Índia e Brasil: educação e diferenças culturais
Condição feminina e sistema de castas indiano têm reflexos na educação: ao contrário daqui, lá as mulheres são menos da metade dos professores
No Educ-ação
Publicado 30/11/2012 às 13:39
Condição feminina e sistema de castas indiano têm reflexos na educação: ao contrário daqui, lá as mulheres são menos da metade dos professores
No Educ-ação
Visitar uma escola na Índia traz algumas reflexões interessantes para quem, como nós, se propõe a pensar sobre educação no Brasil. Estamos falando de duas nações com alguns pontos tão parecidos e outros tão diferentes. Brasil e Índia. Ambas hoje consideradas grandes nações, economicamente falando, a caminho de um desenvolvimento estruturado. Duas gigantes em área e população (tudo bem que fica difícil a gente chegar perto dos 1 bilhão de indianos, mas somos gigantes já com nossos 200 milhões).
Antes de falar em educação, vou me dar o direito de abrir um pouco o tema Índia, pois sou uma apaixonada por essa terra tão cheia de idiossincrasias. Já me vi várias vezes buscando entender como se explica esse lugar ao mesmo tempo encantador e assustador (definição sintética de uma amiga minha em sua primeira visita, que cabe bem para descrever a percepção causada pela chegada lá). Fascinada por esse paradoxo, posso dizer que há algum tempo venho estudando o assunto. Há anos leio livros que falam sobre a Índia em transição, a história do período em que ficou sob o governo inglês (a Índia voltou a ser um país independente recentemente, em 1947), a família indiana, a sociedade indiana, o sistema de castas, os mitos do hinduísmo; tentando desvendar seus mistérios pelas visões de sociólogos, jornalistas e também de escritores de ficção. Complexidade é a primeira palavra que me vem em mente quando penso em Índia.
Começando por tentar entender o hinduísmo, uma religião que possui três Deuses (com letra maiúscula) supremos que se desdobram em milhares de deuses (com letra minúscula), e histórias míticas que vão se transformando em outras histórias até parecer não ter mais fim. Em minha última viagem, qual não foi minha felicidade ao ganhar de presente três gibis feitos para que crianças leiam sobre os mitos dessas deidades? Acho que finalmente vou conseguir elucidar um pouco mais as encarnações de Vishnu, Brahma e Shiva.
Passando para outro capítulo da complexidade, talvez o mais interessante (e triste), entramos no sistema de castas. Na Índia, os hindus – 80% da população – e também parte dos budistas são divididos em castas, um sistema não oficial que determina a origem e na maioria das vezes o destino de cada pessoa. Hoje a discriminação por castas é ilegal, mas faz parte da realidade de muitos indianos. Se você nunca ouviu falar no que é isso, imagine que você nasceu numa área rural em uma família muito pobre e seu pai limpa sanitários públicos. Se você fosse indiano até pouco tempo atrás, não poderia frequentar uma escola para não se misturar com pessoas de castas superiores. Não poderia entrar na casa de alguém de um “nível” superior ao seu. Assim como seus amigos de outras castas – se tivesse – não entrariam na sua casa nem encostariam em você. E muito provavelmente seu destino ia ditar que você tivesse a mesma profissão do seu pai. Você seria um “untouchable” (= intocável). Também denominados “dalits”, Gandhi os chamou de “crianças de deus”, buscando criar algum tipo de compaixão por pessoas que nasceram nestas castas, originariamente pessoas que tinham como trabalho matar animais ou limpar fezes em locais públicos – ou seja, faziam o trabalho sujo. Por causa da “sujeira” que carregavam, foram banidos da sociedade. Eram impuros. Excluídos da escola, de locais públicos, das casas de castas superiores. O governo indiano e a sociedade civil vêm tentando humanizar a situação dos dalits, mas dá pra imaginar somo deve ser difícil mudar, na cabeça e na atitude das pessoas, uma segmentação que já dura séculos.
Se você ficou curioso, acho que vale assistir ao vídeo abaixo. Tem também uma série de vídeos da BBC (em inglês) discorre sobre o assunto.
Bem, comecei pelos dalits, que são a base da pirâmide das castas. Acima deles vêm outras quatro, estas todas já sem a “impureza” dos dalits, mas funcionando mesmo como uma pirâmide, onde o topo é o topo. Não vou entrar em cada uma delas a não ser para dizer que os professores estão no primeiro nível, fazem parte dos “brahmins”, junto com os líderes religiosos (priests). A estrutura parece simples, até eu dizer para você pensar que, fora as cinco divisões principais, a Wikipedia fala em 3.000 sub-castas e 90.000 sub-grupos locais (de acordo com a região, cidade ou vilarejo). As castas sendo definidas pelo lugar onde você vive e a profissão herdada da sua família (fazedor de doces ou encantador de serpentes podem ser algumas delas, como li no excelente livro de ficção Tigre Branco).
Visitando a Índia com o olhar voltado para a educação, foi importante ter um conhecimento prévio de tudo isso. Ficou mais fácil entender algumas manifestações culturais e como elas influenciam o todo, atingindo o sistema de educação.
A primeira vez que a palavra “casta” veio à tona foi quando uma professora falou que na cultura da qual ela vinha mulheres não podiam trabalhar. Perguntei “você quer dizer, a cultura indiana?”. Ela me disse que não, que ela se referia à cultura da sua casta. A decisão dessa professora do jardim de infância de trabalhar foi em função de sua filha, pois “não queria que ela tivesse uma educação limitada dentro dessa cultura”. O que ela podia fazer para ampliar os horizontes além da cultura da sua casta era ela própria trabalhar, para estar em contato com outras pessoas e aprender mais, podendo assim projetar um futuro diferente para a filha.
Um dos grandes desafios nas escolas indianas é relacionado justamente a professoras do sexo feminino. Primeiramente é curioso observar que em média menos de 50% dos professores na Índia são mulheres. Mas o mais interessante foi a resposta de uma das líderes da Riverside School quando questionei qual era um dos maiores desafios da escola com relação aos professores.
“Aqui na Índia, ser professora é a primeira profissão que uma mulher considera quando resolve trabalhar fora. Isso faz com que ensinar em uma escola seja visto como um mero emprego, e não como uma profissão.”
Ou seja, uma das dificuldades de uma escola é justamente engajar mulheres cujo desejo profissional seja seguir a carreira numa escola, como professoras. Muitas delas encaram como uma forma de deixar de ser dona-de-casa – profissão feminina bastante comum na Índia, independente da classe social. Mesmo quando a mulher trabalha fora, as atribuições da casa continuam sendo inteiramente dela, com poucos homens, nas grandes cidades, passando a ajudar nas tarefas domésticas e no cuidado com os filhos. Além desse forte papel feminino na sociedade, outra grande barreira é a própria educação: em 2009, 62% das mulheres eram analfabetas.
Por outro lado, diversos estudos demonstram o quanto as mulheres são importantes nas escolas, principalmente em países sub-desenvolvidos ou em desenvolvimento. Elas dão segurança às mães de que suas filhas serão bem cuidadas e conversam a “mesma língua” das meninas. Falando a favor da tendência de aumento dessa profissão entre as mulheres, na Índia há um fator quase mítico ligado às mulheres que as qualifica como pessoas possuindo naturalmente a vocação de ensinar, uma vez que a mãe é considerada a primeira “professora” das crianças. A Jahnavi, uma das professoras mais antigas da Riverside, disse que quando resolveu trabalhar, tentou diversos trabalhos por 2 anos, até que descobriu que sua paixão eram as crianças e acabou virando professora em função de uma oportunidade.
Na Riverside School chamou a minha atenção o fato de que há muitas professoras que não haviam sido professoras antes. A Riverside acredita no talento natural e intuitivo do ensinar a partir da filosofia “common sense, common practice” (tradução livre: senso comum, prática comum). Muitas delas aprendem a ensinar, ensinando. Numa estrutura, como a Riverside, que oferece como suporte toda uma filosofia de ensino, metodologias e encontros onde todos discutem seus métodos, a formação se dá na vivência. Sobre as mudanças de rota que acontecem numa escola viva, ouvi da Jahnavi:
“Every year we are changing because children are teaching us. I am learning on the job.” (Todo ano mudamos, pois as crianças estão nos ensinando. Eu aprendo no meu trabalho)
muito bom, porem falta muitas informações sobre as escolas