Sobre a tênue fronteira entre filosofia e teoria social
Embora o trajeto tenha início no mesmo porto, no meio do caminho o filósofo e o teórico social descobrem uma encruzilhada. Depois de uma troca rápida de olhares, compreendendo a gravidade da situação, ambos se despedem, cada um seguindo seu caminho. Por quê?
Publicado 28/02/2025 às 18:26 - Atualizado 28/02/2025 às 18:27
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Por Thiago Pinho, na Revista Úrsula
“Eu não necessariamente quero ter uma filosofia”
– Bruno Latour, em Harman, Latour, Erdélyi (2011, p. 48)
Se você é um filósofo, talvez já encontrou pelo caminho teóricos sociais; se for um teórico social, talvez filósofos fazem parte do seu repertório de leitura, ou até seja um dos seus livros de cabeceira. Transitar entre essas duas áreas aparentemente não carrega muito custo embutido, são quase sinônimos, como brasileiros viajando até Lisboa ou vice e versa. Sem dúvida, sotaques são múltiplos, assim como certas palavras, detalhes históricos, mas existe também no meio disso tudo um cheiro familiar nesse deslocamento, um solo comum de possibilidades. Além disso, muitos teóricos sociais foram filósofos no passado, como Marx, Bourdieu e Foucault. Já alguns passeiam constantemente entre uma área e outra, sem nenhum tipo de limite, como o próprio Badiou. Ou seja, existem tantos pontos de contato entre um teórico social e um filósofo, mas onde mora a diferença, onde fica o limite? Como separar um Žižek de um Heidegger? Ou um Montaigne de um Kant? Ou um Foucault de um Meillassoux? São todos filósofos, certo? Errado…
Antes de um mergulho mais profundo no núcleo desse ensaio, é preciso deixar claro algumas premissas básicas. Embora Latour não tenha sido um filósofo, e até recuse esse mesmo rótulo com todas as suas forças, nada impede de ser interpretado filosoficamente, como fazem Graham Harman, Isabelle Stengers, Donna Haraway, além de outros espalhados por aí. Um autor não é um núcleo sólido e inviolável, mas um traço de realidade dissolvido numa esteira infinita de interpretações.
“O que é filosofia?”, pergunta o sujeito aleatório na esquina da sua casa. Sem dúvida, eu entendo a armadilha de um questionamento assim, não sou ingênuo. Muitos tentaram escalar essa muralha, na esperança vazia de oferecer uma resposta consistente. Deleuze, Ortega y Gasset, Heidegger, Badiou e Merleau-Ponty estamparam na capa dos seus livros essa mesma pergunta, cada um com suas próprias apostas na mesa. Apesar das tentativas, e até do mérito envolvido em cada uma delas, todas se dissolveram em um fluxo infinito de possibilidades, como é esperado em áreas não-paradigmáticas. Um biólogo não encontra problema quando define a si mesmo e aquilo que faz, afinal, nos seus bastidores existe um circuito bem compartilhável de premissas semióticas. Mas é óbvio que eu não sou um biólogo, um químico ou um físico, nem mesmo pareço com um. Em áreas não paradigmáticas, como a nossa, aquela pergunta no início do parágrafo permanece condenada ao fracasso, como um tipo de objeto indefinido no horizonte de um oceano imenso. De qualquer forma, mesmo reconhecendo o risco dessa minha jornada, com plena consciência de uma provável crítica do meu leitor, eu preciso definir alguma coisa… meus dedos coçam!!!
Em geral, a filosofia é um percurso investigativo bem específico, muitos diriam até exclusivo de um Ocidente ácido e cínico (Žižek). O próprio Latour (Harman, Latour, Erdélyi, 2011, p. 45) define o filósofo como alguém obcecado com a “furniture of the world”1, o substrato da própria realidade, o fundamento de tudo o que existe. Embora concorde com essa definição latouriana, vamos expandir seus contornos um pouco mais. Toda filosofia, ao menos a Ocidental, tem duas grandes preocupações: 1) a natureza das coisas OU (e aqui entra minha expansão) 2) suas condições de acesso (mente, linguagem, corpo). Você pode chamar uma de undermining2 e a outra de overmining, caso seja um harmaniano. Em outras palavras, o filósofo se preocupa com grandes investigações, de grande porte, e numa escala gigantesca, sejam em análises ontológicas ou epistêmicas, dependendo das expectativas na mesa. Eu chamo essa característica filosófica de transcendentalismo, envolvendo aqui tanto as condições de existência e de acesso do mundo, o que inclui basicamente todo o trajeto da filosofia ocidental, de empiristas até metafísicos, de analíticos até continentais. Sem dúvida, é uma definição ainda genérica, mas útil, ao menos nas fronteiras desse ensaio.
Mas e a teoria social, o que ela é? Segundo Giddens, os nossos objetos de escrita são praticamente os mesmos de algum filósofo aleatório. Palavras como “dualismo”, “ontologia”, “epistemologia”, “ética”, “estética”, “bifurcação”, “essência”, “transcendental” fazem parte do nosso dicionário também, mas com uma diferença sutil. Embora o trajeto tenha início no mesmo ponto, com um conjunto de experiências compartilháveis, no meio do caminho o filósofo e o teórico social descobrem uma encruzilhada. Depois de uma troca rápida de olhares, compreendendo a gravidade da situação, ambos se despedem, cada um seguindo o próprio rumo. Se a diferença não mora no objeto de estudo desses dois exemplos metafóricos, onde eu devo procurar? Se o conteúdo é o mesmo, a forma é diferente, assim como o compromisso metodológico de fundo. Parece confuso, eu sei, mas me empreste alguns minutos do seu precioso tempo.
Imagine você em uma livraria, depois de passear um pouco no shopping com seu melhor amigo, Sócrates da Silva Santos. No fim do corredor, ao lado da seção de literatura, uma prateleira dourada se destaca das demais: são os filósofos. Depois de alguns segundos checando os itens disponíveis, um livro de 500 páginas captura sua atenção: é uma crítica ao dualismo cartesiano e seu impacto na filosofia contemporânea, em um diálogo interessante com várias tradições de pensamento. Esse cenário hipotético descrito por mim não é nada estranho, certo? Faz completo sentido… se você for um filósofo!!! Mas o nariz do teórico social captura um cheiro um pouco esquisito quando atravessa o mesmo corredor. “Dualismo” não é um simples conceito, mas uma instituição, uma instância materializada na vida cotidiana, na forma como seu José e Dona Maria respiram. Embutida na maneira como indivíduos se organizam, ela não é um efeito provisório de certas mentes específicas, muito menos tradições teóricas de épocas distantes. Ou seja, o dualismo não é uma migalha conceitual na cabeça criativa de cartesianos; ela é uma premissa concreta do campo político, familiar, mercadológico, midiático, acadêmico, religioso, acompanhada de jogos institucionais materializados no dia-a-dia de brasileiros, canadenses, chineses, suíços, nigerianos …
Em outras palavras, dentro da teoria social debates ontológicos e epistêmicos não se limitam aos filósofos e seus circuitos especulativos, mas inclui qualquer indivíduo em jogos institucionais, ainda que não tenham a sofisticação de um Hegel, a criatividade neologística de um Heidegger ou a prosa poética de um Nietzsche. Segundo Giddens, a teoria social carrega algo diferente, o que chamou de dupla hermenêutica. Ou seja, eu não sou o único que interpreto termos como “mundo”, “família”, “cinema”, “ética”, “mal”, refletindo sobre seus contornos. As pessoas lá fora não permanecem sentadas aguardando meu malabarismo interpretativo, como se fossem criaturas passivas na espera de libertação; muito pelo contrário. Elas carregam suas próprias teorias, além de justificativas e manobras retóricas, cada uma com premissas éticas, epistêmicas e ontológicas, tudo isso acompanhado de implicações institucionais gigantescas. Cabe ao teórico social compreender esse circuito, suas brechas, entranhas… sua materialidade. Observe agora a diferença quando um filósofo interpreta um determinado fenômeno. As premissas metodológicas e os desdobramentos institucionais podem não fazer parte do prato filosófico, quase sempre em uma jornada especulativa solitária, na qual os interlocutores continuam sendo prolongamentos de si mesmos, ou seja, outros filósofos filosofando filosoficamente filosofias filosofadas. Quando escapam desse “círculo hermenêutico” vicioso, perdem o título original e se transformam em teóricos sociais, não importando aqui a formação acadêmica do indivíduo, ao menos de acordo com Giddens. É o que acontece, por exemplo, com autores da pós (de) colonialidade. Nesse universo de pesquisa, a inquietação é menos sobre os contornos epistêmicos e ontológicos dos bastidores, em um mergulho detalhado em um oceano especulativo, e muito mais sobre as premissas e implicações em circuitos concretos de ação, sejam eles políticos, econômicos, religiosos, publicitários, geográficos ou históricos. “E aqui existe uma forte discordância que é, talvez, o cerne da diferença entre um filósofo e um cientista social3” (Harman, Latour, Erdélyi, 2011, p. 44).
Como são áreas diferentes, embora intercambiáveis, existem riscos de interpretar teóricos sociais filosoficamente, sem reconhecer os limites desses dois territórios. Esse risco é o que chamo de ontologização de categorias metodológicas e epistêmicas, ou egipcianismo4, nas palavras de Nietzsche em seu Humano, Demasiado Humano. Um exemplo perfeito disso tudo, na minha humilde opinião de pesquisador baiano, é Bruno Latour e seus Modos de existência. É possível interpretar suas 14 categorias de forma filosófica, como instâncias metafisicas que organizam a natureza da própria realidade ou, ao contrário, como parâmetros provisórios em uma esteira metodológica específica, dentro de um registro institucional também específico. Os modos de existência fazem apenas sentido nas democracias liberais, em um espaço onde trajetórias são compartimentalizadas (política não é religião, religião não é ciência, público e privado são esferas opostas). Em outras palavras, “as 14 categorias são extraídas empiricamente da história da Europa”5 (Harman, Latour, Erdélyi, 2011, p. 53), ao invés das profundezas do ser ou das estranhas do nada. Essa compartimentalização das esferas, algo típico das democracias liberais, não faz parte do universo inteiro, já que são ferramentas provisórias de pesquisa em um campo também provisório de análise. Inclusive, antes, durante e depois da publicação dos Modos de Existência, o próprio Latour convidou pesquisadores a investigarem novas categorias em outros territórios e até mesmo a corrigir aquelas desenvolvidas em seu próprio livro. Em outras palavras, “nós tentamos ver se faz diferença quando a informação é modificada, se o significado da informação é alterado por fazer estudos empíricos […]” (Latour, 2011, p. 42). Filósofos, em geral, podem facilmente dispensar esse fundo metodológico, concentrando todas as forças em uma suposta jornada em busca da natureza das coisas. Harman, em um debate com Bruno Latour, insistia em definir os livros latourianos como metafísicos, como se descrevessem os “substratos do mundo” (the furniture of the world), rótulo recusado pelo próprio Latour (Harman, Latour, Erdélyi, 2011, p. 46):
Eu tenho uma metafísica? Não, eu não acho que tenho uma metafísica, esse é o problema. E a questão da metafísica experimental, que é um termo que introduzi em Politicas da Natureza, é algo muito importante. É experimental porque, se precisamos concordar sobre o fundamento do mundo (os objetos são sustentados por um núcleo interno ou estão conectados? Tocamos nos objetos ou não?), então a política certamente está acabada, porque na verdade não existe maneira de resolver essas questões.
Sem dúvida, teóricos sociais fazem uso de premissas ontológicas, além de epistêmicas, mas sempre de um jeito metodológico, ou seja, como recursos de pesquisa dentro de circuitos concretos de análise. Latour chamou essa atitude de “metafísica empírica” (Harman, Latour, Erdélyi, 2011, p. 41), ou, como gosto de escrever, uma “ontologia metodologizada”. Alguns outros autores também fizeram o mesmo movimento de “empiricizar”, digamos assim, debates filosóficos, como acontece com o “essencialismo estratégico” de Spivak e Fanon. Ao contrário da pergunta filosófica “o que é o mundo?”, a dúvida do teórico social surge de uma forma alternativa: “a quem interessa o mundo ser assim ou de outra forma, quais possibilidades são abertas ou fechadas?”. Isso significa que filósofos, em geral, mesmo fazendo parte da área menos paradigmática do universo acadêmico, levam suas especulações muito mais a sério do que teóricos sociais. Conceitos, aos olhos do segundo, são simples ferramentas provisórias, nada mais, nada menos. “E eu acho que os grandes filósofos que você [Harman] menciona são todos sérios, por assim dizer. Eu não sou todo sério, porque isso depende inteiramente da tarefa em jogo” (Harman, Latour, Erdélyi, 2011, p. 42; tradução minha).
Vamos a um exemplo concreto: um religioso e sua defesa de uma divindade universal, absoluta e transcendente. Um filósofo concentra sua atenção nos buracos do seu tecido retórico, apontando suas falhas e as contradições internas em sua cadeia de significantes. Um teórico social, ao contrário, avalia os impactos dessas ideias, suas narrativas, seus contornos, ou seja, os efeitos na realidade. O ponto não é investigar sua consistência logica ou sua suposta falta de correspondência com um certo estado de coisas, avaliando se as premissas de fundo fazem sentido ou não, mas os contornos institucionais do dito e do feito. Resumindo… perguntas ontológicas (isso é real ou não?) ou epistêmicas (isso é verdadeiro ou não?) são fundamentais no mundo contemporâneo, principalmente em tempos de fake news, embora em termos metodológicos não interessam aos ouvidos de um teórico social. Nós estamos preocupados muito mais com os efeitos de certas palavras do que com sua consistência interna ou sua correspondência externa com um certo estado de coisas. Eu chamaria esse esforço de estético, e Latour de pragmático, envolvendo aqui a forma como objetos afetam e são afetados, como acontece no Marxismo. Embora a obsessão contemporânea seja identificar fake news, a análise das ideologias não se resume a isso. Independente de um argumento ser verdadeiro ou falso (exemplo: Dilma cometeu ou não as pedaladas fiscais?), a manobra ideológica continua presente, tornando muitas vezes o “real” e o “verdadeiro” simples pretextos em arranjos específicos. Por isso, aos meus leitores filósofos, por favor, não “ontologizem” minhas palavras nesse ensaio. Ou seja, eu não estou dizendo que o debate sobre a natureza das coisas, em si, não interessa… ele APENAS não interessa dentro de um circuito metodológico bem específico, o meu. Eu deixo aos jornalistas, aos físicos, aos químicos, ou até filósofos, a responsabilidade de verificar o que o mundo é ou, no mínimo, descobrir suas condições de acesso. Na teoria social, ao contrário, existe algo muito mais importante do que a verdade, ainda que ela exista no mundo, ainda que você seja o seu descobridor.
Quando Bruno Latour expande o conceito de agência, incluindo agora humanos e não humanos, isso não pode ser interpretado como uma revelação ontológica, uma descoberta bombástica depois de séculos de obscurantismo, mas um simples e humilde recorte metodológico de um pesquisador francês. Por exemplo, segundo Marx objetos e natureza não são agentes, porque esse conceito pressupõe consciência e liberdade, e não apenas um gesto vago de “afetar” ou “resistir”, como os pós-humanistas adoram. No clássico exemplo de O Capital (volume 1), é óbvio que a aranha afeta o mundo, assim como a natureza, mas isso não é agência em Marx. É preciso uma espécie capaz de mudar seus padrões de comportamento, além de perceber essas mesmas mudanças enquanto acontecem. Sem dúvida, um filosofo aleatório pode comparar esses dois autores, essas duas interpretações conceituais, definindo o campeão na disputa ontológica, afinal, alguém se aproximou da verdadeira “mundanidade do mundo”, certo? Quem é o vencedor: O humanista alemão ou o pós-humanista francês? Se você é um filósofo latouriano, Marx provavelmente permaneceu obscurecido por um discurso da modernidade, antropocêntrico, sem perceber o óbvio. Se você é um filósofo marxista, Latour provavelmente permaneceu obscurecido por um discurso liberal, descentrando a agência dos humanos em nome de um mundo precarizado e desrespeitoso. Aos olhos de teóricos sociais, ao contrário, comparações assim não fazem muito sentido, a não ser como entretenimento em uma mesa de bar. Esse tipo específico de debate é prazeroso, claro, mas apenas isso… prazeroso. Conceitos podem ser expandidos ou reduzidos, dependendo da jornada investigativa em jogo. Por exemplo, desde a década de 1990 Latour carrega nos ombros uma preocupação gigantesca com temas ambientais, detalhe despercebido por Marx. Diante dessa demanda especifica, em um arranjo histórico também específico, o conceito de agência precisou ser expandido, removendo, nesse caso, o critério da liberdade e da consciência como parâmetros de definição. Em outras palavras, o ponto é menos uma descoberta dos não-humanos, e muito mais uma escolha metodológica ou política do pesquisador. Isso também se aplica a conceitos como “tradução” (Latour), “brincadeira” (Massumi), “diplomacia” (Stenger). É possível até falar, nas palavras de Whitehead, que talvez o fogo tenha “o poder de derreter o ouro” (Halewood, 2011, p. 33; grifo meu), talvez uma “molécula tenha uma trajetória histórica” (Halewood, 2011, p. 30; grifo meu), ou até mesmo “uma pedra sinta o calor do sol” (Halewood, 2011, p. 31; grifo meu). Esses conceitos não devem ser usados como revelações ontológicas de filósofos esclarecidos, mas sim escolhas metodológicas dentro de pesquisas recortadas. Qual é a vantagem quando um conceito como “agência” perde seu tom específico (teoria da práxis) e se torna genérico (afetar e ser afetado), ultrapassando assim expectativas antropocêntricas? O que ganho no meu horizonte de pesquisa? Quais perguntas são respondidas?
O debate sobre realismo e antirealismo também segue ritmos alternativos, dependendo de quem você é, seja filósofo ou teórico social. Por exemplo, segundo Harman, em um tom bem melancólico, o realismo foi esquecido na superfície do planeta, principalmente pelas tradições neokantianas. Por mais interessante que seja essa proposição, ela soa estranha aos ouvidos de um teórico social, já que o realismo é a premissa básica de qualquer experiência no mundo. Como interacionistas simbólicos e etnometodólogos alertaram durante décadas, seria impossível conversar com uma pessoa na rua sem partir desse princípio. Não importa se você gosta ou não de lula, ninguém questiona o fato desse indivíduo ser uma pessoa no mundo, além do presidente de um país chamado Brasil. Não existe fofoca sem uma premissa realista, nem mesmo uma conversa rápida no elevador. O realismo não é uma abordagem teórica de uma escola de pensamento, defendida por filósofos continentais especulando sobre a natureza do ser, mas uma instância materializada na vida cotidiana, assim como de suas instituições. Até o mais idealista dos idealistas acredita descrever uma suposta realidade autoral quando usa frases como: “Segundo Berkeley…”, “segundo Kant…”.
Não apenas as análises de filósofos e teóricos sociais são diferentes, mas o custo das críticas segue caminhos alternativos também. Exemplo, se categorias como dualismo são conceitos filosóficos de tradições específicas, logo o custo de uma crítica não é tão alto assim, porque afeta um conjunto aleatório e reduzido de pessoas. Por outro lado, se for uma instituição, materializada na própria forma como o mundo se organiza, o custo aumenta e muito. As consequências das minhas próprias teorias ganham outro nível, de um jeito muito mais radicalizado. Um filósofo pode acusar de estupidez um outro colega filósofo, sem nenhum pingo de remorso no processo, mas um teórico social não pode fazer o mesmo com Joãzinho do Pão ou Dona Maria, a manicure. Sem dúvida, não vamos concordar com os dois, mas a forma da crítica é diferente, porque são pessoas dentro de circuitos institucionais sólidos e significativos, tomando premissas epistêmicas e ontológicas como suportes pragmáticos. Em outras palavras, quanto mais empírica as especulações, mais a ética se torna parte dessa jornada especulativa.
Referências
HALEWOOD, Michael. A.N. Whitehead and Social Theory: Tracing a culture of thought. Cambridge: Anthem Press, 2011
HARMAN, Graham; LATOUR, Bruno; ERDÉLYI, Peter. The Prince and the Wolf: Latour and Harman at the LSE. Winchester: Zero Books, 2011.