SP: Quando o Grajaú parou

Frente a greve dos ferroviários, terminal lotado e transporte insuficiente, os trabalhadores decidiram que não seriam os únicos prejudicados. Ocuparam as vias: ninguém ia se humilhar em ônibus lotados por chantagem dos patrões

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Por Emerson Martins, no Passa Palavra

Quem mora no Grajaú, zona sul da capital paulista, teve uma manhã atípica no último dia 15, quinta-feira. Devido à greve dos ferroviários da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM), quem chegava ao Terminal Grajaú dava de cara com cartazes informando que a estação estava fechada. Sem outra alternativa que não fosse se apertarem nos ônibus, que já são insuficientes em dias normais, as pessoas logo se deram conta de que não haveria transporte para todos. Mas desta vez, ao invés de lutarem para chegar ao trabalho a qualquer custo, resolveram que ninguém iria trabalhar. Sem qualquer organização prévia, centenas de trabalhadores revoltados decidiram bloquear a principal avenida do bairro – única via de acesso ao Terminal. Enquanto não houvesse trem, também não haveria ônibus.

O protesto começou ainda de madrugada e se estendeu até o meio da tarde. Espalhadas pela avenida, as pessoas conversavam sobre a situação. “Tá tudo muito caro! Você paga vinte reais num arroz, cem reais no gás, e ainda chega aqui pra ir trabalhar e a estação está fechada!”, desabafava um rapaz jovem numa roda com gente de todas as idades. Algumas pessoas buscavam informações sobre a greve e ligavam para seus chefes, informando-os da provável ausência no trabalho. Outras, apenas observavam.

A polícia acompanhava o protesto com condescendência. Em entrevista à rádio o capitão da Polícia Militar praticamente repetiu o discurso dos manifestantes: “A justificativa deles é que como eles não puderam trabalhar, já que não tem transporte público, as outras pessoas também não trabalharão hoje”. E ainda disse que estava esperando o resultado das negociações entre governo e sindicatos para pôr fim ao impasse: “A partir do momento que o trem voltar a funcionar acabou todo o problema”.

Em entrevista à mesma repórter, um trabalhador da construção civil explicou que o Terminal permaneceria bloqueado enquanto durasse a paralisação dos trens. Segundo ele, “se é para prejudicar uns, tem que prejudicar todos”. A frase, à primeira vista paradoxal, exprimia o sentimento geral de quem estava no protesto.

Ao contrário, quando o assunto era a greve dos ferroviários não havia uma opinião comum entre os manifestantes. Alguns a apoiavam, consideravam justa. “Tinha que parar tudo!”, ouvia-se com frequência. Mas também havia quem fosse contra. “Eu quero trabalhar, se eles não querem o problema é deles! A briga deles é com o governo, a gente não tem nada a ver com isso”. Não foi propriamente uma manifestação a favor ou contra a greve dos ferroviários, portanto. Foi antes a maneira encontrada por aqueles trabalhadores para lidar com a pressão dos chefes. Ao impedir que houvesse transporte somente para alguns, enquanto a maioria ficaria sem opção, eles impuseram um limite à chantagem patronal. Se ninguém fosse trabalhar, não haveria como demitir todos eles. Se antes bastava o chefe ameaçar com o desemprego para colocar uns contra os outros na disputa por um espaço no ônibus, desta vez o tiro saiu pela culatra. Descobriram assim que os patrões não podem tudo – pois sem os trabalhadores a riqueza acumulada não serve de nada.

E sugerimos que ouçam e vejam esta entrevista.

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