Petróleo: a nova ameaça ao Pré-Sal

Deputados aprovam projeto que pode tirar da Petrobras campos extremamente lucrativos. Petroleiras globais prestes a ter ganho gigante, sem dar retorno ao país. Matéria vai ao Senado

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Por Paulo César Ribeiro Lima, no GGN

A redação final do Projeto de Lei – PL nº 8.939-B, de 2017, foi aprovada na Câmara dos Deputados no dia 4 de julho de 2018. Essa proposição, já encaminhada ao Senado Federal, altera a Lei nº 12.276, de 30 de junho de 2010, para permitir à Petrobrás a transferência parcial a terceiros de áreas contratadas no regime de cessão onerosa e para permitir a licitação dos excedentes dessa cessão. Além disso, determina o fim das licitações públicas nas contratações de bens e serviços para explorar e produzir os principais campos da província petrolífera do pré-sal.

A lei de 2010 autorizou a União a ceder onerosamente à Petrobrás o exercício das atividades de pesquisa e lavra de petróleo e gás natural em áreas não concedidas localizadas no Pré-Sal. O ônus pago pela estatal foi utilizado para subscrição de ações pela União no processo de capitalização da empresa. Isso caracteriza bem a excepcionalidade do regime de cessão onerosa.

Nesse regime, a estatal tem a titularidade do volume de cinco bilhões de barris de petróleo equivalente cedidos pela União, sendo o exercício das atividades de pesquisa e lavra realizado apenas pela Petrobrás, por sua exclusiva conta e risco, nos termos do respectivo Contrato de Cessão Onerosa.

Agora, PL nº 8.939, de autoria do deputado José Carlos Aleluia (DEM), modifica a Lei de 2010 para permitir que a Petrobrás negocie e transfira a titularidade desse Contrato, desde que seja preservada uma participação de, no mínimo, 30%.

Observa-se, então, que essa proposição é uma afronta a uma legislação excepcional para capitalizar a Petrobrás e que deu origem a um ato jurídico perfeito, que é o próprio Contrato de Cessão Onerosa, cuja Cláusula Trigésima determina a intransferibilidade dos direitos da estatal.

Na sua justificação, o autor do PL nº 8.939, de 2017, Deputado José Carlos Aleluia, argumenta haver interesse da União, enquanto sócia controladora da Petrobrás, em fortalecer a estatal com vistas a dotá-la de recursos decorrentes de áreas que se caracterizam pelo baixo risco exploratório e que representam considerável potencial de rentabilidade.

Importa ressaltar que grande parte dos investimentos para exploração e produção das áreas da cessão onerosa já foram feitos. Existe um tempo de plantar e um tempo de colher. Essa colheita já começou com a entrada em operação, no dia 24 de abril de 2018, do primeiro sistema definitivo de produção em área da cessão onerosa, por meio da unidade estacionária de produção P-74, que é um navio de produção do tipo FPSO (floating, production, storage and offloading), instalada de no campo Búzios.

Para o segundo semestre de 2018, a Petrobrás prevê a entrada em operação dos FPSOs P-67, P-68, P-69, P-75 e P-76. É quase um FPSO por mês e nada menos do que 750 mil barris por dia de capacidade instalada. Somados com as duas unidades de produção do primeiro semestre, a capacidade de produção instalada pela Petrobrás, já em 2018, é da ordem de 1 milhão de barris de petróleo por dia (mmbpd).

A programação para a entrada em operação de FPSOs, conforme a Petrobrás, deverá ser a seguinte: em 2019, os FPSOs P-70 (Atapu I) e P-77 (Búzios IV); em 2021, a unidade Búzios V e Sépia; e em 2022, uma unidade em Itapu.

Conforme mostrado no Plano Decenal de Expansão de Energia 2026, elaborado pelo próprio Poder Executivo Federal, a produção sob o regime de cessão onerosa é o grande destaque, pois passa de zero, em 2017, a 1,7 mmbpd ou para 1,3 mmbpd, sem considerar o volume excedente da cessão onerosa, em 2026. A Figura 1 mostra as estimativas de produção por regime.

Devido às características dos reservatórios e da escala dos projetos, os custos técnicos no Pré-Sal estão próximos de US$ 15 por barril e há potencial para otimização tanto dos custos de capital quanto dos custos operacionais. Dessa forma, os custos de produção podem ser inferiores a US$ 15 por barril, sem considerar os custos indiretos.

Em razão de não haver o pagamento de participação especial, mas apenas 10% a título de royalties, a produção sob o regime de cessão onerosa deverá proporcionar um grande aumento na geração de caixa da Petrobrás. Admitindo-se um custo total de produção de US$ 20 por barril e um valor de US$ 70 por barril, o custo total, incluída a participação governamental, será de apenas US$ 27 por barril. Desse modo, a receita líquida será de extraordinários US$ 43 por barril.

Em 2022, a receita líquida da Petrobrás apenas com a produção de cerca de 1 milhão de barris de petróleo por dia sob o regime de cessão onerosa será de US$ 15,7 bilhões ou R$ 58 bilhões, utilizando-se uma taxa de câmbio de 3,70 Reais por Dólar. Nos anos seguintes, a receita líquida anual será ainda maior.

Como grande parte das unidades de produção da cessão onerosa já estão contratadas e construídas, elas poderão entrar em operação no curto prazo, produzindo petróleo com altíssima rentabilidade. Conclui-se, então que é desprovida de qualquer justificativa técnica a Petrobrás transferir a titularidade dessas áreas, como proposto pelo texto aprovado na Câmara dos Deputados referente ao PL nº 8.939, de 2017.

Com relação aos volumes recuperáveis excedentes ao Contrato de Cessão Onerosa, eles podem chegar a 15 bilhões de barris de óleo equivalente. Considerando que são recursos já descobertos e comerciais, a oferta desses volumes demandará a contratação de inúmeras unidades de produção no curto prazo, que podem gerar importante retorno para a sociedade, desde que a participação governamental e o conteúdo local sejam elevados.

Para o País, seria muito melhor que não houvesse licitação dos excedentes da cessão onerosa. Nesse caso, o Estado poderia contratar a Petrobrás como prestadora de serviços de operação e produção dos excedentes da cessão onerosa; poderia celebrar um contrato de parceria com a Petrobrás, em um modelo semelhante ao da Noruega; ou poderia contratar a Petrobrás, sob o regime de partilha de produção, com um excedente em óleo da União igual ou maior que 70% e um conteúdo local global de, pelo menos, 50%.

Importa ressaltar que na 2ª Rodada de Partilha de Produção, o consórcio liderado pela Petrobrás ofertou para a área denominada Entorno de Sapinhoá, muito semelhante às áreas da cessão onerosa, um excedente em óleo para a União de 80%. No entanto, o excedente em óleo mínimo para a União estabelecido pelo Conselho Nacional de Política Energética foi de apenas 10,34% e o conteúdo local foi de somente 30% na etapa de desenvolvimento da produção.

O texto aprovado na Câmara dos Deputados determina que os excedentes da cessão onerosa sejam licitados sob o regime de partilha de produção, mas sem estabelecer uma política de excedente em óleo mínimo para a União, sem dispor sobre uma política de conteúdo local e sem determinar que cada campo tenha um único operador. Mantido esse texto, duas unidades de produção poderão estar instaladas lado a lado no mesmo campo, mas operadas por diferentes empresas. Isso pode gerar graves conflitos e problemas técnicos, pois estará sendo extraído um fluido de uma mesma fonte, que é o reservatório petrolífero.

A produção dos excedentes da cessão onerosa por outras empresas petrolíferas, que não a Petrobrás, também vai reduzir muito a participação governamental na renda petrolífera, pois a União e entes federais detêm quase 50% do capital social da estatal.

Para os cinco bilhões de barris da cessão onerosa, o valor presente líquido foi estimado em R$ 173,3 bilhões; para cerca de quinze bilhões de barris de excedentes, o valor presente líquido pode chegar a cerca de R$ 500 bilhões. Desse modo, um eventual bônus de assinatura de R$ 100 bilhões representa apenas um quinto do valor presente líquido dos excedentes da cessão onerosa. Esse bônus serviria apenas para encobrir o grave problema fiscal do País, sem atacar as verdadeiras causas do problema.

Outro grave dispositivo do texto aprovado diz respeito à alteração da Lei nº 13.303/2016 para que se elimine a exigência de que a Petrobrás, na condição de operadora em consórcios, realize suas contratações por meio de licitação pública. O Relator cita que o modelo adotado pela indústria petrolífera adota uma modalidade equiparada ao convite.

Nesse aspecto, vale ressaltar os gravíssimos problemas decorrentes das contratações feitas pela Petrobrás sem licitação ou na modalidade convite, onde havia grande poder discricionário dos administradores. A aprovação da Lei nº 13.303/2016 teve entre seus objetivos o estabelecimento da obrigatoriedade de licitações públicas e transparentes.

Grande será o prejuízo para os fornecedores nacionais, pois, na principal área do Pré-Sal, como a estatal opera por meio de consórcios, não mais haverá licitações públicas. Será o fim da impessoalidade, publicidade e transparência nas contratações dos bens e serviços para produzir volumes de petróleo que podem ultrapassar 100 bilhões de barris.

Em suma, os direitos relativos ao regime de cessão onerosa foram uma excepcionalidade que teve como objetivo a capitalização da Petrobrás e não há nenhuma justificativa técnica para que a estatal transfira esses direitos. O contrato decorrente desse regime, que prevê apenas o pagamento de royalties, é intransferível e trará grande geração de caixa para a Petrobrás. Desse modo, não se deve permitir que esse regime seja transferido a outras empresas petrolíferas.

Os excedentes da cessão onerosa não devem ser licitados nos moldes das recentes resoluções e editais das rodadas de partilha de produção, que têm estabelecido baixíssimos percentuais de excedente em óleo para a União e de conteúdo local. Além disso, com o fim das licitações públicas pela Petrobrás como operadora de consórcios, poderão ser contratados principalmente fornecedores estrangeiros, em especial aqueles vinculados a empresas petrolíferas também estrangeiras.

Os requisitos para a produção do petróleo do Pré-Sal, bem público de importância estratégica para o Brasil, devem ser: licitações públicas para contratação de bens e serviços, elevados conteúdos locais e garantia de elevadas receitas para a sociedade brasileira, principalmente para as áreas de educação e saúde. Assim sendo, recomenda-se que o texto aprovado pela Câmara dos Deputados, referente ao Projeto de Lei nº 8.93, de 2017, seja alterado ou rejeitado pelo Senado Federal.

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