Corbevax, uma vacina para descolonizar o mundo?

Ela é dez vezes mais barata que outros imunizantes contra a covid. Sua tecnologia facilita a produção e distribuição em países mais pobres — e está livre de patentes. Cientista hondurenha, uma de suas criadoras, explica como se desafia a Big Pharma

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Andrea Capocci em entrevista ao Il Manifesto, com tradução de Luisa Rabolini, para o IHU

Maria Elena Bottazzi é a cientista hondurenha (de origem italiana) que desenvolveu a vacina Corbevax junto com Peter Hotez, com quem colabora no Baylor College e no Texas Children’s Hospital de Houston. Os dois cientistas não solicitaram nenhuma patente sobre a vacina, para que ela possa ser produzida em qualquer lugar e seja acessível a todos. A primeira a produzi-la em escala industrial será a indiana Biological. Em breve, outros países poderão seguir o mesmo caminho.

Entramos em contato com ela via Skype às oito da manhã de Houston. “Estamos atrapalhando?”. “Meu dia começou já há tempo”, ri Bottazzi. “Nem me lembro quantas coisas já fiz.”

Eis a entrevista.

Professora, você pode explicar como funciona a vacina Corbevax?

Para ser vacinado, nosso sistema imunológico deve entrar em contato com o antígeno (ou seja, a proteína “Spike”, ndr). Em vez de carregar nas células o código genético que o codifica, como no caso das vacinas mRNA ou adenovirais, para a Corbevax essas proteínas são produzidas em laboratório de maneira convencional. Um dos métodos mais conhecidos é baseado na levedura, como acontece com a cerveja. Em vez de álcool, a levedura sintetiza a proteína que entra na formulação da vacina.

Por que é considerada uma vacina “mais segura”?

São tecnologias já utilizadas e mais conhecidas. Têm sido usadas em crianças há quarenta anos. As agências reguladoras também as conhecem bem. Os componentes já são utilizados em outras vacinas e seus efeitos colaterais são conhecidos.

Que vantagens têm?

As vacinas produzidas desta forma se conservam por mais tempo e em temperatura de refrigerador comum. As proteínas são mais estáveis que o RNA e o DNA. Além disso, existem muitas empresas em condições de produzi-las, enquanto a produção de vacinas de mRNA exige a criação de novas instalações. Para vacinas como a Corbevax, a infraestrutura necessária já está disponível.

Nos testes clínicos, a vacina mostrou-se eficaz contra as variantes Delta, Beta e Gama. Também é eficaz contra a Ômicron?

Estamos aguardando os dados justamente para os próximos dias. Acredito que a eficácia será bastante semelhante a outras variantes. Para avaliá-la na Índia, foi examinada a produção de anticorpos neutralizantes, que sabemos ser um índice do nível de proteção das vacinas, ainda que aproximado. Nos testes, a Corbevax se demonstrou estatisticamente superior à Covishield, a vacina da AstraZeneca produzida na Índia.

As vacinas da Pfizer e da Moderna custam mais de vinte dólares por dose. A vacina Corbevax pode custar dois. Por que tão pouco?

Vários motivos: as economias de escala, os poucos investimentos necessários, a ausência de patentes. Nós não pedimos dinheiro aos produtores. Cada um dos parceiros do consórcio de pesquisa tem que encontrar seus próprios fundos para sustentar as atividades científicas.

Além disso, os componentes da vacina podem ser adquiridos a baixo custo e é fácil produzir grandes quantidades da vacina. A Biological E., a empresa indiana com a qual já temos um acordo, planeja produzir 100 milhões de doses por mês. A empresa com a qual trabalhamos na Indonésia estima números semelhantes.

Você falou de “descolonização” em relação à Corbevax. O que você quer dizer?

A vacina Corbevax pode ser produzida onde for necessária. Limitamo-nos a fornecer o chamado “kit inicial”, com todos os dados e relatórios necessários para iniciar a produção. Mas depois tudo pode ser realizado localmente. Estamos colaborando com a Índia e a Indonésia, mas também com Bangladesh, Botsuana e outros países.

A vacina Corbevax também poderia ser produzida em países ricos, como Estados Unidos e União Europeia?

Há uma demanda também desses países, para superar a desconfiança em relação às vacinas de mRNA. Mas há poucos incentivos econômicos e muitas barreiras regulatórias. São necessários testes clínicos que hoje são difíceis de realizar, porque onde outras vacinas estão disponíveis é difícil encontrar voluntários.

Portanto, a atenção está principalmente voltada para os países pobres. Existe um acordo para distribuir Corbevax também por meio do programa Covax, mas primeiro é necessária a aprovação da OMS.

Por que as vacinas de mRNA chegaram antes das outras?

Por duas razões. Criar uma sequência de DNA ou RNA é mais fácil, mesmo que criar a capacidade de produção para produzir bilhões de doses não o seja. O desenvolvimento de uma proteína recombinante, por outro lado, requer dois ou três meses. A outra razão é que os produtores de vacinas de mRNA receberam muito dinheiro.

Desde o início, as agências públicas não demonstraram interesse pelas vacinas de subunidades proteicas: tudo foi focado na velocidade de desenvolvimento e na inovação, sem levantar o problema da capacidade de produção e distribuição das vacinas. Agora são chamadas de “vacinas de segunda geração”, mas avaliar sua eficácia tornou-se mais difícil e caro e não há mais investimentos.

No entanto, podemos precisar delas: não sabemos se novos reforços com vacinas de mRNA serão eficazes. Sabemos que as vacinações de vetor adenoviral não podem ser repetidas. E que um reforço baseado em uma vacina proteica após um primeiro ciclo baseado em uma vacina adenoviral fornece uma ótima resposta imune. Ao criar um ambiente para o desenvolvimento de novas tecnologias de vacinas, investir tantos recursos em poucas tecnologias de vacinas foi um erro.

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