre o público e o privado, em tempos de redes sociais.
Porém, o mais violento do filme não são os delitos cometidos pelos jovens, mas talvez o sentimento de desesperança gerado no final. Sentimento ampliado em mim com a notícia de que a distribuidora de Bling Ring fez uma parceria com uma grife de moda, através da qual um concurso dará vinte kits com produtos Sephora e Vandal para looks inspirados em personagens do filme.
A iniciativa parece mostrar que o mercado conseguiu abocanhar a crítica da montagem e transformá-la em desejo de consumo. E assim acaba por abalar o próprio valor artístico do cinema, de questionar a realidade vigente. Principalmente essa experiência de violência simbólica da mercantilização de tudo, vivenciada na sociedade do espetáculo.
Ultimamente tenho me atentado para essas coisas que você disse. As redes socias evidenciam cada vez mais a necessidade de buscar uma vida paralela, em que você é aceito, popular, etc… Muito bom texto, parabéns.
Muito Bom!