Poesia: Lá no lugar que se diz América

Depois da farsa, à tragédia. Três poemas sobre a volta de Trump à Casa Branca, com truculência redobrada para semear conflitos globais e deportar imigrantes. É “tempo de olhos fechados/e punhos cerrados”, dizem. “Quem semeará um ponto de luz?”

Foto: Evelyn Hockstein (REUTERS)


Lá no lugar que se diz América

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Lá no lugar que se diz América
o espírito do tempo chega,
estranho,
com promessas que arrebentam sonhos
e erguem pesadelos.

A história insiste em repetir-se,
dizem,
e vem outra vez
com suas máscaras de ferro,
seus gritos de guerra,
seus fantasmas ressuscitados.

Alguns homens
-mulheres também-
erguem a voz,
prometem a verdade única
e o que trazem é sombra,
rancor e silêncio.

Tempos obscuros
dobram a esquina
com palavras
que se vestem de vazio,
como escudo,
dividem o chão
em fronteiras e muros,
ódio e dor.

Tempo de luta
vem por aí.

Verdade, a primeira a ruir

Vejo sombras de gente uniformizada
marchando em seu eterno retorno ao ódio.
Tempo de olhos fechados
e punhos cerrados.

É o Espírito do Tempo que assombra novamente.
Zeitgeist,
depois da farsa, a tragédia,
agora lúgubre.

Tempo de erguer muro
e cavar poço.
Nesse nosso tempo
a verdade é a primeira a ruir.

Quem semeará um ponto de luz?

A história vai e volta,
recomeça como farsa,
como se nunca tivesse sido outra coisa,
vira tragédia
e se repete.

2025,
o mundo em expectativa.

Nós estamos aqui!
Presos na tela,
a um botão que nunca desliga
aguardando um ponto de luz.

Da tela, avistamos o muro,
um eco,
uma sombra,
uma arma…

Da tela, escutamos o grito,
um estrondo,
um espectro…
Que inferno!

A promessa de deportação:
– Façam as malas e saiam enquanto é tempo!”
A promessa de retaliação:
– Uma bomba virá!”

Quantos escombros!
E nós estamos aqui.

Não há verso para o genocídio
transmitido na tela,
a palavra vira pedra,
a pedra vira mapa
de gente que não tem mais chão.

E nós continuamos aqui!
Na tela.

É o espírito do tempo
que volta como farsa e tragédia,
um passado sombrio
que se torna presente,
um vento que sopra
e faz tudo virar cinza.
Quem semeará um ponto de luz
em meio a esse mundo lôbrego?

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6 comentários para "Poesia: Lá no lugar que se diz América"

  1. ICARO METON DE HOLANDA VIEIRA disse:

    Os poemas são muito. bonitos e estão calcados na frase de Marx que diz que a história inicialmente vem como farsa e se torna tragédia.Nao é por acaso que os déspotas chegam ao poder mas o povo tem tudo a ver com essa tragédia anunciada.

  2. Gostei dos três, Célio. Mas, especialmente, do terceiro. Parabéns por retratar poeticamente essa dura realidade.

  3. Hélio Falcim disse:

    O homem nem começou a trabalhar,sejamos otimistas
    Julgamento sob a aparência de durão nem chega perto da dureza do poema é mais durão
    Vai dá certo,a América vai avançar “otimismo,confia vai,e diminui os contos dando esperança ao americano,ao mundo que tem o EUA como referência

  4. Pedro Marcos P. Lima disse:

    águia
    que não guia – só agarra
    e bica

  5. Sidney China disse:

    O CHARLATÃO
    Cheio de ódio, o teu riso morde

    Indiferente ao outro, zombas da dor

    Emana fúria, teu olhar enganador

    Vem do desprezo teu enxergar disforme

    Teus profetas são falsos e hipócritas

    Te guiam ao abismo do absurdo

    Teu Machado e afiado e surdo

    Teu coração é frio e ególatra

    Sombras e gemidos habitam o palacete

    Tem mofo e fungos, os teus pilares

    Teus armários estão cheios de cadáveres

    Há muito lixo debaixo do teu tapete

    Fétida lama beira o teu portal

    Tem sangue e lágrima o teu cálice

    Tuas verdades vãs, tristes disfarces

    Ervas daninhas enfeitam o teu quintal.

    Sidney china

  6. Josemar Guedes Ferreira disse:

    Grato a OUTRAS PALAVRAS pelo conteúdo diverso, criativo, profundo e relevante.

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