Ocasio-Cotez, vitória de uma democrata rebelde

Nas primárias de NY, parlamentar revalida candidatura ao impor derrota esmagadora a rival queridinha de Wall Street. Mandato é praticamente garantido, e renova força da ala pós-capitalista, num partido dominado por Biden

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Por Javier Biosca Azcoiti, no El Diario, traduzido pela Carta Maior | Tradução: Victor Farinelli

A congressista estadunidense Alexandria Ocasio-Cortez, uma das principais estrelas da ala progressista do Partido Democrata, venceu as primárias do partido em Nova York, revalidando sua indicação para as eleições para a Câmara em novembro.

Seu distrito eleitoral, o 14º distrito de Nova York, inclui partes do Bronx e do Queens, e é marcadamente a favor do Partido Democrata, pelo qual ela praticamente garantiu outro mandato de dois anos no Congresso.

Com 73% dos votos contra 19,7%, Ocasio-Cortez se impôs sobre Michelle Caruso-Cabrera, jornalista da rede de notícias CNBC.

Caruso-Cabrera, neta de imigrantes italianos e cubanos, foi militante do Partido Republicano há alguns anos e, em 2010, escreveu um livro com o título “Você sabe que estou certa: mais prosperidade, menos governo”. No livro, ela classifica os programas de sistema público de saúde e de seguridade social, ambos propostos pela ala progressista do Partido Democrata, como “os maiores golpes de pirâmide do país”.

“A liberdade e a democracia são mais seguras quando há sigilo bancário e paraísos fiscais”, é outras das definições do livro da adversária derrotada de forma clara por Ocasio-Cortez nas primárias do Partido Democrata.

A jornalista viveu durante anos no Trump Hotel, em Manhattan, até que, em 2019, se mudou para seu distrito eleitoral e tentou se distanciar das posições que defendia em seu livro, alegando que, hoje, “ele teria que ser escrito de forma diferente”.

A rival de Ocasio-Cortez recebeu o apoio e doações de vários titãs de Wall Street, bem como da Câmara de Comércio, um lobby conservador que aloca 80% de suas contribuições políticas a candidatos republicanos, segundo dados do site OpenSecrets.org. Seus apoios em Wall Street incluem os CEOs do Goldman Sachs Bank, do Blackstone Vulture Fund e da maior empresa de telecomunicações do mundo, a AT&T.

“Não é de surpreender que o Partido Republicano financie a campanha de uma pessoa que foi republicana a vida inteira e agora participa das primárias do Partido Democrata, sem nenhum remorso”, disse Ocasio-Cortez ao jornal Financial Times.

“Embora tenhamos resistido ao poder dos negócios com políticas que favorecem o trabalhador americano médio, esses doadores preferem financiar um candidato que responde aos interesses de Wall Street sobre as necessidades de nossos eleitores”, acrescentou.

Apesar do apoio dos pesos pesados de Wall Street à sua adversária, Ocasio-Cortez conseguiu levantar 10,5 milhões de dólares em doações, mais que os 2 milhões de Caruso-Cabrera. No entanto, 90% das doações para a candidata progressista é de contribuições de menos de 200 dólares por pessoa, de acordo com levantamento do Financial Times. Por outro lado, mais de 60% das doações da sua rival são de mais de 2 mil dólares, segundo o mesmo levantamento.

Desde que Ocasio-Cortez conseguiu seu assento na Câmara dos Representantes, nas eleições de 2018, ela se tornou uma das referências da ala mais progressista do Partido Democrata, a qual, após a derrota de Bernie Sanders contra o ex-vice-presidente Joe Biden no primárias das eleições presidenciais, não foi capaz de assumir a liderança da legenda para enfrentar Donald Trump em novembro.

Este setor mais progressista desafia o establishment mais conservador do partido há vários anos, e nas eleições de 2018 deram um grande passo adiante, após a entrada no Congresso de vários de seus representantes, como Ocasio-Cortez, Ilhan Omar, Ayanna Pressley e Rashida Tlaib, as quatro jovens mulheres que são conhecidas como “The Squad”, (“O Esquadrão”).

Ocasio-Cortez foi uma das grandes surpresas daquele ano, depois de derrotar um homem forte do Partido Democrata, que se manteve como representante do seu distrito por 20 anos. A deputada completará 31 anos dentro de poucos meses, e poderia concorrer às eleições presidenciais de 2024, ano em que ela já teria 35 anos, o mínimo legal de acordo com a lei dos Estados Unidos.

Ocasio-Cortez entrou na política em 2016, na campanha de Bernie Sanders, durante a primária do Partido Democrata em que o senador perdeu para Hillary Clinton. Posteriormente, nas eleições de 2018, ela se tornou a congressista mais jovem da história do país. Entre suas propostas mais destacadas como congressista estão a de assistência médica gratuita e universal, a de universidade pública gratuita e a do cancelamento de dívidas de estudantes.

A outra batalha da jornada

Na outra grande batalha do dia em Nova York, o professor Jamaal Bowman, apoiado entre outros por Ocasio-Cortez, Bernie Sanders e Elizabeth Warren, entre outros, derrubou outro peso pesado do partido, Eliot Engel.

Bowman obteve 60,9% dos apoios, enquanto seu oponente teve 35,6%. Engel, presidente do Comitê de Relações Exteriores da Câmara, ocupou o assento por 31 anos e recebeu apoio do establishment do partido, incluindo Hillary Clinton; a atual presidente da Câmara, Nancy Pelosi; e o governador de Nova York, Andrew Cuomo.

Alguns dias atrás, Engel participou de um evento organizado no Bronx, Nova York, em meio aos protestos contra o racismo e abuso policial que se espalharam por todo o país após a morte de George Floyd, que morreu após ser sufocado por um grupo de policiais de Minneapolis. Engel foi flagrado pelas câmeras falando com o chefe de polícia do distrito do Bronx, Rubén Díaz Jr, pedindo para fosse permitido que ele falasse em uma conferência de imprensa. “Aprecio que você tenha vindo, mas há muitas pessoas na lista para falar”, disse Díaz. “Se eu não tivesse as primárias não me importaria”, respondeu Engel. “Não vamos politizar. Todo mundo tem uma primária, sabe? Desculpe”, concluiu Díaz.

“Ele nunca está no distrito”, denunciou Bowman em seu vídeo de campanha. “Ele até registrou sua casa em Maryland como sua primeira residência. Ele não mora em nossa comunidade. Ele dá como certo que tem nosso apoio. Após 31 anos do mesmo representante, é hora de mudar”.

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