Ler Primeiro: Três poemas sobre futebol
Poeta e romancista, Augusto Guimaraens Cavalcanti escreve “Sobre os goleiros”, “Ao rés do chão” e “Gramática das chuteiras”
Publicado 08/06/2014 às 08:25 - Atualizado 15/01/2019 às 17:39
3 poemas inéditos sobre o ludopédio bretão chamado Football
Por Augusto Guimaraens Cavalcanti | Imagem: Djanira, Fla-Flu (1975)
Sobre os goleiros
Medita o goleiro-engenheiro na geometria
de gestos mais econômicos
Traves são planetas grávidos
de gols, vicejados de noite
O gol é o melhor psicanalista do atacante
O gol redime “tudo”,
é a meta representação ideal para toda cirurgia do jogo;
para o verão forçado de um gol
Antes de qualquer tempo inaugural,
pairam os goleiros
com suas aparências desoladas
a beijar solitariamente suas traves
Goleiro mãe do galináceo,
guardião do marco zero
O mistério dos goleiros:
eles também não aprenderam a voar
.
Ao rés do chão
Uma bola enfrenta o limite “real” do chão
Balizas nascem do gol como telas contíguas a
qualquer escala do corpo humano,
rodeadas por eróticas redes
Pernas eloquentes tocam o lado escuro
dos mármores lunares
Esta é a caça recíproca dos deuses que mordem;
deuses publicitários de si próprios
Este é o arriscado balé dos lumes babilônicos,
das luas improváveis de mármore
O Olímpio trágico de um Maracanã é o nosso laboratório ancestral
Somos todos filhos do dilúvio
Rola a esfera na terra sintética do espetáculo;
órbita em permanente assunção
ao rés do chão
.
Gramática das chuteiras
Um empate seria morrer pelo outro,
como uma bola que beijasse tragicamente a trave
para depois se lamentar para sempre
Das chuteiras é que saltam os pulmões das travas,
suas melodias irrompem das cinzas de uma grama
ainda por crescer
Este é o baile de um destino
que se decide em ato;
a vertigem do gol sempre abre uma fresta no espaço
Todo gol transborda
por ser irreversível
Seus roteiros não definem seus trajetos
A bola, placenta celeste, joia sem furo, esfera-lua,
bola-sol que resvala seu mapa empírico:
diamante do homem comum
.
Augusto Guimaraens é poeta e romancista. Já lançou: Poemas para se ler ao meio-dia (2006, 7Letras); Os tigres cravaram as garras no horizonte (2010, Circuito) e Fui à Bulgária procurar por Campos de Carvalho (7Letras). Atualmente prepara o livro Máquina de fazer mar. Mantém um blog: www.augustoazul.blogspot.com
Vale a pena ler primeiro é seção de Outras Palavras dedicada à literatura. Foi criada e é editada por Fabiano Alcântara. Jornalista especializado em cultura, repórter de Música do portal Virgula, e colaborador de diversas publicações – como Valor Econômico e os sites das revistas TRIP e TPM –, Fabiano é também músico, baixista das bandasMercado de Peixe e Lavoura e curador de festivais.Para ler edições anteriores da coluna, clique aqui.