A vergonha e sua potência revolucionária

Em livro da Editora Ubu, filósofo francês Frédéric Gros convida a um novo olhar para esse sentimento. A partir de referências da filosofia, literatura e cinema, autor demonstra: ele pode ser resignação ou chama transformadora. Sorteamos um exemplar

Detalhe de Ashes – Edvard Munch (1895)

Em algumas pessoas a sensação é de sangue fervendo subindo à cabeça, em outras uma palpitação frenética, já para mim, esse é um dos piores sentimento que pode me ocorrer. Além do grito engasgado na garganta, me atravessa uma vontade dilacerante, uma necessidade de me repartir em pedaços, para depois enterrar um por um, até não sobrar mais nenhum rastro de minha existência.

Estou falando da vergonha, esse sentimento que muito dificilmente alguém consegue ignorar.

Amplamente abordado na literatura por escritores como Dostoiévski, Kafka e mais atualmente Annie Ernaux – que expõe a vergonha como um fato social e de classe, sendo inclusive uma inspiração substancial para suas obras –, esse tema parece ter sido menosprezado pela filosofia, algo como um problema mais superficial.

Pelo menos é isso que afirma o filósofo francês Frédéric Gros. Porém, seu espírito investigativo e questionador resolveu ir além.

Tais insights do autor podem ser lidos agora em português, afinal, no ano passado, a Editora Ubu lançou a obra A vergonha é um sentimento revolucionário

Outras Palavras e Ubu Editora sortearão um exemplar de A vergonha é um sentimento revolucionário, de Frédéric Gros, entre quem apoia nosso jornalismo de profundidade e de perspectiva pós-capitalista. O sorteio estará aberto para inscrições até a segunda-feira do dia 26/2, às 14h. Os membros da rede Outros Quinhentos receberão o formulário de participação via e-mail no boletim enviado para quem contribui. Cadastre-se em nosso Apoia.se para ter acesso!

Movido por esse questionamento, Gros deu continuidade ao estudo que desenvolveu em outra de suas obras: Desobedecer (Ubu, 2017), onde o autor buscava compreender “que mola propulsiona uma desobediência corajosa”, política, que recusa as injustiças do mundo. Seu livro publicado ano passado é uma continuação dessa pesquisa, que demonstra que o que nos dá força para desobedecer, o que “mantém nossa capacidade de revolta, é ‘a vergonha do mundo’”. Para Gros, a vergonha é uma mistura de tristeza e raiva que se transforma em fúria.

O título do livro e uma das inspirações do autor para adentrar esse questionamento ocorreu quando ele se deparou com uma citação de Sartre, no famoso prefácio de Os condenados da terra, de Fanon, onde o filósofo existencialista retoma uma carta do jovem Marx, de 1843, em que ele diz (em tradução livre): “a vergonha é uma revolução em si. […] A vergonha é uma espécie de raiva voltada para si mesma. E se uma nação inteira se sentisse envergonhada, seria como um leão recuando para saltar.” [1]

A partir desse encontro Gros, teve a ideia de chegar à raiz desse sentimento, à sua motivação, para então entender como ele se relaciona com a política.

O filósofo reconhece que existe tristeza na vergonha, mas que seu fundamento, em geral, se encontra na fúria, na raiva impotente, que é muitas vezes motivada pela humilhação.


“A sociedade como sistema de julgamento, organização hierárquica, potência de estigmatização, violência das exclusões simbólicas, experiências sucessivas de humilhação e vergonha. Rico ou pobre, isso logo se transforma em: bom ou mau, interessante ou inútil, belo ou feio, alto ou baixo. [..]

Eu não tenho grande coisa = eu não valho grande coisa = eu não sou grande coisa. Eu não tenho nada = eu não sou nada. Pirâmide: o topo é reconhecido, desejado, e a base, desprezada. A sociedade é um sistema de lugares e a humilhação coloca cada um em seu, faz cada um sentir: sempre inferior.”


Essa dimensão política da vergonha que se desenrola pelas páginas do livro, nos convida a um novo olhar para esse sentimento que muitas vezes procuramos esconder em nossas profundezas, nos provocando a transformá-lo, ao invés de nos paralisar, para que a vergonha possa causar uma revolução individual e coletiva. 

NOTAS

[1] Em sua carta a Arnold Ruge, Marx discorre acerca de suas insatisfações com as novas políticas e acordos sendo adotadas pelo governo prussiano:

“ I am now travelling in Holland. From both the French papers and the local ones I see that Germany has ridden deeply into the mire and will sink into it even further. I assure you that even if one can feel no national pride one does feel national shame, even in Holland. In comparison with the greatest Germans even the least Dutchman is still a citizen. And the opinions of foreigners about the Prussian government! There is a frightening agreement, no one is deceived any longer about the system and its simple nature. So the new school has been of some use after all. The glorious robes of liberalism have fallen away and the most repulsive despotism stands revealed for all the world to see.

This, too, is a revelation, albeit a negative one. It is a truth which at the very least teaches us to see the hollowness of our patriotism, the perverted nature of our state and to hide our faces in shame. I can see you smile and say: what good will that do? Revolutions are not made by shame. And my answer is that shame is a revolution in itself; it really is the victory of the French Revolution over that German patriotism which defeated it in 1813. Shame is a kind of anger turned in on itself. And if a whole nation were to feel ashamed it would be like a lion recoiling in order to spring. I admit that even this shame is not yet to be found in Germany; on the contrary, the wretches are still patriots. But if the ridiculous system of our new knight [Frederick William IV of Prussia came to the throne in 1840] does not disabuse them of their patriotism, then what will? The comedy of despotism in which we are being forced to act is as dangerous for him as tragedy was once for the Stuarts and the Bourbons. And even if the comedy will not be seen in its true light for a long time, yet it will still be a revolution.

The state is too serious a business to be subjected to such buffoonery. A Ship of Fools can perhaps be allowed to drift before the wind for a good while; but it will still drift to its doom precisely because the fools refuse to believe it possible. This doom is the approaching revolution.”

Fonte: marxists.org


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