Roubini: a grande crise econômica está só no início

Explosão das dívidas. Redução abrupta de salários. Ruptura das cadeias produtivas. Inflação. Vulnerabilidade a novos vírus O economista que previu a crise de 2008 prevê, ponto por ponto, o que virá, se sociedades seguirem à mercê dos mercados

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Por Nouriel Roubini, no Project Synditace, traduzido pela Carta Maior

Após a crise financeira de 2007-09, os desequilíbrios e os riscos que permeiam a economia global foram exacerbados por erros de política. Em vez de abordar os problemas estruturais, que o colapso financeiro e a subsequente recessão revelaram, os governos, na maior parte das vezes, empurraram com a barriga, criando grandes riscos adversos que tornaram inevitável a ocorrência de outra crise.

Agora ela chegou, os riscos estão aumentando e se tornando ainda mais agudos. Infelizmente, mesmo que a Maior Recessão leve a uma recuperação desbotada em forma de U este ano, uma “Maior Depressão”, em forma de L, se seguirá no final desta década, devido a dez tendências nefastas e perigosas.

A primeira tendência diz respeito a déficits e os riscos deles decorrentes: dívidas e inadimplências. A resposta política à crise da COVID-19 implica um enorme aumento dos déficits fiscais – da ordem de 10% do PIB ou mais – em um momento em que os níveis da dívida pública em muitos países já estavam altos, se não insustentáveis.

Pior ainda, a perda de renda para muitas famílias e empresas significa que os níveis de dívida do setor privado também se tornarão insustentáveis, potencialmente levando a inadimplências em massa e falências. Juntamente com níveis rapidamente crescentes da dívida pública, tudo isso garante uma recuperação mais anêmica do que a que se seguiu à Grande Recessão, há uma década.

Um segundo fator é a bomba-relógio demográfica nas economias avançadas. A crise da COVID-19 mostra que muitos mais gastos públicos devem ser alocados aos sistemas de saúde e que a assistência universal à saúde e outros bens públicos relevantes são necessidades, não luxos. No entanto, como a maioria dos países desenvolvidos tem sociedades com mais idosos, custear tais despesas no futuro aumentará ainda mais as dívidas implícitas dos atuais sistemas de assistência médica e de seguridade social.

Uma terceira questão é o crescente risco de deflação. Além de causar uma profunda recessão, a crise também está criando uma ociosidade nos bens (máquinas e capacidade não utilizadas) e nos mercados de trabalho (desemprego em massa), além de provocar um colapso dos preços das commodities, como petróleo e metais industriais. Isso torna provável a deflação provocada da dívida, aumentando o risco de insolvência.

Um quarto fator (relacionado) será a degradação da moeda. À medida que os bancos centrais tentam combater a deflação e evitar o risco de aumento das taxas de juros (após o aumento maciço da dívida), as políticas monetárias se tornarão ainda mais não convencionais e abrangentes. No curto prazo, os governos precisarão monetizar déficits fiscais para evitar depressão e deflação. No entanto, com o tempo, os choques permanentes negativos da oferta, por conta da desglobalização acelerada e do protecionismo renovado, tornarão a estagflação praticamente inevitável.

Um quinto ponto é a disrupção digital mais ampla da economia. Com milhões de pessoas perdendo seus empregos ou trabalhando e ganhando menos, as disparidades de renda e riqueza da economia do século XXI se ampliarão ainda mais. Para se proteger contra futuros choques na cadeia de suprimentos, as empresas de economias avançadas retornarão a produção de regiões de baixo custo para mercados domésticos de alto custo. Mas, em vez de ajudar os trabalhadores nacionais, essa tendência acelerará o ritmo da automação, pressionando os salários para baixo e excitando ainda mais as chamas do populismo, do nacionalismo e da xenofobia.

Isso aponta para o sexto fator principal: a desglobalização. A pandemia está acelerando as tendências de balcanização e fragmentação que já estavam em andamento. Os Estados Unidos e a China se dissociarão mais rapidamente, e a maioria dos países responderá adotando políticas ainda mais protecionistas para proteger empresas e trabalhadores domésticos de rupturas globais.

O mundo pós-pandemia será marcado por restrições mais rígidas ao movimento de bens, serviços, capital, trabalho, tecnologia, dados e informações. Isso já está acontecendo nos setores farmacêutico, de equipamentos médicos e de alimentos, aos quais os governos estão impondo restrições à exportação e outras medidas protecionistas em resposta à crise.

A reação contra a democracia reforçará essa tendência. Os líderes populistas geralmente se beneficiam da fraqueza econômica, desemprego em massa e crescente desigualdade. Sob condições de maior insegurança econômica, haverá um forte impulso para se usar os estrangeiros como bodes expiatórios pela crise. Trabalhadores de menor qualificação e amplos grupos da classe média se tornarão mais suscetíveis à retórica populista, particularmente a propostas para restringir a migração e o comércio.

Isso aponta para um oitavo fator: o impasse geoestratégico entre os EUA e a China. Com o governo Trump fazendo todos os esforços para culpar a China pela pandemia, o regime do presidente chinês Xi Jinping dobrará a aposta em sua alegação de que os EUA estão conspirando para impedir a ascensão pacífica da China. A dissociação sino-americana no comércio, tecnologia, investimento, dados e acordos monetários se intensificará.

Pior, esse rompimento diplomático preparará o terreno para uma nova guerra fria entre os EUA e seus rivais – não apenas a China, mas também a Rússia, o Irã e a Coreia do Norte. Com a eleição presidencial dos EUA se aproximando, há todos os motivos para se prever uma rápida intensificação da guerra cibernética clandestina, potencialmente levando até a confrontos militares convencionais. E como a tecnologia é a arma principal na luta pelo controle das indústrias do futuro e no combate às pandemias, o setor privado de tecnologia dos EUA se tornará cada vez mais integrado ao complexo industrial nacional de segurança.

Um risco final que não pode ser ignorado é a disrupção ambiental, que, como mostrou a crise da COVID-19, pode causar muito mais estragos econômicos do que uma crise financeira. As recorrentes epidemias (HIV desde os anos 80, SARS em 2003, H1N1 em 2009, MERS em 2011, Ebola em 2014-16) são, assim como as mudanças climáticas, essencialmente desastres causados pelo homem, nascidos de padrões sanitários e de saúde ruins, do abuso dos sistemas naturais e da crescente interconectividade de um mundo globalizado. As pandemias e os muitos sintomas mórbidos das mudanças climáticas se tornarão mais frequentes, severos e onerosos nos próximos anos.

Esses dez riscos, já iminentes antes da COVID-19, agora ameaçam alimentar uma tempestade perfeita que varre toda a economia global em uma década de desespero. Na década de 2030, a tecnologia e uma liderança política mais competente poderão reduzir, resolver ou minimizar muitos desses problemas, dando origem a uma ordem internacional mais inclusiva, cooperativa e estável. Mas qualquer final feliz pressupõe que encontraremos uma maneira de sobreviver à Maior Depressão que se aproxima.

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