Desigualdade: O ácido na ferida climática
Relatório da Oxfam revela: 0,1% mais rico do planeta emite, em apenas um dia, mais carbono do que metade da população durante um ano inteiro. Eles são responsáveis por milhares de mortes e perdas econômicas. Nunca haverá justiça climática sem taxar os bilionários
Publicado 14/11/2025 às 16:30 - Atualizado 14/11/2025 às 16:41

Por CartaCapital
Um novo relatório da Oxfam Internacional alerta para o peso desproporcional das emissões de carbono entre as faixas de renda mais altas e mais baixas da população mundial. Segundo o estudo, o 0,1% mais rico do planeta emite, em apenas um dia, mais carbono do que metade da humanidade durante um ano inteiro.
A pesquisa Saque Climático: como poucos poderosos estão levando o planeta ao colapso mostra que, desde 1990, o grupo mais rico aumentou em 32% sua participação nas emissões globais de CO₂, enquanto a metade mais pobre reduziu sua parcela em 3%.
Se todas as pessoas do mundo tivessem o mesmo padrão de consumo do 0,1% mais rico, o orçamento global de carbono — limite de emissões possível antes do colapso climático — se esgotaria em menos de três semanas.
Para conter o aquecimento global abaixo de 1,5 °C, a Oxfam calcula que esse grupo precisaria reduzir suas emissões individuais em 99% até 2030.
O peso da riqueza no aquecimento do planeta
Uma pessoa entre os 0,1% mais ricos emite, em média, mais de 800 quilos de CO₂ por dia — o equivalente ao peso de um automóvel compacto. Em contraste, metade da população global emite cerca de 2 quilos por dia, o peso de uma garrafa de refrigerante.
Os super-ricos, aponta o relatório, não apenas consomem mais, mas também lucram com os setores que mais poluem. Em média, cada bilionário gera 1,9 milhão de toneladas de CO₂ equivalente por ano apenas por meio de seus investimentos. Esse volume corresponde a quase 10 mil voltas ao redor do planeta em um jato particular.
Cerca de 60% das carteiras de investimento de bilionários estão concentradas em petróleo, gás e mineração, setores de alto impacto climático. Essas carteiras emitem 2,5 vezes mais carbono do que a média das empresas listadas no índice S&P Global 1.200. As emissões combinadas dos investimentos de apenas 308 bilionários superam as de 118 países juntos.
O poder político dos grandes emissores
Para a Oxfam, a crise climática é também uma crise de desigualdade. “Os indivíduos mais ricos do planeta financiam e lucram com a destruição do clima, enquanto a maioria da população paga o preço das consequências fatais do seu poder sem controle”, afirma Amitabh Behar, diretor-executivo da organização.
O relatório também denuncia o peso político do lobby corporativo. Na COP29, foram concedidas 1.773 credenciais a representantes das indústrias de carvão, petróleo e gás — mais do que o total de delegados dos dez países mais vulneráveis ao clima. Grandes economias, como Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha, teriam afrouxado leis climáticas após receberem doações de grupos contrários à transição energética.
“É inaceitável que tamanho poder e riqueza sejam usados para travar o avanço das políticas climáticas. Precisamos limitar a influência dos super-ricos, taxar suas fortunas e garantir que as populações mais afetadas participem das decisões globais”, acrescenta Behar.
Desigualdade climática no Brasil
O relatório destaca que o Brasil, anfitrião da COP30, reflete internamente as desigualdades que sustentam a crise climática.
“Os mais ricos do país, ligados a setores de alta emissão, como o agronegócio e a extração de recursos, emitem centenas de vezes mais do que a maioria da população. Já comunidades periféricas, indígenas, quilombolas e lideradas por mulheres negras enfrentam os piores impactos — enchentes, calor extremo e falta de acesso a serviços básicos. Isso é racismo ambiental”, afirma Viviana Santiago, diretora-executiva da Oxfam Brasil.
Mortes e perdas econômicas
As emissões do 1% mais rico do planeta devem causar 1,3 milhão de mortes relacionadas ao calor até o fim do século, segundo a projeção da Oxfam. Além disso, os danos econômicos para países de baixa e média renda podem chegar a 44 trilhões de dólares até 2050.
Essas perdas atingem principalmente as populações que menos contribuíram para a crise climática, concentradas no Sul Global. Mulheres, meninas e povos indígenas estão entre os grupos mais vulneráveis.
Propostas para reduzir desigualdades e emissões
O relatório da Oxfam propõe medidas para reequilibrar responsabilidades e reduzir o poder dos grandes emissores. Entre elas estão:
- Taxar grandes fortunas e lucros excessivos das corporações de combustíveis fósseis, com um imposto global de 60% sobre a renda do 1% mais rico. A medida poderia reduzir emissões equivalentes às de todo o Reino Unido e arrecadar cerca de 6,4 trilhões de dólares.
- Restringir a influência política de empresas de petróleo, gás e carvão, proibindo sua participação em negociações climáticas como a COP.
- Garantir maior participação de comunidades afetadas e povos indígenas nas decisões sobre o clima.
- Adotar metas nacionais proporcionais à responsabilidade histórica e à capacidade de ação de cada país.
- Construir um modelo econômico baseado em igualdade e sustentabilidade, substituindo práticas que priorizam o lucro sobre o meio ambiente.
A COP30, que ocorrerá em Belém (PA), marcará os dez anos do Acordo de Paris e deve ser um dos momentos mais decisivos para redefinir compromissos de corte de emissões e de justiça climática.
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