Onde está o dinheiro para salvar o futuro?

Conferência da ONU examina, na Etiópia, caminhos para enfrentar desigualdade e devastação ambiental. Tributar transações financeiras pode ser decisivo. Mas governos atuais terão vontade política?

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Conferência da ONU examina, na Etiópia, caminhos para enfrentar desigualdade e devastação ambiental. Taxar transações financeiras pode ser decisivo. Mas governos atuais terão vontade política?

Por Nora Happel, na Envolverde/IPS

Às vésperas da terceira Conferência Internacional sobre Financiamento para o Desenvolvimento, os debates se centravam no estabelecimento de “mecanismos financeiros inovadores” como instrumentos estáveis e previsíveis para complementar a tradicional assistência oficial ao desenvolvimento. Uma discussão que integra as crescentes pressões orçamentárias na maioria dos países doadores.

A ideia, que será debatida na Conferência que começou ontem (13.07) e vai até o dia 16 na capital da Etiópia, Adis Abeba, sustenta o conceito de reunir de forma “invisível” importantes somas de dinheiro para corrigir os desequilíbrios e conseguir recursos para financiar as principais necessidades em matéria de desenvolvimento.

Em entrevista à IPS, Philippe Douste-Blazy, secretário-geral adjunto da Organização das Nações Unidas para o Financiamento Inovador para o Desenvolvimento, compartilhou sua visão do Imposto sobre Transações Financeiras (ITF) [ou Taxa Robin Hood, no Brasil conhecido como TTF, Taxação das Transações Financeiras, objeto de campanha].

Além disso, Douste-Blazy, também presidente e fundador da organização Unitaid e ex-ministro de Assuntos Exteriores e Desenvolvimento Internacional da França, analisou os mecanismos inovadores de financiamento que serão examinados na Etiópia, bem como a aprovação, em setembro, dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS).

Que papel desempenham os mecanismos inovadores de financiamento no contexto das atuais negociações da Agenda de Desenvolvimento Pós-2015?

Este é um ano histórico porque serão realizadas três grandes conferências internacionais que são vitais para o futuro do mundo. A de Adis Abeba, sobre financiamento para o desenvolvimento, a Assembleia Geral da ONU, na qual a comunidade internacional aprovará os ODS, e a COP 21, a 21ª Conferência das Partes da Convenção Marco das Nações Unidas sobre a Mudança Climática, que acontecerá em dezembro, em Paris. Nos três casos, o panorama será o mesmo: um acordo político magnífico, mas sem meios financeiros para apoiá-lo. Quero disparar o alarme! Se não conseguirmos encontrar mecanismos de financiamento inovadores agora, quando nunca houve tanto dinheiro no mundo, embora a brecha entre ricos e pobres aumente constantemente, o século 21 terminará em uma violência extrema.

São necessários consideráveis recursos econômicos para financiar o desenvolvimento. O ITF é um mecanismo apropriado para reunir fundos, em comparação com outras alternativas inovadoras?

O setor financeiro é atualmente um dos menos taxados. É surpreendente conhecer o terrível impacto que o setor teve no desenvolvimento internacional quando da crise econômica de 2008. A cobrança de um indolor imposto proporcional às transações financeiras poderia gerar centenas de milhares de milhões de dólares no mundo e, por fim, ter consequências decisivas e positivas na luta contra a pobreza extrema, as pandemias e a mudança climática. As atividades globalizadas e os intercâmbios devem contribuir para a solidariedade internacional. Isso tínhamos em mente com o presidente francês, Jacques Chirac, e o presidente do Brasil, Luis Inácio Lula da Silva, quando implantamos o imposto solidário sobre as passagens de avião. As pessoas viajam cada vez mais, assim gravar uma pequena proporção do preço da passagem oferece a oportunidade de melhorar o acesso a tratamentos capazes de salvar vidas em todo o mundo. O ITF segue a mesma lógica. As necessidades econômicas são consideráveis e devemos tirar o dinheiro de onde existe. Os instrumentos de financiamento inovadores não devem situar-se como contrapostos, mas é preciso vê-los como complementares.

A Unitaid investe o dinheiro arrecadado por meio da solidariedade global na luta contra o HIV/aids, a tuberculose e a malária. Que resultado tem apresentado a luta contra essas doenças?

Primeiro, os investimentos da Unitaid ajudaram a criar um mercado para alguns tratamentos mais efetivos contra o HIV em 2007, reduzindo o custo de US$ 1,5 mil ao ano para menos de US$ 500. Segundo, com o apoio do Fundo Global e do Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância), a Unitaid contribuiu para a implantação de 437 milhões dos melhores tratamentos contra a malária, ajudando a comunidade internacional a reduzir as mortes em 47% desde 2000. Terceiro, negociou-se uma redução de 40% nos cartuchos de um importante exame para tuberculose (GeneXpert) em 145 países, junto com a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (Usaid) e a Fundação Bill e Melinda Gates. Isso permitiu à comunidade internacional economizar cerca de US$ 70 milhões em dois anos e contribuiu de forma significativa com o aumento de 30% ao ano dos casos detectados de tuberculose resistente.

Que estrutura deverá ter o futuro ITF que será implantado nos 11 países europeus dispostos para que seja benéfico e efetivo? Que opinião merecem os exemplos de França e Itália?

Os ITF francês e italiano são muito desanimadores. Não atendem às expectativas, nem em termos de regulamentação, nem de renda. Parece que os governos de França e Itália só se preocuparam em defender seus setores financeiros. As exonerações impedem que a taxação atinja as transações mais especulativas. Derivados, criadores de mercados e negociação de alta frequência não podem ser gravadas em nenhum dos dois modelos, apesar de serem as mais perigosas. Além disso, é taxando esses instrumentos que o ITF conseguirá maiores recursos. Pela mesma razão, o ITF europeu, que não será aplicado às ações estrangeiras, será muito desanimador. Em lugar de se assustarem com a reação do setor financeiro, os 11 líderes políticos devem mostrar um ambição real e desenhar um ITF forte, com amplo alcance para evitar os vazios legais.

Como se pode garantir que certa proporção do dinheiro arrecadado pelo imposto será destinada ao desenvolvimento?

Do ITF francês, 17% já é destinado ao clima e às pandemias. O presidente François Hollande disse que destinaria parte do ITF europeu às mesmas causas. Esperamos que a proporção seja maior. O primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, também se comprometeu a destinar parte da arrecadação à solidariedade internacional, mas até agora são as únicas declarações a respeito. Destinar a arrecadação do ITF aos fundos multilaterais, como Fundo Global, OMS e Fundo Verde para o Clima, seria a melhor forma de garantir que o dinheiro arrecadado sirva realmente ao desenvolvimento. E quando vejo essas dezenas de milhares de imigrantes que tentam cruzar o Mediterrâneo, que está se transformando no maior cemitério do mundo, quero destacar que a única solução para a imigração em massa dos países pobres para os mais ricos é oferecer o que chamamos de bens públicos mundiais (alimentos, água potável, medicamentos básicos, educação e saneamento) a todos e a cada um dos seres humanos.

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