Como os professores de SP venceram
com mobilização nos locais de trabalho e organização dinâmica e flexível, categoria derrotou — na prática, não nos slogans — a contrarreforma trabalhista de Temer
Publicado 15/07/2018 às 20:52 - Atualizado 20/12/2018 às 23:10
Balanço de uma greve notável:
Por Passa Palavra
No dia 6 de junho de 2018, os professores de escolas particulares de São Paulo conseguiram renovar a sua convenção coletiva de trabalho, mantendo – entre outras coisas – o recesso remunerado de 30 dias, a garantia semestral de salários e bolsas de estudos para os filhos.
Com a aprovação da nova lei trabalhista, que passou a vigorar em novembro passado, as condições de negociação foram substancialmente alteradas em favor das empresas. Anteriormente, a convenção vigente continuaria valendo até que se chegasse a um novo acordo; esse mecanismo permitia a manutenção formal de certas condições de trabalho conquistadas em períodos de lutas anteriores, o que favorecia a manutenção de benefícios mesmo em momentos de desmobilização de uma categoria. Com a nova lei trabalhista, essa continuidade automática acabou, o que permitiu aos patrões avançar sobre condições de trabalho já estabelecidas; no caso dos professores, as que mais se destacaram foram a diminuição do recesso para 20 dias, a restrição das bolsas de estudos para os filhos, o fim da garantia semestral de salários e a possibilidade de contrato para jornada intermitente.
Em uma categoria com pouca tradição de mobilização recente e que se via com poucas possibilidades de ação, o cenário parecia desolador, com a piora das condições de trabalho, o aumento da pressão por conta da crise econômica e uma diretoria sindical afastada do corpo da categoria. Como então os professores e professoras conseguiram manter sua convenção coletiva?
Um primeiro aspecto a ser destacado foi a construção, desde a assim chamada greve geral de 28 de abril de 2017, de reuniões regulares de grupos de professores para discutir as condições de trabalho e mobilização em suas próprias escolas. O grau de formalização desses grupos era variado, alguns se reuniam em assembleias para discutir os problemas coletivamente, outros em bares após o expediente, outros trocavam informações no WhatsApp ou conversavam regularmente na sala dos professores. Com o anúncio das mudanças na convenção coletiva, estes grupos se mobilizaram para envolver os demais professores da própria escola e mobilizar escolas próximas. Isso permitiu que os trabalhadores e trabalhadoras realizassem assembleias locais, e assim as decisões pela paralisação das aulas aprovadas nas assembleias sindicais eram discutidas em cada local de trabalho. No dia 29 de maio o movimento conseguiu paralisar mais de uma centena de escolas e mobilizar trabalhadores de outras tantas.
A mobilização nas escolas só foi possível com a construção de fortes laços de solidariedade. Os professores e professoras de escolas mais mobilizadas conseguiam panfletar em outras escolas; entretanto, o grau de exposição aos patrões que isso requeria dificultava uma generalização dessa mobilização. A solidariedade e as ações de fortalecimento feitas em escolas especialmente repressoras, ou com pouca discussão interna, foi massivamente feita por estudantes e familiares, que fizeram cartas, vídeos, panfletagens e atos em frente à diversas escolas.
Embora tenha sido ajuizada a ação de dissídio coletivo, a aposta da base da categoria não foi na judicialização do tema, e sim na manutenção da mobilização em cada escola. No momento em que o Sinpro-SP entrou com a ação judicial, as atividades sindicais refluíram por um mês e parecia que o sindicato estava focado na construção de uma estratégia jurídica. Os professores começaram a organizar conversas abertas em escolas, convidando os pais e professores de outras escolas, formulando argumentos mais contundentes, criando novos contatos e vínculos de apoio. Essas atividades foram essenciais para que fossem possíveis as ações de solidariedade já descritas, bem como para a formação de grupos coesos de professores que conseguiram empurrar o sindicato para uma ação mais incisiva.
Esses grupos organizados de professores e apoiadores conseguiram, no momento em que as paralisações foram decididas, organizar aulas públicas, atividades abertas, panfletagens, colagens de cartazes e manifestações. Essas ações apontavam no sentido de mobilização coletiva perante a sociedade, não se restringindo a uma ação dentro das escolas ou mesmo dentro do sindicato. As próprias assembleias sindicais foram transformadas em ações públicas ao serem levadas para as ruas e terem continuidade como passeatas por grandes avenidas da cidade.
A mobilização dos professores teve que superar uma série de clivagens internas, seja entre professores de escolas de elite e professores de escolas de bairro, quanto entre professores e estagiários. Os patrões trabalharam para fracionar a categoria com diversas escolas de elite oferecendo, após o início das mobilizações, garantia aos professores. Entretanto, estes professores mais bem inseridos no mercado de trabalho continuaram a participar ativamente das mobilizações, pois na medida em que seus colegas de escolas menores viam essas lutas acontecendo se sentiam mais confiantes para se engajar nas manifestações.
A dinâmica de luta permitiu que, de fora do aparelho sindical, fosse possível utilizar seus recursos para potencializar uma mobilização real. Existia uma forte desconfiança em relação à postura da direção sindical que não parecia, aos olhos do conjunto da categoria, empenhada em garantir as mobilizações amplas e tampouco era clara em seus posicionamentos em assembleia. Tal situação levou ao questionamento incisivo da direção pela base nas assembleias, e quando a direção quis aprovar a contribuição sindical os professores se recusaram a votá-la, pois queriam discutir formas de mobilização, o que levou à discussão sobre a contribuição para a semana seguinte. Esses questionamentos foram conseguindo moldar as assembleias e a própria mobilização sindical; os professores não ficavam presos a denunciar a direção e conseguiram abrir espaços para mais falas nas assembleias, para impressão de material independente e não assinado, para evitar a presença de parlamentares no carro de som e para garantir um maior número de professoras falando na assembleia.
Mesmo com toda essa mobilização a agenda de luta ainda estava associada a questões institucionais, afinal, formalmente, são os sindicatos reunidos que assinam a convenção. No período entre 29 de maio e 6 de junho isso se explicitou, pois o sindicato de patrões se recusou a assinar a Convenção que já havia sido acordada. A reação na categoria foi dupla: a desconfiança da própria direção do Sinpro e a expectativa de como pressionar diretamente os patrões a aceitarem. Conseguiram junto com diversos apoiadores de outras categorias mobilizar a opinião pública em torno das contradições dos patrões, mobilizar-se em frente ao Tribunal do Trabalho e azucrinar a assembleia patronal. Ao romper com os limites da organização sindical, unindo-se a estudantes, pais, estagiários e assistentes, conseguiram arrancar assim a continuidade da Convenção Coletiva de uma patronal que queria destruí-la e em um momento que a questão já estava judicializada.
O ataque planejado pelos donos de escolas parece ter tido o efeito inverso do desejado. A luta levou para diversas salas de professores conversas sobre a convenção coletiva de trabalho. Se antes a Convenção era só um papel distante da vida do professor, agora ela é de conhecimento da categoria, o que abre caminho para que se exija de fato seu cumprimento, ao mesmo tempo que a construção de assembleias em escolas e laços de solidariedade entre as equipes permite que se estabeleça outras formas de contestação em cada local de trabalho. Essa força coletiva será muito importante no próximo período, quando a perseguição a figuras ativas deve se intensificar, mas pelo que se pode ver durante as paralisações os professores começaram a perder o temor de denunciar os assédios praticados pelas direções.
A luta feita pelos professores construiu uma oposição prática à alteração das lei trabalhistas, não a partir de slogans, mas da ação na base, que garantiu aos trabalhadores a continuidade de seus direitos. O exemplo dos trabalhadores da educação particular em São Paulo pode servir para outras categorias conseguirem barrar de fato os efeitos da recente reforma trabalhista mais funestos para os trabalhadores.