Rumo a uma Europa pós-religiosa?
Maioria dos jovens não segue nenhuma religião. Percentual ultrapassa 70% em vários países. Nas nações nórdicas, muçulmanos já superam católicos
Publicado 28/03/2018 às 10:21 - Atualizado 21/12/2018 às 00:25
Maioria dos jovens de 16 a 29 anos não segue nenhuma religião. Percentual ultrapassa 70% em vários países. Nas nações nórdicas, muçulmanos já superam católicos
Por José Eustáquio Diniz Alves, no EcoDebate
O cristianismo vive um momento crítico nos países que dividem o mesmo território continental com o Vaticano. Tudo indica que a Europa caminha para uma sociedade pós-católica e pós-cristã, pois os jovens estão abandonando a religião.
Dados do relatório “Europe’s Young Adults and Religion” (Bullivant, 2018) indicam que a maioria das pessoas da geração do milênio, em 22 países selecionados, não segue nenhuma religião. A pesquisa com jovens de 16 a 29 anos mostra que a República Tcheca é o país menos religioso da Europa, com 91% da juventude dizendo que não têm filiação religiosa. Na Estônia são 80%. A percentagem de jovens sem religião também é muito alta na Suécia (75%), na Holanda (72%) e no Reino Unido (70%).
Outros países que possuem mais de 50% dos jovens de 16 a 29 anos que se declaram sem religião são: Hungria (67%), Bélgica (65%), França (64%), Dinamarca (60%), Finlândia (60%), Noruega (58%) e Espanha (55%). Os países com menor percentual de jovens sem religião são: Lituânia (25%), Polônia (17%) e Israel (1%), conforme mostra o gráfico acima.
Nos países nórdicos, entre os jovens religiosos, predominam os protestantes (evangélicos), vindo os muçulmanos em segundo lugar e os católicos em distante terceiro lugar. Na Suécia havia 16% de protestantes, 6% de muçulmanos, e 1% de católicos, 1% de ortodoxos e 1% de outras religiões não cristãs. Na Noruega, Finlândia e Dinamarca os protestantes são pouco mais de um teço da população, os muçulmanos em torno de 4% e os católicos em torno de 1%.
Na Holanda, os jovens católicos com 7%, perdem para os protestantes (9%) e os muçulmanos (8%). No Reino Unido, os católicos (10%) estão quase empatados com os protestantes (9%) e estão pouco à frente dos muçulmanos (6%). Na França os católicos são 23%, os protestantes 2% e os muçulmanos 10%. Na Rússia, são 40% de ortodoxos e 9% de muçulmanos (e praticamente não existem católicos). Em Israel são 78% de israelitas, 20% de muçulmanos e também, praticamente, não há católicos. Na Espanha os católicos são 37% e os muçulmanos 5%. Em Portugal, os católicos são maioria da população de jovens (com 53%), sendo o país europeu (junto com a Polônia e a Lituânia) com a menor proporção de muçulmanos (menos de 1%).
O gráfico abaixo apresenta a proporção de católicos entre os jovens de 16 a 29 anos de 22 países. Nota-se que os católicos são maioria em apenas 5 países, com destaque para a Polônia, com 82% de católicos, 17% de jovens sem religião e apenas 1% das outras religiões. Em segundo lugar vem a Lituânia com 71% de católicos, 25% de sem religião e 4% para todas as outras. Eslovênia, Irlanda e Portugal tinham em torno de 54% de católicos e algo em torno de 40% de sem religião. Em seguida, na ordem da proporção de católicos, vinha a Áustria (44%) e a Espanha (37%).
Nos demais 15 países, os católicos estavam bem abaixo de 30%, sendo Hungria (26%) e Suíça, França, Bélgica e Alemanha variando entre 24% e 20%. No Reino Unido os católicos são 10% e no restante das 9 nações, a proporção de católicos estava entre 7% e 0%.
O relatório também traz a proporção de jovens que frequentam as igrejas. Evidentemente, a maior participação nos cultos ocorre na Polônia com 39% dos jovens dizendo que frequentam os cultos uma ou mais vezes por semana. Estranhamente, na Lituânia – que tem 71% de população católica – apenas 4% dos jovens dizem frequentar os cultos uma ou mais vezes por semana. Já na República Tcheca, 70% dos jovens jamais vão aos cultos. O número de jovens ausentes das igrejas é também muito elevado (em torno de 60%) na Holanda, Espanha, Reino Unido, Bélgica e França.
Para o continente como um todo, o cenário é de prevalência dos jovens sem religião ou daqueles que declaram uma filiação religiosa mas frequentam muito pouco os cultos semanais. O declínio da influência cristã (católicos e protestantes/evangélicos) é evidente. Os muçulmanos, em geral, são ampla minoria, mas fazem parte do grupo religioso com o maior crescimento e na Holanda e nos países nórdicos já superam os católicos.
O que estes números representam para o Brasil?
Embora seja difícil fazer uma comparação muito refinada, o Brasil, que conta com uma tradição cultural predominantemente europeia e católica (portuguesa, espanhola, italiana, etc.), não está totalmente distante do novo padrão europeu de secularização e declínio do catolicismo e do cristianismo. O Brasil talvez tenha um comportamento intermediário entre o que acontece com Portugal e Espanha.
Os dados dos censos demográficos do IBGE mostram que os cristãos no Brasil, em 1970, representavam 97% da população (91,8% de católicos e 5,2% de evangélicos) e diminuíram para 87% em 2010 (64,6% de católicos e 22,2% de evangélicos). Ou seja, o cristianismo como um todo está em declínio, mas permanece ampla maioria no país.
Enquanto os evangélicos crescem no Brasil, a situação é crítica para o catolicismo. Como já mostrei em vários outros artigos, o país passa por uma transição religiosa. Os católicos continuam como o grupo majoritário, mas perdem espaço em termos absoluto e relativo. Os evangélicos, em sua multiplicidade e diversidade, fazem parte do grupo que mais cresce. Mas também tem aumentado as demais denominações não cristãs e o número de pessoas que se declaram sem religião. Isto quer dizer que o Brasil está passando por uma mudança de hegemonia entre os dois grupos cristãos (católicos e evangélicos), ao mesmo tempo em que aumenta a pluralidade religiosa, pois cresce e diversifica a proporção das filiações não cristãs.
Uma projeção linear com base nos dados dos censos demográficos (Alves, 11/01/2017) mostra que haverá uma mudança no grupo religioso hegemônico em 2036, quando os evangélicos (em sua multiplicidade), estarão com 40,3% das filiações brasileiras e ultrapassarão os católicos, que estariam com 39,4%.
Já uma projeção linear com base nos dados das pesquisas do Instituto Datafolha (Alves, 18/01/2017) indicam que a mudança de hegemonia entre os dois grupos cristãos pode ocorrer em 2028, quando os evangélicos teriam 37,2% das filiações e os católicos teriam 36,4%.
Desta forma, percebe-se que em ambas as projeções os cristãos brasileiros continuarão representando mais de dois terços das filiações religiosas, mas os católicos deverão ficar abaixo de 40% nos próximos 10 ou 15 anos. A dúvida é em relação ao crescimento dos sem religião. No último censo demográfico havia 8% de pessoas se declarando sem religião. Na pesquisa Datafolha de dezembro de 2016, este percentual foi de 14%. Vamos seguir o padrão europeu?
O Brasil ainda está longe de atingir o grau de secularização europeia. Mas não é improvável, que no longo prazo, o cenário religioso da Europa atual, com alta presença de jovens sem religião, também se reproduza nos trópicos, ao sul do Equador.]
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Referências:
ALVES, JED. Uma projeção linear da transição religiosa no Brasil: 1991-2040, Ecodebate, 11/01/2017
ALVES, JED. A transição religiosa em ritmo acelerado no Brasil, Ecodebate, 18/01/2017
BULLIVANT, Stephen. Europe’s Young Adults and Religion Findings from the European Social Survey (2014-16) to inform the 2018 Synod of Bishops. St Mary’s University, Twickenham,
UK, Institute Catholique de Paris, France, Benedict XVI Centre for Religion and Society, 2018
José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: [email protected]
Um comentario para "Rumo a uma Europa pós-religiosa?"
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As vezes eu confesso que não consigo entender…como falar em uma Europa pós religiosa com o crescimento do Islã? Do que trata o que esses articulistas tentam tratar?