Pablo Neruda: O engano da bondade

Peritos internacionais confirmam suspeita de décadas: o poeta foi envenenado pela ditadura chilena. Neste texto, ele assevera: é preciso endurecer a palavra para que “bondade” seja a força do insubmisso – e não o refúgio dos covardes

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Nesta segunda-feira (13/2), peritos de quatro países apontaram: o poeta-diplomata chileno Pablo Neruda, Nobel de Literatura, foi envenenado. Apesar de dúvidas que sempre pairaram sobre as circunstâncias da morte do artista, a versão oficial era que havia sido causada por um câncer de próstata. Próximo de Salvador Allende, o poeta morreu aos 69 anos, em 23 de setembro de 1973, apenas 12 dias após golpe de Estado do general Augusto Pinochet. A exumação de seus restos mortais foi ordenada pela Justiça chilena há 10 anos, após o relato do motorista do escritor de que Neruda, antes de morrer, havia recebido uma injeção enquanto dormia a clínica onde estava internado.

Endureçamos a bondade, amigos. Ela também é bondosa, a cutilada que faz saltar a roedura e os bichos: também é bondosa a chama nas selvas incendiadas para que os arados bondosos fendam a terra.
Endureçamos a nossa bondade, amigos. Já não há pusilânime de olhos aguados e palavras brandas, já não há cretino de intenção subterrânea e gesto condescendente que não leve a bondade, por vós outorgada, como uma porta fechada a toda a penetração do nosso exame. Reparai que necessitamos que se chamem bons aos de coração recto, e aos não flexíveis e submissos.

Reparai que a palavra se vai tornando acolhedora das mais vis cumplicidades, e confessai que a bondade das vossas palavras foi sempre – ou quase sempre – mentirosa. Alguma vez temos de deixar de mentir, porque, no fim de contas, só de nós dependemos, e mortificamo-nos constantemente a sós com a nossa falsidade, vivendo assim encerrados em nós próprios entre as paredes da nossa estuta estupidez.

Os bons serão os que mais depressa se libertarem desta mentira pavorosa e souberem dizer a sua bondade endurecida contra todo aquele que a merecer. Bondade que se move, não com alguém, mas contra alguém. Bondade que não agride nem lambe, mas que desentranha e luta porque é a própria arma da vida.

E, assim, só se chamarão bons os de coração recto, os não flexíveis, os insubmissos, os melhores. Reinvindicarão a bondade apodrecida por tanta baixeza, serão o braço da vida e os ricos de espírito. E deles, só deles, será o reino da terra.

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