Supremo pode reverter as “boiadas” de Bolsonaro

A partir de amanhã, o STF julgará sete ações e omissões do governo que aprofundaram o desmatamento no país. Entre elas, o desmonte da fiscalização do Ibama, o fim do Fundo Amazônia e os ataques aos mecanismos de participação social

Imagem: Carlos Fabal/AFP
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Por Carlos Bocuhy, no Le Monde Diplomatique Brasil

O Supremo Tribunal Federal (STF) parece estar acordando para o desastre ambiental que se instalou na área ambiental brasileira durante a gestão Bolsonaro. Irá julgar, em dia 30 de março, uma extensa agenda de temas ambientais.

A relevância dos temas para a sociedade brasileira é inegável. O atual governo conseguiu macular a Constituição em temas que vão da participação social aos princípios de proteção da vida e da biodiversidade.

As demandas judiciais foram provocadas pela sociedade civil e o que restou dos políticos progressistas que atuam no Congresso.

Há ações e omissões que se referem à proteção da Amazônia, que tem entre suas funções abrigar imensa biodiversidade e atuar como uma bomba climática irrigando com suas chuvas grande parte do continente sul americano.

As ações governamentais são questionadas por meio da ADPF 760, que cobra a retomada do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAm); da ADPF 735, que contesta a Operação Verde Brasil 2 e o uso das Forças Armadas em ações contra delitos ambientais; da ADO 54, que aponta a omissão do governo federal no combate ao desmatamento; e da ADO 59, que exige a reativação do Fundo Amazônia.

Todas as ações citadas guardam relação com os indicadores atuais de desmatamento da Amazônia, que atingiu em fevereiro o índice de 198 km², o maior em dez anos para o mês. O papel omisso do governo permitiu o avanço da criminalidade ambiental no Brasil, levando a Amazônia a um estado de insurgência criminosa e, muitas vezes, orquestrada.

Visto de forma conjunta, o acúmulo de ações que tentam reverter os malfeitos do governo é inédito e permite avaliar a inédita destruição sofrida pelo Sistema Nacional do Meio Ambiente em seus diversos componentes.

(Crédito: Pexels)

A facilitação de processos de licenciamento também está no pacote de julgamentos. A ADI 6808 contesta a medida provisória que prevê concessão automática de licenças ambientais para empresas de “grau de risco médio”. Além disso, a proposta, de tão mal intencionada, obstrui a ação de órgãos ambientais responsáveis pelo licenciamento de solicitarem informações que vão além do que foi declarado pelo proponente ao sistema da Rede Nacional para a Simplificação do Registro e da Legalização de Empresas e Negócios (Redesim).

Chama a atenção o ataque desfechado pelo governo Bolsonaro contra os mecanismos de participação social. Entre os julgamentos encontra-se a ADPF 651, que se refere ao decreto que excluiu a sociedade civil do conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA). Note-se que a ADPF 623, que se refere ao maior conselho ambiental da nação, o Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama), não será julgada porque o ministro Kassio Nunes Marques, próximo do presidente Jair Bolsonaro, pediu vistas ao processo e não concluiu o procedimento, obstruindo seu julgamento.

Há uma exceção, para além dos malfeitos do governo Bolsonaro. A ADI 6148 contesta a eficácia de uma proposta do Conama sobre a atualização dos padrões nacionais para a qualidade do ar e foi aprovada durante a gestão de Michel Temer.

Coincidentemente, esse foi o único ajuizamento feito pela Procuradoria Geral da República, conduzida à época por Raquel Dodge.

Os fatos demonstram de forma cabal a absoluta inércia do atual procurador-geral Augusto Aras, em descompasso com suas funções de guardião da lei dentro de um cenário dramático e comprovado de devastação normativa-ambiental.

Esse ponto é crucial para uma reavaliação de prevalência das salvaguardas constitucionais em casos de governos inconsistentes como o atual. A desordem no sistema de gestão ambiental do Brasil deve ceder espaço à normalidade e à restauração da ordem.

Que o STF cumpra sua função, neste estado episódico de sinais de falência dos demais poderes da República, o Executivo e o Legislativo.

Carlos Bocuhy é presidente do Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental (Proam).

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