EUA: A lucrativa indústria da xenofobia
A máquina antimigratória de prisões e deportações em massa assanha fundos financeiros e mobiliza intenso lobby para legalizar perversidades. Ações de corporações prisionais disparam. E a empresa de espionagem Palantir acumula poder e privilégios na Casa Branca
Publicado 13/11/2025 às 18:30

Por Carmen Navas Reyes e Yohaickel Nazer Seijas Elles, com tradução na Revista Opera
Tendo uma vez assegurado o controle total do Executivo e do Congresso, o governo Trump retomou e até ampliou as medidas restritivas e xenófobas que marcaram o primeiro mandato presidencial. Desde o seu primeiro dia de mandato, várias ordens executivas voltadas para a supressão da migração foram assinadas. Essas medidas buscam limitar quase todas as formas de entrada no país, ao mesmo tempo em que expandem exponencialmente a capacidade operacional e o orçamento das agências de controle migratório. A retórica oficial declarou emergência nacional por uma suposta “invasão” na fronteira sul, que serviu de justificativa para suspender o acesso ao país e acelerar a expulsão em massa de migrantes. No entanto, por trás dessas ações extremas, existe uma complexa rede de interesses e ideologias bem definidas. A narrativa anti-imigrante linha dura não apenas atende à agenda política de Trump, destinada a consolidar o apoio de sua base eleitoral nacionalista, mas também gera um benefício tangível para atores poderosos. Entre eles estão um círculo íntimo de assessores ultraconservadores que elaboram meticulosamente as políticas, empresas privadas que lucram com as detenções e deportações em massa e políticos aliados com vínculos econômicos diretos com a máquina antimigratória. É um fenômeno que se consolidou como um verdadeiro complexo industrial da xenofobia. Essas políticas antimigratórias são o resultado de um trabalho coordenado por uma equipe de ideólogos e funcionários radicais, estreitamente alinhados com a visão nacionalista e supremacista de Trump.
Um dos funcionários por trás da arquitetura ideológica dessas políticas é Stephen Miller, atual subchefe de gabinete da Casa Branca para Políticas e Conselheiro de Segurança Interna. Miller é um estrategista obcecado com a redução da migração em todas as suas formas, tanto irregular quanto legal. Seu foco tem se concentrado em estigmatizar os migrantes, apresentando-os como criminosos perigosos e como ameaças à segurança nacional. Ele é o autor intelectual das ordens executivas, desde a que declara a emergência nacional na fronteira até a que propõe eliminar a cidadania por direito de nascimento. Durante o primeiro mandato de Trump, Miller impulsionou o infame veto migratório a países muçulmanos, a traumática política de separação de famílias na fronteira e as primeiras restrições ao asilo migratório. Miller combina um fervor nacionalista e supremacista com um profundo conhecimento dos mecanismos do poder governamental para transformar sua visão radical em políticas concretas e irremovíveis.
A aplicação direta da lei cabe a Thomas (Tom) Homan, conhecido como o “Czar da Fronteira”. Homan foi diretor interino do Serviço de Imigração e Controle Alfandegário (ICE) durante a política de “tolerância zero”, que resultou na separação de mais de 4 mil crianças de seus pais. Seu papel é o de principal executor da agenda de deportação em massa. Ele participou ativamente da redação do Plano 2025 da Fundação Heritage, um plano de ação que exige essas deportações em massa, o uso generalizado das Forças Armadas e o encerramento de programas humanitários. Atualmente, coordena as operações do ICE e da Patrulha de Fronteira, expandindo a capacidade de detenção e garantindo que a “mão dura” seja aplicada sem contemplações, inclusive justificando o uso do medo como ferramenta de dissuasão.
Uma articuladora fundamental dessas políticas é Kristi Noem, secretária do Departamento de Segurança Interna (DHS). Trump fez sua nomeação valorizando sua lealdade à agenda antimigrante; como governadora, ela foi a primeira a enviar tropas da Guarda Nacional de seu estado para a fronteira do Texas. Seu papel consiste em traduzir a agenda política de Trump em políticas concretas, coordenar os comandos operacionais em massa e confrontar as chamadas “cidades-santuário” a partir do poder federal, trazendo um perfil político de alto nível para a equipe de segurança nacional.
Outra figura igualmente relevante neste quadro é Pamela Bondi, procuradora-geral dos EUA. Sua nomeação foi controversa devido ao seu passado como lobista da indústria prisional privada – que até construiu subsidiárias em outros países do mundo para gerar riqueza. Seu papel se concentra na arquitetura jurídica. Ela supervisiona os promotores federais que apresentam acusações migratórias, intervém na administração dos tribunais de migração e tem o poder de decidir recursos de casos de asilo por meio do Departamento de Justiça. Bondi garante que as políticas migratórias extremas tenham respaldo jurídico, com novas interpretações legais, adaptando as normas para facilitar as deportações e detenções prolongadas e defendendo essas medidas nos tribunais.
As motivações por trás do endurecimento migratório não são apenas ideológicas ou eleitorais; um poderoso motor econômico impulsiona essas medidas. A expansão do aparato de detenção e deportação se tornou um negócio multimilionário para interesses empresariais, consolidando o já mencionado complexo industrial da migração. Empresas privadas administram prisões, centros de detenção e serviços associados, gerando lucros extraordinários às custas do encarceramento em massa de migrantes.
O sistema de detenção de migrantes do ICE depende predominantemente de operadores privados. Mais de 90% dos migrantes detidos estão em centros administrados por empresas prisionais sob contrato, sendo o GEO Group e a CoreCivic as principais beneficiárias. Após a reeleição de Trump, as ações do GEO Group dispararam 41% e as da CoreCivic 29%. Os mercados financeiros anteciparam corretamente que a nova era Trump significaria um aumento maciço de detenções e, portanto, contratos mais lucrativos.
A economia antimigratória funciona com base em incentivos perversos: o ICE paga a essas empresas uma taxa diária por pessoa detida, muitas vezes superior a 100 dólares. Muitos contratos incluem cláusulas de “mínimos garantidos”, assegurando o pagamento de um número mínimo de leitos, o que cria um claro incentivo para manter um fluxo constante de detidos. Essa rentabilidade é imensa: foi revelado que, em alguns centros, a empresa gasta cerca de 27 dólares por detido por dia em serviços, enquanto o governo paga cerca de 149 dólares, o que resultaria em cerca de 83% de lucro bruto para essas empresas. A título ilustrativo, no segundo trimestre de 2025, a CoreCivic registrou receitas de 538,2 milhões de dólares e o GEO Group, de 636,2 milhões de dólares, superando as expectativas e registrando um crescimento significativo. Executivos afirmaram que o orçamento recorde aprovado pelo Congresso triplica o financiamento do ICE e abre “oportunidades de crescimento sem precedentes” para eles. Com esses fundos, ambas as empresas estão reativando instalações fechadas: o GEO Group reabriu quatro centros com 6,6 mil leitos adicionais, enquanto a CoreCivic assinou acordos para reabrir o centro familiar de Dilley com 2,4 mil leitos por 180 milhões de dólares e uma outra prisão inativa.
O comércio baseado na xenofobia se estende à tecnologia aplicada à vigilância e ao controle migratório por meio da Palantir, a empresa de análise de dados que se tornou um elemento central da máquina de deportação. A Palantir fornece às agências de imigração ferramentas avançadas de perfil digital para identificar e rastrear pessoas em situação migratória irregular. O ICE concedeu-lhe um contrato específico para construir a plataforma “ImmigrationOS” por 30 milhões de dólares, destinada ao acompanhamento e priorização de migrantes deportáveis, além de outros contratos no valor de 159,4 milhões de dólares em 2025. Da mesma forma, o monitoramento eletrônico é outro nicho de mercado: a BI Incorporated, subsidiária do GEO Group, obteve uma extensão contratual de 2,2 bilhões de dólares para monitorar migrantes com pulseiras e aplicativos (tornozeleiras eletrônicas).
As companhias aéreas e os empresas de aviação, como CSI Aviation e GlobalX, também se tornaram grandes beneficiários, transformando os voos de deportação em uma fonte sustentável de receita, com contratos que somam centenas de milhões de dólares.
Por trás dessas empresas, os gigantes financeiros também têm sua parte. As duas maiores gestoras globais, BlackRock e Vanguard, lideram as participações acionárias no GEO Group e na CoreCivic. Embora não sejam atores políticos tradicionais, sua presença demonstra que o complexo de detenção está intrinsecamente entrelaçado com o capital financeiro americano em grande escala, garantindo que o endurecimento migratório resulte em enormes lucros para uma ampla rede de investidores de Wall Street e seu intenso lobby eleitoral.
No caso das empresas mencionadas, juntas, elas investiram 3 milhões de dólares em lobby federal, concentrando seus esforços no Congresso, que determina o orçamento anual do ICE. Ou seja, elas pressionam diretamente para que o Congresso destine mais fundos para deter migrantes, o que se traduz diretamente em mais contratos para elas. Além do lobby direto, elas injetam dinheiro no processo político-eleitoral. Por exemplo, nas eleições de 2024, o Comitê de Ação Política (PAC) e os funcionários do GEO Group contribuíram com 3,7 milhões de dólares em doações, a grande maioria destinada a candidatos republicanos e conservadores. O GEO Group doou 1 milhão de dólares ao SUPERPAC de Trump, “Make America Great Again”. A CoreCivic, por sua vez, contribuiu com cerca de 784 mil dólares, a maior parte também destinada a candidatos republicanos. Ambas as empresas foram patrocinadoras principais da cerimônia de posse de Trump em 2025, doando 500 mil dólares cada uma.
A proximidade dessas empresas com a cúpula do governo Trump fica evidente no cenário dos funcionários articuladores (ou da porta giratória), em que ex-funcionários do governo passam a integrar as fileiras empresariais e vice-versa. Em 2024, mais da metade dos lobistas do GEO Group e da CoreCivic tinham empregos anteriores no governo federal, usando seus contatos e conhecimento interno para beneficiar seus novos empregadores.
Existem três exemplos notáveis já identificados, que supõem casos de conflitos de interesse subjacentes a este mecanismo: 1 – Tom Homan, antes de ser o Czar da Fronteira, trabalhou como consultor para o GEO Group em serviços de monitoramento de migrantes; 2 – Pamela Bondi atuou como lobista do GEO Group em Washington D.C., recebendo pagamentos confirmados de mais de 390 mil dólares por seus serviços. Homan e Bondi foram remunerados por empresas que lucram com o aumento das detenções de migrantes. Agora, como funcionários de alto escalão, eles têm influência direta sobre o sistema migratório e de justiça que processa esses mesmos migrantes; 3 – Stephen Miller declarou possuir ações na Palantir num valor entre 100 mil e 250 mil dólares, o que sugere um possível interesse financeiro nas políticas de vigilância digital que ele mesmo promove.
As atuais políticas migratórias dos Estados Unidos são o resultado de uma poderosa convergência de interesses ideológicos e econômicos. Esse fenômeno representa a transformação da migração em um objetivo bélico-econômico, quase um fim em si mesmo, onde ideologias supremacistas e capitalismo selvagem se fundem para maximizar os lucros.
Para ideólogos como Stephen Miller, a migração é uma ameaça; para corporações como GEO Group e CoreCivic, essa “ameaça” é, na verdade, uma oportunidade de crescimento econômico sem precedentes. Ambos os atores precisam um do outro: sem a narrativa do medo e da “invasão”, não haveria contratos orçamentários massivos; sem os contratos e o lobby, a narrativa do medo talvez não prevalecesse em políticas concretas.
A meta declarada por Trump de deportar mais de um milhão de pessoas em um ano representa uma oportunidade de receita extraordinária. Cada voo fretado, cada novo centro habilitado e cada contrato de vigilância eletrônica se traduzem em uma receita potencial direta para os contratados privados. Do ponto de vista de seus promotores, essas políticas estão cumprindo seu duplo objetivo: dissuadir a migração e fortalecer um aparato de controle que lhes proporciona rendimentos políticos e econômicos. O fato deste aparato lucrar com amigos e aliados não é uma coincidência, mas uma característica integral do complexo industrial da xenofobia que consolidou a plutocracia de Donald Trump, com um custo humano devastador de famílias destruídas, comunidades inteiras aterrorizadas e violações sistemáticas dos direitos fundamentais ao devido processo legal e à proteção humanitária.
Tradução: Raul Chiliani
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