O voo das aranhas e a hipótese de Darwin
Quase dois séculos depois, a intuição genial do pesquisador sobre o misterioso “voo” das aranhas é reconhecida: elas viajam pelos céus movidas a eletricidade
Publicado 19/07/2018 às 11:30 - Atualizado 20/12/2018 às 23:10
Por Becky Ferreira, na Vice
No Halloween de 1832, o naturalista Charles Darwin estava a bordo do HMS Beagle. Ele ficou maravilhado com as aranhas que aterrissavam na embarcação depois de atravessarem, planando, distâncias oceânicas. “Apanhei algumas aranhas aeronautas que devem ter vindo de pelo menos 95 quilômetros”, observou em seu diário. “Como se explica a causa que induz esses pequenos animais, como agora aparecem nos dois hemisférios, a empreender essas excursões aéreas?”
Agora, afirma-se empiricamente que essas excursões aéreas são amplamente impulsionadas pela eletricidade, de acordo com uma pesquisa nova publicada há poucos dias na Current Biology. Conduzida por Erica Morley, que estuda biofísica sensorial na Universidade de Bristol, o estudo encerra um longo debate a respeito da energia do vento ou das forças eletrostáticas como responsáveis pela movimentação balonística das aranhas.
“A capacidade de dispersão é uma parte crucial da ecologia, e o balonismo é um modo de dispersão”, Morley me contou por e-mail. “Se pudermos compreender melhor como isso funciona, e os mecanismos por trás disso, poderemos compreender os padrões de dispersão das aranhas e de outros animais adeptos do balonismo.” [Assista no vídeo abaixo o relato da experiência]
Na última década, dúvidas sobre o argumento da força do vento como explicação para os voos dos aracnídeos cresceram conforme foram observadas aranhas praticando balonismo mesmo quando os ventos não estavam fortes o suficiente para erguê-las por alguns poucos metros, quem dirá alguns quilômetros. Os animais também podem alcançar grandes altitudes — às vezes de até cinco quilômetros sobre a superfície da Terra — o que seria difícil de conseguir unicamente com as correntes térmicas.
Em 2013, Peter Gorhan, físico da Universidade do Havaí, calculou que seria teoricamente possível que as aranhas utilizassem suas teias para conduzir eletricidade estática para voar, porém, a equipe de Morley foi a primeira a confirmar isso em laboratório.
O vento também tem um papel importante nas viagens das aranhas, contudo, o artigo estabelece que os lançamentos rápidos, mesmo com climas calmos, podem ser explicados por uma teia de aranha condutora de eletricidade, como a das lagartas e de ácaros produtores de teias, o que pode explicar melhor as viagens incríveis e a distribuição global desses pequenos voadores.
Quase dois séculos depois das observações de Darwin sobre a repulsão dos fios das teias, seu palpite sobre aranhas voadoras movidas a eletricidade se mostrou correto.