No teatro, os burocratas sombrios

Peça de Sílvia Gomes, expoente do surrealismo e absurdidade, tem Débora Falabella no papel de mulher atolada na burocracia, ao tentar adotar um bebê

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Peça de Sílvia Gomes, uma expoente do surrealismo e absurdidade, tem Débora Falabella no papel de mulher atolada na burocracia e atormentada por uma inquisidora, ao tentar adotar um bebê

Por Wagner Correa de Araujo | Imagem: George Tooker, Escritório do Governo, 1956

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Mantenha fora do alcance do bebê

De 11 de setembro a 4 de outubro. Sextas (21h) e sábados (18h)

No Sesc Ipiranga | Rua Bom Pastor, 822 – Ipiranga — São Paulo/SP

Fone: (11) 3340.2000. Duração: 80 minutos.

Para o sociólogo Max Weber, “burocracia e burocratização são processos inexoráveis, ou seja, inevitáveis e crescentes, presentes em qualquer tipo de organização, seja pública ou privada”. Ainda que a rigidez administrativa e o exagero de regulamentos tornem-se, na maioria das vezes, inadequados e quase ilegítimos na sua opressividade.

Palavras que podem ser um referencial para a conceituação e apreensão do surpreendente fluxo progressivo que esta forma de dominação social legitimada exerce no desenvolvimento da trama dramatúrgica de Mantenha fora do alcance do bebê. O texto, o segundo de um promissor talento da nova geração de autores do teatro brasileiro, faz de Silvia Gomez uma expoente das vertentes do surrealismo e da absurdidade. Através de uma proposta temática,aparentemente ingênua, contida na singularidade da própria expressão popular que titula a peça, mostra uma mulher (Débora Falabella) diante de uma assistente social (Anapaula Csernik) postulando um bebê. Nada poderia ser mais cotidianamente trivial.

O que não se espera jamais é como o mero preenchimento de um questionário, para atender aos requisitos técnicos/administrativos de uma instituição assistencial, será capaz de provocar um estado de pânico total, nos planos físico e psicológico. Numa situação insustentável de pressionamento da própria liberdade de escolha da entrevistada, escondida na mediocridade postural de uma inquisidora “burocrata”, a legalidade do procedimento conduz a uma caótica exposição de corações e mentes desequilibrados, entre a humanização e a animalização. Neste ultimo aspecto, com a estranha mas significante presença de um funcionário literalmente travestido de lobo (Diego Darc). E que acaba levando à convocação emergencial de Rubens (Jorge Emil), marido da proponente à adoção filial, e único personagem nominalizado na narrativa cênica.

Completa-se, assim, a enérgica sintonização de performances, na ignara mordacidade moral de Anapaula Csernik, na superlativa imprevisibilidade comportamental de Débora Falabella, na instabilidade emocional de Jorge Emil e na irônica reticência de Diego Dac. Com adequados figurinos (Rosangela Ribeiro), ambiental iluminação (Aline Santini) e precisas interferências sonoras (L.P.Daniel).

Numa delirante arquitetura cênica habilmente conduzida por Eric Lenate, dublê de cenógrafo (numa contrastante estética “clean”), há uma exponencial exploração da verbalização insana e de uma delinquente corporificação à beira de um atentado terrorista. Transmutando esta sombria atmosfera à la Thomas Hobbes de homens que são lobos dos homens, a possibilidade da saída pela filosofia hippie de Hair (I Got Life) no coreográfico e libertário epílogo:

“Eu tenho vida, mãe / Eu tenho risos, irmã / Eu tenho liberdade, irmão / Eu tenho bons momentos, cara / (…) Eu tenho vida / Vida / VIDA!!!”

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