República dos Juízes: os novos intocáveis

Idealizada por Jean-Claude Bernardet, a série mergulha nas entranhas do Judiciário. Falta de controle social, conluios midiáticos e crise política deram poderes absolutos a promotores e juízes, cujas canetadas abalam a democracia brasileira

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Por Matheus Trunk, na Ponte Jornalismo

Eles se tornaram protagonistas depois da Constituição de 1988. Viraram uma espécie de quarto poder da República. Não derrubam os poderosos por armas ou batalhas, mas com canetadas, sentenças e articulações com o Ministério Público. Aproveitam-se do descrédito do Estado, dos partidos políticos e conseguem o protagonismo nos meios de comunicação. Vivem sendo um poder que sufoca os outros poderes. Uma autoridade que amordaça as demais autoridades.

Eles são o poder Judiciário, de onde emergiram nomes hoje famosos como Joaquim Barbosa, Rodrigo Janot, Deltan Dallagnol e Sérgio Moro. Esse é o foco da série documental de não-ficção República dos Juízes, que estreia nesta quarta-feira (24/8) às 21h no canal Cinebrasil TV e no streaming Claro tv+ (antigo NOW).

Extremamente bem-produzida, a série tem uma linguagem toda própria, não acadêmica e muitas vezes não linear. É uma espécie de “documentário de invenção” que mescla os depoimentos de entrevistados com imagens de arquivo, debates eleitorais, programas antigos de televisão, cinejornais e até mesmo filmes mudos. Os poucos depoentes são especialistas em Direito e cientistas políticos que apresentam uma visão crítica sobre esse momento.

Um aspecto que chama a atenção é a trilha sonora composta e executada por Mari Herzer, entregando uma atmosfera de desolação aos espectadores. Outro destaque é a dinâmica montagem, que consegue ter ritmo certeiro e seco para cada episódio apresentado. “Cada vez mais as relações de poder resultam em relações de opressão”, diz um dos entrevistados sem nenhuma cerimônia. 

Tríptico retratando o ex-juiz e hoje candidato a senador Sérgio Moro (União Brasil / PR) | Foto: Divulgação

República dos Juízes é composto por cinco episódios de 26 minutos que abordam uma diferente faceta do poder Judiciário do Brasil de hoje. “Poder” é o primeiro episódio, “Controle” o segundo, “Vaidade” o terceiro, “Abuso” o quarto e “Corrosão” o quinto. Idealizada pelo professor Jean-Claude Bernardet, a série é dirigida e produzida pelo cineasta Eugênio Puppo, tendo co-direção dos realizadores Cédric Fanti e Hugo Leonardo.

A Nova República e a Constituição de 1988 dão um novo fôlego para o Judiciário, mas os magistrados ficaram um tanto decepcionados com esta Carta Magna. Ela preocupava-se mais com os direitos dos cidadãos e não deram tanto poder quanto os juízes esperavam. Esses assuntos são abordados nos dois primeiros episódios da série. A virada no mundo Judiciário acontece pelo ano 2000. Existia toda uma demanda jurisdicional e a tentativa de uma centralização administrativa dentro do Supremo Tribunal Federal (STF).

Já em 2010, o descrédito com os políticos e as instituições organizadas causa uma aposta no judiciarismo como a saída para o Brasil. Eles são vistos como órgãos autônomos e neutros que não precisam de controle. “Parece que quando alguém vira promotor público ele ganha asas”, destaca um dos entrevistados.

O presidente Jair Bolsonaro (PL) com o procurador-geral da República Augusto Aras | Foto: Divulgação

O Judiciário ganha novos poderes com a TV Justiça, mostra o terceiro episódio. O circo midiático acaba influenciando a opinião pública. Certos nomes tornam-se conhecidos pelo público em geral. Já o quarto capítulo analisa como o sistema de justiça pode servir como anteparo para regimes totalitários. O foco é o papel duplo da chamada Lei de Anistia, promulgada no final da ditadura militar em 1979. A lei serviu tanto para interromper as perseguições impostas no momento autoritário como para anistiar os torturadores.

“Esse é o nosso problema: uma tradição pouco democrática com instituições pouco democráticas. (…) Não existe nenhuma visão das Forças Armadas no Pós-Guerra Fria”, dispara um dos entrevistados. Já o último episódio vai analisar de maneira mais detalhada o atual momento da Lava Jato e seu papel na política brasileira contemporânea. “A Lava Jato acha que é a Revolução de 1930, ela é liberal, mas tem um trading conservador que iria aparecer mais cedo ou mais tarde.”

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