?️Despejo zero, para desafiar a frieza do Estado brasileiro

Movimentos de moradia aprontam campanha para denunciar as remoções, em plena pandemia – apenas em SP, foram 2 mil famílias. Sem-teto, renda e mais expostas ao vírus, milhares são massacradas, em nome do patrimônio privado

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Benedito Barbosa em entrevista a Rôney Rodrigues, no Tibungo

De acordo com o Observatório de Remoções, projeto desenvolvido por laboratórios da USP e da Universidade Federal do ABC, apenas no estado de São Paulo, mais de 1.900 famílias foram atingidas por remoções durante a pandemia. Ribeirão Preto chegou a ganhar o título de “Campeã das Remoções”, com ao menos cinco áreas ocupadas que foram despejadas ou estão em grave conflito devido a ordens de reintegração de posse. Mas há outras, no centro e nas periferias de grandes cidades, e até em zonas rurais do interior do Brasil, expulsando sem-terra ou indígenas, em uma perversa confluência entre interesses do agronegócios e a especulação imobiliária.

Desde o início da crise sanitária, entidades e pesquisadores reivindicam a suspensão de reintegrações de posse, despejos e remoções forçadas para evitar o agravamento da exposição ao coronavírus. A suspensão chegou a ser incluída em projetos de lei federais, como o da deputada federal Natalia Bonavides, do PT, mas até o momento nenhum foi aprovado – e a tramitação sequer avança no Congresso. “É o momento de ficar em casa, mas primeiro é preciso ter casa e também não ser expulso dela”, destaca Benedito Barbosa, advogado do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos e dirigente da Central de Movimentos Populares. Ele é um ativo militante pelo direito à moradia digna e o entrevistado dessa edição do Tibungo. A tônica dessas reintegrações, afirma, é sempre a mesma: a violência e a humilhação à população mais pobre.

A situação é tão grave que movimentos de luta por moradia apresentaram uma denúncia na Organização das Nações Unidas (ONU) e vão lançar uma campanha, chamada Despejo Zero/Parem as remoções. A campanha deve pressionar por mudanças, principalmente no Judiciário, que segue emitindo reintegrações de posse mesmo durante a pandemia.

De acordo com Benedito Barbosa, essas ocupações irregulares são apenas um dos sintomas da demanda da população mais pobre por moradia nas cidades brasileiras – e a forma como o vírus aflige as cidades evidencia as desigualdades, inclusive a de acesso à habitação adequada. Nessas reintegrações de posse e remoções, aponta o advogado, se revela uma lógica de como o Brasil funciona: em nome da proteção do patrimônio privado, direitos humanos podem ser violados. Assim, os indesejados são sempre removidos, sejam moradores de ocupação, população em situação de rua, camelôs e ambulantes, sem-terra ou indígenas. Diante da irresponsabilidade do governo frente à pandemia, que, de acordo com Benedito, já faz um “cálculo frio de morte dos mais pobres”, resta aos movimentos populares fazer a denúncia e articular ações de solidariedade para mitigar o desastre.

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