Pandemia: o que aprender com o Vietnã

País agiu rápido. Logo em março do ano passado, restringiu a produção, implantou lockdown e priorizou o bem-estar coletivo e a saúde pública. Resultado: apenas 35 mortes e taxa de crescimento econômico superior ao da China

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Por José Eustáquio Diniz Alves, no EcoDebate

De acordo com avaliação do Fundo Monetário Internacional (FMI), o crescimento para 2021 está projetado para 6,5%, graças a fortes fundamentos econômicos, medidas de contenção decisivas e apoio governamental direcionado para o desenvolvimento econômico.

O gráfico abaixo mostra que o número de pessoas abaixo da linha de pobreza (de $3,2) caiu de cerca de 70% na virada do milênio para menos de 10% em 2018, e o número de pessoas na extrema pobreza (linha de $1,9) caiu de cerca de 40% para menos de 5%. Ao mesmo tempo a renda per capita (em poder de paridade de compra – ppp) subiu de menos de US$ 4.000 para mais de US$ 8.000 entre 2002 e 2018. O Vietnã é um país mais pobre do que o Brasil (menor renda per capita), mas tem menor proporção de pobres.

vietnã redução da pobreza e aumento do bem estar

Todo este progresso é uma novidade na história do Vietnã que conviveu por longos ciclos de guerras e pobreza. Em meados do século XIX, o Vietnã foi invadido e dominado pela França, dando início a quase um século de ocupação na chamada “União da Indochina” – Vietnã, Laos e Camboja. Em 1940, os alemães ocuparam a França, que perdeu controle sobre suas colônias da Indochina. Em 1941 os japoneses invadiram o Vietnã. Terminada a guerra, em agosto de 1945, o líder comunista Ho Chi Minh protestando contra os colonizadores levou avante a luta pela independência criando a República Democrática do Vietnã. Em 1965, os primeiros soldados americanos desembarcaram no país ampliando a Guerra do Vietnã, que causou milhões de vítimas e durou até 1975. Com as derrotas da França e dos Estados Unidos, foi criada a República Socialista do Vietnã, em julho de 1976.

Todavia, nos dez anos seguintes, o país viveu o período da “economia subsidiada” (Bao Cap), marcado pela coletivização da agricultura, pelos campos de reeducação forçada, pelo aumento da pobreza e pela carestia generalizada. Houve a fuga de centenas de milhares de refugiados vietnamitas, conhecidos “boat people”. Em 1986, o país estava falido e com uma inflação de mais de três dígitos (700% ao ano). O Vietnã estava ficando para trás não só em relação às economias mais avançadas (Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Singapura), mas também em relação à Tailândia, Malásia e, especialmente a China.

Para mudar este quadro, o partido comunista iniciou o período chamado de “renovação” (Doi Moi), em 1986, permitindo a substituição da coletivização das terras e o controle estatal generalizado pela paulatina abertura econômica do país, com reformas liberalizantes, privatizações e atração de investimentos externos – uma economia de mercado com orientação socialista, seguindo o exemplo da China. A partir destas mudanças, o Vietnã deu início a um período de crescimento acelerado da economia com redução da pobreza. Em 1980, o Produto Interno Bruto (em preços correntes, em poder de paridade de compra – ppp) do Vietnã, de US$ 23,6 bilhões, era 5 vezes menor do que o da Venezuela, de US$ 117,2 bilhões. Mas nas décadas seguintes esta diferença foi se reduzindo e houve praticamente empate em 2014, quando os dois países tiveram um PIB pouco acima de US$ 500 bilhões (mas ainda com uma ligeira vantagem da Venezuela). A partir de 2015 a economia do vietnamita superou a economia venezuelana.

Nem a pandemia foi capaz de parar o Vietnã. Como mostrei no artigo “O Vietnã vence a guerra contra o coronavírus” (# Colabora, 06/05/2020), o país do sudeste asiático tomou as primeiras medidas de prevenção contra a covid-19 na última semana de janeiro todo o país estava parado para as comemorações do Ano Novo lunar (equivalente à última semana de dezembro nos países cristãos). As primeiras notícias da epidemia na China chegaram em meio às festividades. O Vietnã já teve experiências duras quando teve que lidar com a Síndrome Respiratória Aguda Grave – SARS, em 2002, e a Síndrome respiratória do Oriente Médio – MERS, em 2012, que são doenças advindas de outros tipos de coronavírus. Desta forma, o governo fechou imediatamente a fronteira com a China e não hesitou em alertar todo o país para a gravidade do que estava por vir. A primeira medida foi interromper as atividades nas escolas e universidades (que já estavam de recesso na última semana de janeiro), além de impor um rígido controle sobre os portos e aeroportos, monitorando todas as pessoas que vinham de áreas expostas à epidemia.

Na medida em que ia ficando clara a gravidade da situação o governo reforçou as medidas de quarentena fechando o comércio, fábricas e todas as atividades não essenciais. Rapidamente, o país adotou o lockdown (fechamento total) e realizou um rastreamento completo de todas as pessoas que entraram em contato com o vírus. As pessoas suspeitas de contágio foram classificadas como F(0) e foram imediatamente submetidas ao exame da covid-19. Ao mesmo tempo, preenchem um questionário relatando todos os lugares que frequentou e é feito um levantamento de todas as pessoas que poderiam ter sido expostas à doença, em diferentes graus. Cada pessoa é classificada como F(1), F(2), F(3), F(4) e F(5) de acordo com a chance de ter sido contaminada. O sistema de saúde do país providencia testes para todos os F(0)s e F(1)s e promove o monitoramento de todos os indivíduos, inclusive divulgando o local onde moram todos os “F(0)s e F(1)s”, mas sem identificar o nome das pessoas. Desta forma, toda a população do país sabe onde existe um indivíduo com algum risco de contágio. O acompanhamento é sistemático e efetivo. Para as pessoas com testes positivos e com fortes suspeitas – F(0)s e F(1)s – existiam os centros de quarentena (geralmente fora das grandes cidades) onde são oferecidos tratamento.

O governo não hesitou em tomar medidas duras e a sociedade civil seguiu rigidamente as diretrizes governamentais. Quase ninguém se arrisca a contrariar as ordens e as orientações do Poder Público. E o governo não brinca em serviço. As poucas pessoas que ousaram contrariar a quarentena e divulgar “fake News” a favor da flexibilização do lockdown, ou criando pânico e disseminado número de casos falsos, foram logo identificadas e obrigadas a se retratar. Os dissidentes das orientações governamentais são expostos publicamente e sofrem a rejeição da sociedade, que na grande maioria apoia as medidas de isolamento social, pois já viveram experiências traumáticas no passado. Outro motivo de sucesso é a cultura coletivista no país e uma ética confucionista que valoriza as relações familiares, as relações sociais e o respeito à hierarquia. No Vietnã, e, em geral, nos países do leste asiático, o indivíduo não é o centro do mundo. Os adultos, culturalmente, manifestam um grande respeito pelas crianças e pelos idosos. O uso de máscaras não trouxe qualquer problema. Nas grandes cidades do Vietnã, como Ho Chi Minh, o transporte público é muito deficiente (não tem metrô) e as pessoas andam de moto. Como a poluição é muito intensa, as máscaras já fazem parte do dia-a-dia dos transeuntes. Todos os cidadãos sabem que precisam usar as máscaras para se proteger e também proteger os outros de qualquer possibilidade de espraiar uma doença virulenta.

Tudo isto, em conjunto, possibilitou que o sistema de saúde não ficasse sobrecarregado. Assim, as poucas pessoas com complicações de saúde puderam ser bem atendidas na rede hospitalar e, por conseguinte, o Vietnã pode evitar a ocorrência de óbitos pela covid-19. Mais de um ano depois, o Vietnã – com 2.600 casos – tem um coeficiente de incidência de 26 casos por milhão e, com apenas 35 mortes, com um coeficiente de mortalidade de 0,4 óbitos por milhão de habitantes na segunda quinzena de março de 2021. Em contraste o Brasil – com o dobro da população vietnamita – chegou a impressionante marca de cerca de 12 milhões de casos e quase 300 mil mortes, com uma economia diminuindo 4,1% em 2020 e patinando em 2021. Por isto é possível dizer que o Vietnã é uma nação emergente, enquanto o Brasil é uma nação submergente e doente.

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