Existe no Brasil um homem feliz?

As mãos dos poderosos seguem sujas de sangue ancestral: da colonização ao marco temporal. Um levante tardará? Quem sabe. Mas o Brasil “irá acordar,/ seja pela manhã,/seja à tarde, noite, madrugada”. Leia nossa coluna Povo em Poema

Foto: Seleucia Fontes / Governo do Tocantins
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I

Hoje acordei, feliz,
eu vi
erguerem-se como muralha humana,
homens e mulheres,
crianças e velhos,
postos à frente,
defendendo a carne,
o sangue e a dignidade
dos povos imigrantes.

Hoje acordei e vi
no Reino Unido
um grito contra o ódio,
o punho cerrado
contra o veneno da extrema direita.

Ali, em cada esquina,
em cada hotel,
mesquita,
abrigo,
loja,
o povo ergueu-se,
feito muralha,
feito mãe,
protegendo seus irmãos.

Aqueles que vieram de longe,
procurando abrigo,
procurando paz,
um canto a recomeçar a vida.

II

Hoje fui dormir, triste,
e chorei.
Meu Brasil,
ainda mudo,
ainda cego,
ainda surdo
para o clamor dos primeiros,
a gente originária
desta terra,
os que respiram o verde,
os que são raiz
e cultivam deliciosos frutos,
bons ares
e água boa.

Hoje fui dormir
depois de ver meu Brasil
com as mãos sujas
de sangue ancestral
aguardando o Supremo
com toga nos ombros
a conciliar o inconciliável,
dando ombros aos primeiros
e mãos às ganâncias do invasor.

Gente expulsa da terra ancestral,
terra que é vida,
terra que é alma,
novamente expelida,
desterrada.

III

Hoje acordei e senti
o grito sufocado dos povos indígenas
que ainda ecoa,
quinhentos anos
acuados por invasores,
desmatadores,
latifundiários,
e bandidos,
acometidos
por violências que não cessam.

Acordei e gritei:
– O marco não é temporal, é ancestral!

IV

À tarde esperei
o Brasil que amo
erguer-se,
feito muralha,
feito mãe,
em defesa dos que estavam aqui,
nossos irmãos
antes mesmo que a palavra Brasil fosse dita.

V

Um dia meu povo
irá acordar,
seja pela manhã,
seja à tarde, noite, madrugada.

Da tristeza feliz
e dos medos valentes,
meu povo irá acordar.
– Esse dia virá!

E o dia será bendito
porque o povo será destemor
em irmandade.

VI

Disse Maiakovski:
Dizem, que em algum lugar,
parece que no Brasil,
existe um homem feliz”

Será?
Espero
um país que desperte,
um povo que se levante
em apoio decidido,
em ação urgente,
aos que são a alma desta terra,
os que sempre estiveram aqui.

Terra das Palmeiras,
dos papagaios, das aves que falam
e das águas, que são muitas.

Pensou-se, um dia,
que essa terra
seria o paraíso na Terra.

VII

Nesse dia,
quando acordar
com o povo em levante,
haverá o encontro com nossas muitas raízes,
elas vão fluir em seiva
pelo tronco generoso
até chegar ao alto da copa.

E, lá de cima,
da mais alta das árvores,
poderei dizer:
– Existe no Brasil um homem feliz!

(episódios vistos, vividos e escritos em uma mesma semana, parte integrante do novo livro de Célio Turino: FIOS DA HISTÓRIA – poemas, pela editora Cloé)

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