Mortes pelo calor: previsões já são realidade

Da Europa à China, passando pelos EUA, verões atingem temperaturas perigosas. Clima extremo soma-se a El Niño, e provoca vítimas e devastação. Situação foi antecipada pelo IPCC, mas países cumprem cada vez menos as metas climáticas

Fogo se aproxima de casa no vilarejo de Afidnes, a 30km de Atenas, na Grécia. Centenas de bombeiros lutam para extinguir chamas (Louisa Gouliamaki/AFP)
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Por Liszt Vieira, em A Terra é Redonda

Segundo noticiado na imprensa, centenas de milhões de pessoas estão sendo afetadas nesse verão por temperaturas extremas na Europa, Estados Unidos, China, Ártico etc. Ondas de calor estão atingindo fortemente muitas regiões do globo.

O verão começou há pouco no hemisfério norte, mas já se observa a ocorrência de fenômenos climáticos extremos e temperaturas inéditas. Os especialistas estão preocupados com a entrada do clima global em uma fase ainda mais perigosa e desconhecida, devido às mudanças climáticas às quais se soma o retorno do fenômeno El Niño.

Na Europa, Itália, Espanha e Grécia enfrentam um calor extremo. Mais de 45°C em Roma e Nápoles! A temperatura sobe para 48°C na Sicília e na Sardenha na segunda quinzena de julho. Trata-se das temperaturas mais altas já registradas na Europa, de acordo com a agência espacial europeia. Museus, monumentos turísticos e algumas empresas fecharam entre o meio-dia e as 17h em alguns lugares. No Marrocos, um alerta de calor vermelho foi emitido para várias províncias, enquanto a Turquia enfrenta ondas de calor, incêndios e inundações.

Nos EUA, principalmente no Texas, Arizona, Nevada e Califórnia, mais de 100 milhões de americanos, um terço da população, estão sob alerta de calor. No deserto do Vale da Morte, na Califórnia, o calor tende a igualar ou exceder a temperatura mais alta já medida com segurança na Terra, 54,4°C registrada no mesmo local em 2020 e 2021. O sul dos Estados Unidos está sofrendo com o calor: dezenas de milhões de americanos, da Califórnia ao Texas, enfrentam temperaturas perigosamente altas. No sul da California, irromperam vários incêndios violentos que devastaram mais de 1.214 hectares e provocaram a evacuação da população. Em Phoenix, metrópole do Arizona, no sudoeste do país, quase 44°C já foram registrados, e os meteorologistas calculam que a temperatura chegue a 46°C.

Da Europa à China, passando pelos Estados Unidos, as temperaturas continuam subindo, obrigando as autoridades a tomar medidas drásticas para lidar com essas ondas de calor e novos incêndios. Esta onda de calor recorde está atingindo a Itália em particular, onde, de norte a sul, são esperados recordes históricos de temperatura neste verão. O serviço meteorológico italiano diz temer “a onda de calor mais intensa de todos os tempos”. Junho foi o segundo mês mais quente já registrado na França, onde vários departamentos foram colocados em vigilância laranja desde terça-feira. A Grécia também sofre com uma onda de calor que obrigou as autoridades a fechar a Acrópole de Atenas durante as horas mais quentes do dia, quando as temperaturas podem chegar a 44°C no país. Na Espanha, as temperaturas ultrapassaram os 40°C na Andaluzia e também nas Ilhas Canárias. Espera-se que o termômetro ultrapasse os 42°C.

O norte da África também é afetado. No Marrocos, espera-se uma nova onda de calor com temperaturas a variar entre 37°C e 47°C em várias províncias, segundo a direção geral da meteorologia. Na Ásia, várias províncias do sul e sudeste da China experimentam altas temperaturas, chegando a 40°C, de acordo com o Observatório Meteorológico Central. Em partes do Noroeste, algumas cidades podem até experimentar temperaturas superiores a 40°C. O Canadá chega a 10 milhões de hectares queimados. A fumaça dos incêndios no Canadá, onde mais de 500 incêndios ainda estão fora de controle, já havia levado a vários episódios de forte poluição do ar no nordeste dos Estados Unidos em junho. A Jordânia foi assolada por uma onda de calor que ultrapassou os 40°C em algumas regiões.

Globalmente, junho foi o mês mais quente já medido, de acordo com as agências europeias Copernicus e americanas NASA e NOAA. A primeira semana de julho foi, por sua vez, a mais quente já registrada, de acordo com dados preliminares da Organização Meteorológica Mundial (OMM).

As emissões de gases de efeito estufa estão aumentando a força, a duração e a frequência das ondas de calor, dizem os especialistas. O calor é um dos eventos climáticos mais mortais, segundo a OMM. No verão de 2022, as altas temperaturas na Europa causaram mais de 60.000 mortes, segundo um estudo recente.

Segundo notícia do New York Times, pesquisadores da Pensilvania indicam que pessoas saudáveis começam a vivenciar superaquecimento a partir de combinações como 37,8 graus C e 60% de umidade, ou com exposição a 31,1 graus C e 100% de umidade. A exposição prolongada a essas condições pode levar a risco de morte por acidente vascular cerebral (O Globo, 19/7/2023). A OMM alertou que os eventos extremos no Hemisfério Norte, dos EUA à China, podem se tornar o “novo normal” no planeta, se não forem cortadas com urgência as emissões de gases associadas ao efeito estufa.

De acordo com novos dados climáticos da OMM, há 50% de probabilidade de a temperatura média anual do planeta superar transitoriamente em 1.5°C os níveis pré-industriais nos próximos cinco anos. O secretário-geral da OMM, Petteri Taalas, alerta que o mundo está próximo de atingir, temporariamente, a meta mais baixa do Acordo de Paris sobre Mudanças Climáticas.

Ele explica que o valor de 1.5°C não é uma “estatística aleatória”, mas um indicador do ponto em que os impactos climáticos se tornarão cada vez mais prejudiciais para as pessoas e para todo o planeta. Segundo Petteri Taalas, enquanto houver emissão de gases de efeito estufa, as temperaturas continuarão subindo. O secretário-geral da OMM acrescenta que, como consequência, os oceanos continuarão a se tornar mais quentes e ácidos, o gelo marinho e as geleiras continuarão a derreter, o nível do mar avançará e o clima se tornará mais extremo.

As 27 Conferências da ONU sobre clima já realizadas, as chamadas COPs, fracassaram em tomar decisões eficazes de combate ao aquecimento global e às mudanças climáticas. Uma das razões é o forte lobby das indústrias ligadas ao combustível fóssil que deverá continuar esvaziando as duas próximas COPs, tanto em 2023 na COP 28, nos Emirados Árabes Unidos, comprometidos com petróleo, quanto em 2024 na COP 29, provavelmente na Austrália, grande produtora e exportadora de carvão. Ambos os países têm boicotado avanços nas COPs anteriores. A esperança de decisões efetivas em favor da segurança climática talvez seja alcançada só na COP 30, a ser realizada em 2025 em Belém, em plena Amazônia. Uma conquista importante do governo Lula.

A perda da biodiversidade e o agravamento das mudanças climáticas representam riscos significativos para a sobrevivência da humanidade em nosso planeta. A devastação da biodiversidade pelo desmatamento, mineração, pecuária extensiva, agronegócio leva à destruição dos recursos naturais essenciais à vida humana. E os riscos acarretados pelas mudanças climáticas causadas pelas emissões de gases estufa são enormes. A crise climática tende a provocar consequências devastadoras, como os chamados eventos climáticos extremos – secas, inundações, ciclones, o derretimento das calotas polares, a acidificação dos oceanos e a perda de habitats costeiros pela elevação do nível do mar. Ou seja, países insulares e cidades litorâneas poderão desaparecer. As elevações até 50 cm acima dos níveis de 2000, previstas para ocorrer a partir da próxima década, já deverão inundar alguns países e cidades litorâneas, ocasionando milhões de refugiados do clima. Tudo isso provocará perdas econômicas significativas, deslocamentos populacionais em massa, escassez de alimentos e água, e aumento de conflitos e tensões sociais.

O capitalismo baseado na energia fóssil e na destruição dos recursos naturais ameaça a sobrevivência da espécie humana no planeta. O calor que este ano assola todo o hemisfério norte, provocando incêndios e mortes, é apenas um sintoma inicial. Trata-se de um filme de horror que já começou. Infelizmente, a palavra filme aqui é uma metáfora para um problema ambiental que até há pouco apenas se vislumbrava no horizonte, e agora já começou a tornar-se a dura realidade.

Liszt Vieira é professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. Autor, entre outros livros, de A democracia reage (Garamond).

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