Lô Borges e as notas que nunca se apagam
Morreu um dos fundadores do Clube da Esquina, aos 73. Com seu inovador trabalho, mostrou que o chão da infância e o horizonte do mundo cabiam dentro do mesmo acorde. Fez da beleza um ato de coragem; da sensibilidade uma ética; e da amizade uma forma mineira de política…
Publicado 03/11/2025 às 18:39

Há mortes que não terminam. Elas apenas mudam de tom e continuam vibrando no ar como um acorde suspenso. A de Lô Borges é assim. Não silencia nada; apenas amplia o silêncio. Quando soube, senti que uma parte da minha infância se levantava do pó da estrada e me olhava de volta.
Eu era um menino de Itapaci, cercado por um mundo pequeno demais para o tamanho da curiosidade. Quando ouvi uma canção de Lô, algo se abriu em mim. Era o som do interior que falava também do infinito. Na voz dele, o particular e o universal se encontravam. O chão da infância e o horizonte do mundo cabiam dentro do mesmo acorde.
Em “Trem Azul” aprendi que viajar é destino. Em “Paisagem na Janela” descobri que olhar também é caminhar. Em “Tudo o que Você Podia Ser” entendi que o sonho é uma forma de coragem. As harmonias de Lô tocavam o mistério e mostravam que a ternura pode ser uma arma contra o cinismo do mundo.
Lô Borges era mais do que um músico. Era um modo de ver a vida. De Belo Horizonte, falava com o planeta inteiro. Do quarto dos homens inventava constelações e nos ensinava a habitá-las. Sua voz jovem e seu violão luminoso ensinaram que o sonho não envelhece e que a utopia pode ser simples como um refrão. Ele foi um dos raros artistas que fizeram da sensibilidade uma ética, da amizade uma política e da beleza uma forma de coragem.
Ele partiu, mas deixou o céu em movimento. O silêncio agora respira como uma canção distante. Nas curvas do tempo ainda ecoa a janela lateral atravessando manhãs. Lô Borges voltou ao lugar de onde vinha sua música, aquele onde a vida e o sonho são a mesma melodia. E é nessa harmonia invisível que ele continua existindo.
Penso no menino que fui, sentado em Itapaci, olhando o céu e ouvindo um rádio pequeno. Penso que talvez Lô tenha sido o primeiro a me dizer, sem palavras, que o mundo cabe dentro de uma canção. Ele me mostrou que a vida pode ser feita de notas que não se repetem, mas que se reconhecem umas nas outras, como se a música fosse uma maneira de nos lembrarmos de quem somos.
Hoje o Brasil está mais silencioso. Ainda assim, no fundo desse silêncio, há um trem azul atravessando o tempo. É Lô que passa, sorrindo de leve, como quem sabe que a música nunca morre. E eu me descubro grato por ter vivido sob a sua melodia, por ter aprendido com ele que o interior também é cosmos, que o particular também é universal, que a vida, enfim, é feita de sons que a morte não pode apagar.
Adeus, Lô. Você não partiu. Apenas mudou de harmonia.
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Gabriel, que texto belo. Tive que ler em voz alta para extrair mais trocas com o texto, encher minha pancinha dos afetos que esse texto proporciona. Só o amor vence a a morte, Lô foi muito amoroso e nos ajudou a dar sentindo a muita coisa. será eterno em nós. Obrigada por nos brindar com mais afeto.
Obrigado, Gabriel Teles, por esse artigo que encontrou dentro de mim um espelho de emoções, sonhos, viagens, ventos e visão de mundo, tudo parte da trilha sonora da minha vida. Parabéns, seu artigo diz tudo.
Obrigado, Gabriel, por colocar tão bem em palavras o tremendo buraco que se abriu com o passamento do Lô.
Sem dúvida, o melhor texto que li até o momento. Na medida certa… Talvez isso quer dizer amor.
Muito obrigado.
E… vamos em frente. Vai fazer muita falta.
Paulo Targa
Obrigada por defini-lo tão particular e precisamente!
Ao Lô, gratidão por tanto! Luz&Paz!🙌🙏