Ler Primeiro: Diabos na América
“Pedalar era compromisso diário de Roberto para aguentar o tranco. Um sonho recorrente: acordava no Brasil, gordo e sem tostão”
Publicado 16/05/2013 às 19:13 - Atualizado 15/01/2019 às 17:41
Por Marcelo de Trói | Imagem: Helio Oiticica e Neville D’Almeida, Jimi Hendrix, na série Cosmococas
Public pool
Alberto estava em sua primeira semana na América e ainda sem emprego, aproveitava as tardes caminhando por Somerville. Num dia desses, entrou numa piscina pública para se refrescar do calor de 40 graus.
Alberto nadava enquanto a portuguesa bigoduda chegou. De olho nela, sentiu a água da piscina saltar quando a gorda pulou com força.
– Ainda dizem que faz frio nessa porra de país. Estamos no inferno e ninguém nos avisa. Todos na praia… Para nós, fodidos, que não temos dinheirinho de Jesus pra gastar, esta piscina é tudo o que temos. E está vazia assim porque quem não foi pra Califórnia prefere estar em casa trancado com o ar condicionado ligado. Engraçados os norte-americanos, trancam-se no inverno para se proteger do frio, trancam-se no verão para se proteger do calor, ou seja, vivem trancados os pobres. Raios de calor! – bradou a bigoduda. E você, filho, está a se refrescar também?
– Um alívio. Também me falaram que aqui só fazia frio.
– Pois é, faz calor também e muito calor. Quer dizer que és brasileiro?
– Não dá pra esconder?
– De cara, sim, mas, quando abriu a boca, logo vi que falavas brasileiro. Vou te falar uma coisa, filho: gosto muito do seu país tropical, mas as brasileiras que vem para cá não valem a comida que comem, nem a merda que cagam. Estão cá todas a dar a boceta para esses americanos a troco de um green card. Deviam ter era vergonha e valorizar o que têm no meio das pernas.
Eu virei uma criança mimada
e sem noção quando você me trocou pelo batismo de sua priminha
E minha cabeça de mulher neurótica
Pensava que você poderia estar fodendo com seu garoto de 27 anos
Enquanto, na verdade, eu andava pela Broadway com um produtor teatral
Que apalpava a minha bunda com força
E eu dizia para mim mesma: fique com a pia batismal enquanto eu chuparei todas as cacetas de New York pensando em você
Então como se que num milagre de Saint Patrick
Você me enviou uma text message dizendo que sentia minha falta
E que dentro da igreja olhando sua priminha ser batizada
Não saia da sua cabeça sua pica entrando na minha traseira
E nem minhas unhas que deslizavam lentamente por suas costas
Enquanto você repetia feels good feels good
A minha estratégia era que você me machucasse como eu lhe machuquei com as correias no seu pulso na cama que rangia
Ou com as marcas de meu dente afiado que tirou sangue de suas costas
Somos educadas para ser esposas fiéis e obedientes
Mas eu gostava quando você dizia que eu era sua puta
Sou sua puta santa
Sua louca insana
E jamais esquecerei o dia que em plena Comowealth você interrompeu o trânsito para gritar aos quatro ventos que mais nada fazia sentido no comportamento norte-americano depois que enfiou o nariz na minha xoxota
É com este amor de bicho que eu espero um dia dormir novamente em seu peito macio
Roberto
Pedalar no Charles River Park era compromisso diário de Roberto para aguentar o tranco na América. Tinha um sonho recorrente: acordava no Brasil, gordo e sem tostão.
Marcelo de Trói (acima, em foto de Mason Hiatt) escreve e fotografa desde a infância. Como repórter e editor trabalhou em veículos como Gazeta Mercantil, Tribuna e Correio da Bahia. Escreveu roteiros para televisão, rádio e cinema. Atualmente vive em São Paulo e é jornalista freelancer. Nas horas vagas, pratica corrida pelas ruas e parques. s textos integram a coletânea “Diabos na América”, sem data para publicação.
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Vale a pena ler primeiro é seção de Outras Palavras dedicada à literatura. Foi criada e é editada por Fabiano Alcântara. Jornalista especializado em cultura, repórter de Música do portal Virgula, e colaborador de diversas publicações – como Valor Econômico e os sites das revistas TRIP e TPM –, Fabiano é também músico, baixista das bandas Mercado de Peixe e Lavoura e curador de festivais.Para ler edições anteriores da coluna, clique aqui.