Para ver o não visto na obra de Debret

Livro da Editora 34 analisa a obra do pintor francês que retratou a passagem do Brasil colonial e suas releituras por artistas contemporâneos. Revela um artista sensível que soube expor as desigualdades na formação de uma nova nação. Sorteamos um exemplar

Jean-Baptiste Debret – Negra com tatuagens vendendo cajus [1827]. Fonte: Google Arts&Culture

Com toda certeza, cada habitante do Brasil em algum momento de sua vida já viu alguma das obras de Jean-Baptiste Debret; afinal, ele foi um dos artistas responsáveis por retratar o processo de nascimento da nação brasileira. 

Por conta disso, hoje suas pinturas figuram em livros didáticos, artigos na internet, paredes de instituições, reencenações teatrais, enfim… se espraiam em muitos lugares e de muitas maneiras.

A estadia do pintor em nossas terras está registrada no livro Viagem pitoresca ao Brasil, publicado entre 1834 e 1839, registrando entre pinturas e escritos “fisionômicos”, ao estilo de Balzac, o cotidiano de uma nação em construção, servindo à “edificação da identidade cultural e política do Brasil”.

Como sabemos, nosso país foi erguido à base de sangue, exploração e sofrimento. Debret, filho da Revolução Francesa, não só observou de perto uma parte essencial desse momento – a passagem do Brasil Colônia ao Brasil Império – como também se preocupou em registrá-lo através de um olhar crítico.

Hoje, também a partir de um olhar crítico, diversos artistas brasileiros tomam sua história pelas próprias mãos e fazem uma releitura da obra de Debret.

Pensando em juntar esses diversos olhares e questionar uma tendência que vem enquadrando o pintor e todo seu trabalho na simples categorização de “homem branco, patriarcal e estrangeiro”, Jacques Leenhardt, pesquisador franco-suíço estudioso da obra de Debret, teceu o escrito: Rever Debret: Colônia, Ateliê, Nação, lançado no final de 2023, pela Editora 34.

Outras Palavras e Editora 34 sortearão um exemplar de Rever Debret: Colônia, Ateliê, Nação, de Jacques Leenhardt, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 4/3, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!

Leenhardt estudou filosofia e ciências sociais em Paris e hoje atua como crítico artístico e literário. Além disso, foi o responsável pelas novas edições francesa e brasileira de Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (Imprimerie Nationale, 2014; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2016).

Seu livro busca contribuir para uma compreensão mais aprofundada da pesquisa artística do pintor ao mesmo tempo que enseja valorizar o trabalho de jovens artistas brasileiros que se apropriaram dessas pinturas, elaborando artes que dialogam o presente e o passado através da crítica, da paródia e da carnavalização.

Radiola de promessa, da série ‘Atualizações traumáticas de Debret’, de Gê Viana. Divulgação

Figuram no escrito artistas como Adriana Varejão, Herbert Sobral, Jaime Lauriano, Tiago Gualberto, Valerio Ricci Montani, Tiago Sant’Ana, Isabel Löfgren, Patricia Gouvêa e muitos outros. 

No entanto, a preocupação fundamental do autor é evidenciar o olhar de Debret para a situação histórica de um país passando por um processo muito singular de formação, com populações tão diversas advindas de contextos tão violentos.

A primeira parte da brochura se dedica a uma releitura política e iconográfica da obra do francês. Traçando uma análise estético-política das imagens.

Na segunda parte, há um debate acerca da imagem do indígena e do negro, e como ela se tornou problemática para os artistas brasileiros no período de 1920-1980 (do Manifesto Antropófago até os trabalhos de Anna Bella Geiger e Adriana Varejão).

Na terceira parte, é abordado o período que se estende da Constituição de 1988 até o acesso de jovens ameríndios às escolas de arte, quando um movimento crítico se desenvolveu. Abrindo espaço para uma reflexão acerca das imagens do pintor que vêm sendo apropriadas e ressignificadas por esse movimento e levantando uma discussão sobre a importância de tomar pelas próprias mãos a produção de imagens a seu respeito.

Um filho da Revolução se lança ao Brasil

Jean-Baptiste Debret, pintor neoclássico, passou uma década e meia no Rio de Janeiro, entre 1816 e 1831. Sua vinda ao “novo continente” foi motivada por dois motivos principais. O primeiro: a queda de Napoleão e seu Império, em 1815, fato que complicou a vida de artistas neoclássicos que tiveram suas bases financeiras e ideológicas enfraquecidas; e o segundo: a perda de seu único filho, que à época contava dezenove anos.

Em busca de dinheiro, novos ares e inspirações, Debret desembarcou no Brasil e aqui viveu uma existência dupla. Foi pintor da Corte Imperial de dom João VI e dom Pedro I e ao mesmo tempo desenvolvia seu ateliê das ruas, registrando o que via na cidade e seus arredores.


“[…] o trabalho de Debret não se limita a refletir sua época. Ao contrário, Debret interroga seu tempo ao estabelecer dois ateliês distintos, nos quais produz dois tipos de obras absolutamente diversas.”


Foram essas imagens do segundo ateliê que vieram compor seu escrito Viagem pitoresca e histórica ao Brasil. Esse tipo de publicação foi muito comum entre os artistas e escritores durante a era das grandes navegações, são os chamados cadernos de viagem.

As imagens do livro de Debret são acompanhadas de descrições e reflexões, porém, dentre elas, uma saltou ao olhos do Leenhardt: como criar uma nação moderna a partir de uma história tão violenta, marcada pela perseguição aos indígenas e pela escravidão africana?

Selvagens Civilizados, Soldados Índios de Curitiba Conduzindo Prisioneiros. Fonte: Wikimedia Commons. A obra retrata mães indígenas, devastadas, sendo levadas com seus filhos para trabalhar como escravas nas cidades após os maridos terem sido assassinados nas aldeias de origem.

O pesquisador defende que tal observação se deve à experiência do pintor na revolução, no consulado e no império francês. Afinal, entre 1789 e 1815, ano da queda de Napoleão, Debret assistiu à queda dos poderes tradicionais na França e presenciou os problemas na reconstrução da nação. É desse contexto que partiu o pintor que viria a enquadrar a sociedade brasileira.

Para Leenhardt, Debret “se esforçou em representar os verdadeiros atores da história emergente do Brasil, a saber, os trabalhadores que produzem as riquezas do país”. Ao passo que de maneira irônica retratava as figuras de poder da época, utilizando-se de um singelo, mas poderoso jogo de contrastes nas narrativas de cada quadro. Estigmatizando “com método a preguiça dos colonos portugueses” que viviam às custas do trabalho escravizado, como levanta o autor.

Loja de barbeiro. À direita, um português ainda sob o efeito da sesta, a quem uma moça oferece doces de um tabuleiro. À esquerda, três trabalhadores.

Essas interpretações do pesquisador também foram feitas a partir da leitura dos comentários nos cantos de página feitos pelo próprio Debret em seu livro de viagens.

Leenhardt explica que a questão da leitura se baseia em saber ler as imagens do passado como sendo do passado e saber como defrontar-se com a violência dessas imagens produzidas no passado, ou seja, suas estratégias de ressimbolização.

Esses são os exercícios de releitura da memória que o autor empreende em sua análise, como uma maneira de se confrontar com o passado, além de abrir novos olhares para a obra desse pintor tão importante para a história do Brasil.


SOBRE O AUTOR

Jacques Leenhardt nasceu em Genebra, em 1942, e é doutor pela Universidade de Nanterre. Atualmente, atua como diretor de pesquisas na École des hautes études en sciences sociales (Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais), é presidente honorário da Association Internationale des Critiques d’Art (Associação Internacional de Críticos de Arte) e presidente do Conseil Scientifique des Archives de Critique d’Art (Conselho Científico dos Arquivos de Crítica de Arte). Sendo autor de obras de sociologia da literatura, dedicou-se a investigar a criação literária e plástica no Brasil e na América hispânica, assinando inúmeros ensaios, catálogos e livros sobre o assunto. Além disso, foi responsável pelas novas edições francesa e brasileira da Viagem pitoresca e histórica ao Brasil (Imprimerie Nationale, 2014; Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2016).


Em parceria com a Editora 34, o Outras Palavras irá sortear um exemplar de Rever Debret: Colônia, Ateliê, Nação, de Jacques Leenhardt, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 4/3, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!

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4 comentários para "Para ver o não visto na obra de Debret"

  1. Mhinana disse:

    Interessante proposta de semear boas e críticas letras

  2. Aureo Guilherme Mendonça disse:

    Bom dia , o meu apoio ao trabalho de vocês sempre foi total, por isso eu necessito confirmar se já sou colaborador . Vocês podem me confirmar isso? Grato e continuem nesse caminho de luta por uma informação imprescindível a manutenção da nossa democracia e por um país mais justo e igualitário. Um grande abraço a todos e todas.

  3. Glória Pereira disse:

    É a primeira vez que leio a respeito do Outros Quinhentos. Na verdade interessei-me pela reportagem sobre Debret. Como posso colaborar?

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