Os devires do Comum

No livro O comum na encruzilhada, Rodrigo Savazoni aponta que o neoliberalismo não é o nosso destino manifesto. Ao mesmo tempo, propõe um manifesto para a ruptura com o colonialismo epistêmico e a cosmovisão europeia. Assim, a escolha de caminhos se torna uma imagem forte e repleta de esperanças.

Créditos: Lab Procomum
.

Em um momento em que somos inundados por tecnologias que cultuam o individualismo, em que fundamentalistas do mercado criam cultos lucrativos em torno de um deus monetizado, em que grupos rentistas alardeiam o fracasso de uma vida solidária, em que o patriarcado se prepara para novas guerras e o planeta Terra dá sinais de impaciência com as agressões de um estilo de vida devastador, percebemos que estamos mais uma vez na encruzilhada. Nesse espaço de possibilidades, onde os caminhos se cruzam, Rodrigo Savazoni, com a mais profunda leveza, recupera e narra, neste livro, a força do comum.

Não estamos fadados à ditadura do autointeresse. Savazoni nos conta como a teoria e as práticas do comum, das soluções comunitárias, comunicadas, negociadas, articuladas, regradas, demonstram que o neoliberalismo não é o nosso destino manifesto, nossa única opção de vida em sociedade. Por isso, a encruzilhada se torna uma imagem tão forte e tão repleta de esperanças.

Nesse texto, o conceito do comum é apresentado com rigor e profundidade em diferentes contextos. O comum como prática comunicacional e organizativa, como conhecimento partilhado, como territórios mantidos e protegidos por comunidades, como perspectiva e alternativa ao neoliberalismo, como bens comuns urbanos, como tecnologias da colaboração, como cultura, enfim, como relatos e oportunidades que nosso autor tece neste livro em uma costura fina da teoria com exemplos tão reais quanto inspiradores.

Assim, Savazoni nos apresenta a ideia de devir como um processo de transformação e mudança constantes, indo na direção aos estados futuros do comum. E apresenta os conceitos de devir-terreiro e devir-floresta para passarmos por esses desafios da escolha dos caminhos na encruzilhada. Sim, podemos escolher, podemos nos instituir, nos constituir, se fizermos isso como ações coletivas e comuns.

O devir-floresta é ligado ao devir-índio. Eles envolvem a transformação e a conexão com a natureza e com outras formas de vida. O devir-floresta é o processo de se tornar parte da floresta, de se relacionar e aprender com as comunidades que vivem em harmonia com a natureza. O devir-índio é o processo de se manter diferente e preservar a identidade indígena, resistindo à assimilação e à subalternidade. O devir-terreiro é descrito como um corpo infinito, humano e mais que humano, implicado, cooperativo e colaborativo, integrado às múltiplas dimensões da atualidade. O devir-terreiro do comum é um experimento que busca gerar possibilidades e encantamento através da criação de instituições do comum, como os terreiros, que promovem a cooperação e a responsabilidade entre as pessoas e em relação à natureza.

Esse livro pode ser entendido também como um tutorial para semear o pensamento que rompe com as estabilidades de um conhecimento viciado e em um loop da cosmovisão europeia. Do mesmo modo, é um manifesto para a ruptura com o colonialismo epistêmico, com a miséria da filosofia que deixou de acreditar que podemos impedir “a queda do céu”, nos dizeres de Kopenawa. Enfim, este livro também permite lembrar que o comunismo nasceu como uma proposição baseada no comum. Engessado, burocratizado, perdeu força utópica. Quem sabe temos uma retomada comunista pensando o devir-floresta e o devir-terreiro. O comum é mais que necessário.

Leia Também:

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *