No ar, Manchetômetro revela mídia manipulada
Ferramenta interativa permite ao público fazer suas próprias aferições. Dados demonstram: jornais são mansos com governo Temer e defender, ferozes, agenda ultraliberal
Por João Filho, no The Intercept
Publicado 08/05/2017 às 09:18 - Atualizado 10/01/2019 às 16:50
Criada por pesquisadores da UERJ, ferramenta interativa permite ao público fazer suas próprias aferições. Dados demonstram: jornais são mansos com governo Temer e defender, ferozes, agenda ultraliberal
Por João Filho, no The Intercept
Em junho do ano passado, Otávio Frias Filho, diretor editorial e um dos herdeiros da Folha de S.Paulo, participou de uma conferência em Londres em que se discutiu o papel da mídia na crise política brasileira. Uma das convidadas era a jornalista britânica Sue Branford, que criticou a falta de pluralidade da imprensa e apontou o maciço apoio dos grandes veículos de comunicação ao processo de impeachment de Dilma. Irritado, Frias tentou desqualificá-la ao dizer que sua visão correspondia à da “militância do PT” e completou dizendo que a “mídia não manipula ninguém”. Em outro momento da conferência, defendeu a Folha ao dizer que a empresa tratou de forma igualmente crítica os governos FHC, Lula e Dilma – e que o mesmo aconteceria com Temer.
Quem acompanha o noticiário com um mínimo de atenção e está com as faculdades mentais em ordem, sabe que essa é uma grande falácia. A cobertura da grande mídia é tendenciosa e alinhada aos interesses das forças políticas conservadoras, do mercado financeiro e à agenda ultra neoliberal hoje representada por PMDB e PSDB.
Essa semana foi lançado o novo site do Manchetômetro – uma iniciativa do cientista político e coordenador do Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (LEMEP) João Feres Jr, da UERJ – que faz um monitoramento diário da cobertura dos principais veículos da grande mídia (Folha, Estadão, O Globo e Jornal Nacional) sobre temas como política e economia. É uma ferramenta que traz dados importantes para o debate político e ajuda a compreender o papel da mídia no processo democrático. Na nova versão do site, os visitantes podem produzir seus próprios gráficos escolhendo temas, veículos, partidos e período desejado.
É uma ferramenta fascinante para confirmar as nossas percepções. Criei alguns gráficos que demonstram a mudança de postura repentina da grande mídia em relação ao governo federal. Este aqui avalia a cobertura do jornal dos Frias em relação ao governo federal de 2015 até hoje:
Percebam como as notícias desfavoráveis ao governo federal começam a cair a partir de abril, mês em que Michel Temer assume o poder.O gráfico do Jornal Nacional é o mais impressionante. O número de matérias contrárias ao governo federal despenca vertiginosamente logo após o impeachment.
O próximo gráfico mostra como foi a cobertura de todos os veículos analisados (O Globo, Folha, Estadão, Jornal Nacional):
Parece que a frase ”imprensa é oposição, o resto é armazém de secos e molhados”, de Millor, tão repetida por Noblat durante o governo Dilma, foi completamente esquecida pelas principais empresas de jornalismo. A cobertura pitbull do governo federal foi abandonada para dar lugar à cobertura poodle.
Agora vejamos como a mídia se comporta em relação aos três maiores partidos do país:
O apoio midiático à reforma da previdência proposta por Temer também foi identificado por um estudo da Repórter Brasil, que analisou os três principais impressos (Estadão, Folha, O Globo) e os dois maiores telejornais (Jornal Nacional e Jornal da Record).O levantamento chega à conclusão de que quase não há espaço para opiniões contrárias à reforma. A Globo, claro, foi a empresa que melhor estendeu o tapete para o governo Temer desfilar. 90% dos textos sobre o assunto no jornal O Globo foram favoráveis à mudança. Folha e Estadão não ficaram muito atrás: 83% e 87%.No Jornal Nacional, apenas 9% do tempo dedicado a fontes ou dados contrários à reforma. Foram 29min54s de cobertura favorável, contra apenas 2min 47s de cobertura crítica – uma reportagem que questionava a exclusão dos militares da reforma. A Rede Globo de televisão, que deveria usar a concessão pública para ampliar o debate em torno de um tema complexo que afetará profundamente a vida da maioria do povo, coloca o jornal de maior audiência do país como militante do projeto que limita os direitos previdenciários.O G1, também da Globo, compartilhou nas redes sociais essa manchete:
Doria defende reformas do governo Temer e diz que ‘maioria da população’ é favorável https://t.co/iMYYIr8dYM #G1 pic.twitter.com/TRrU8DdjKP
— G1 (@g1) 25 de abril de 2017
O SBT não entrou na análise, mas Michel Temer foi pessoalmente falar com Sílvio Santos para pedir seu apoio. No dia seguinte ao encontro, o SBT passou a veicular em sua programação algumas mensagens pintando o apocalipse caso a reforma não seja aprovada. Aprecie o terrorismo dessas duas peças:
O apresentador Ratinho também foi escalado para ser garoto-propaganda das reformas.
Depois de conseguir aprovar a reforma trabalhista, Temer conta com o rolo compressor midiático para a reforma previdenciária, que terá mais dificuldades para ser aprovada. Os números não mentem. Diferente do que prega Frias Filho, os oligopólios de mídia têm lado claro no jogo político e não vão medir esforços para implantar a agenda neoliberal que foi rejeitada nas urnas pela maioria da população por quatro vezes seguidas.
Um comentario para "No ar, Manchetômetro revela mídia manipulada"
Os comentários estão desabilitados.
A minha preocupação é em relação aos que não tem acesso a essas análises e continuam achando que formaram uma opinião independente e acreditam na imparcialidade dos jornais (Folha e Estaão) e da televisão (Globo e suas ramificações)