Como o Brasil poderá se beneficiar da crise (II)

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Luís Nassif destaca programas de colaboração com a África e mostra que o provável agravamento dos terremotos financeiros exigirá virar de vez a página do neoliberalismo

Por Luís Nassif, em seu blog

(leia a primeira parte aqui)

Na coluna de ontem, mencionei a importância de um órgão que coordenasse uma ofensiva diplomático-comercial brasileira, envolvendo agronegócio, grupos industriais, mercado de capitais e bancos financiadores, para uma ofensiva nas novas fronteiras agrícolas mundiais.

Um projeto piloto já foi iniciado, entre a Agência Brasileira de Cooperação (ABC) – órgão do Itamarati incumbido de ações de cooperação com países pobres – e o Ministério da Agricultura de Moçambique. Trata-se do ProSavana (Programa de Desenvolvimento Agrícola das Savanas Tropicais de Moçambique) – Brasil, Japão e Moçambique.

O programa se baseou em alguns trabalhos conjuntos já desenvolvimento pela ABC e a Agência de Cooperação Internacional do Japão (JICA) e poderá ser o início de uma estratégia sistemática de expansão diplomática comercial brasileira.

O projeto tem um horizonte de vinte anos e divide-se em três frentes:

  1. Ampliar o conhecimento dos recursos naturais e socioeconômicos do Corredor de Nacala, de Moçambique;
  2. Planejar e executar um projeto piloto visando a preparação de uma zona de desenvolvimento modelo em nível de comunidades;
  3. Elaboração do Plano de Desenvolvimento Agrícola Regional Integral do Corredor de Nacala, que guiará os setores públicos e privados para a tomada de decisões em relação a investimentos para o desenvolvimento da agricultura.

O projeto teve início em julho de 2009, na Cúpula de Áquila, em encontro de Lula com o Primeiro Ministro do Japão, Taro Aso. A estrutura da organização havia sido definida um pouco antes pelos três países, o Brasil representado pelo diplomata Marcos Farani, diretor da ABC.

A agricultura de Moçambique emprega 14,3 milhões de pessoas, 70% da população total, e responde por 24% do PIB de US$ 8,1 bilhões.  É quase totalmente familiar, com baixo uso de tecnologia.

O país possui 36 milhões de hectares de terras agricultáveis; e apenas 5,7 milhões são explorados por cerca de 3,34 milhões de pequenas e médias propriedades, as chamadas “machambas”, com tamanho médio de 1,5 ha.

O país foi dividido em três zonas agrícolas — duas banhadas por bacias hidrográficas permanentes e uma terceira de solos pobres e pouca chuva.

O documento base no ProSavana lista as necessidades de cada região, a infraestrutura existente, a agroecologia e os principais cultivos, assim como os desafios tecnológicos, nada pelo qual a Embrapa não tenha passado no Brasil.

O governo de Moçambique definiu um conjunto de políticas para o setor, desde o fortalecimento institucional dos órgãos voltados para o tema ao fortalecimento da agricultura comercial, com foco no mercado, serviços financeiros, tecnologia e acesso a recursos naturais.

É por aí que se insere o ProSavana, organizado em cinco componentes

No decorrer do projeto, serão criadas seis Unidades Piloto de investigação participativa. Haverá capacitação das instituições nacionais de extensão rural. Também será preparado um Plano Diretor a ser entregue em março de 2012. Depois, definição de projetos agrícolas que atraiam investimentos públicos e privados.

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Nos últimos anos foram lançados conjuntos de medidas ou meramente cartas de intenção, aos  quais se dava a denominação genérica de “política industrial”. Jamais foram. No máximo, podiam ser consideradas listas de setores com potencial de crescimento.

Nunca foram pela relevante razão de que não se faz uma política industrial divorciada da política econômica. E esta tem que contemplar pelo menos três pressupostos básicos: juros baixos, câmbio favorável e carga tributária razoável.

No Brasil, após a gestão Marcílio Marques Moreira mas, especialmente, após o Plano Real, a política econômica tornou-se uma ferramenta de desestímulo à produção e ao emprego internos.

Primeiro por encarecer de forma imprudente o real, em função dos juros elevados internos atraindo capital especulativo. Depois, pelo fato de explodir a dívida interna, consumindo a maior parte das disponibilidades orçamentárias para pagamento e rolagem da dívida. Terceiro, por exigir uma carga tributária cada vez maior, para evitar a insolvência provocada pelos juros da dívida interna.

Na atual quadra econômica, o maior ativo brasileiro, tanto para enfrentar a crise quanto dar os próximos passos estratégicos, é o mercado interno, sustentado pelo aumento do consumo familiar.

Mas, com o real sobrevalorizado, o aumento do mercado interno tem sido apropriado cada vez mais por importações – especialmente de produtos chineses.

O agravamento da crise dos Estados Unidos e da Europa aumentará de forma exponencial as guerras comerciais. Especialmente a China buscará descarregar seus excedentes em países emergentes, menos afetados pela crise global.

Com o real nos níveis atuais, não haverá como impedir a aceleração da chamada desindustrialização brasileira.

Impede-se esse processo trazendo rapidamente a taxa Selic para níveis internacionais e impondo tributação ao livre fluxo de capitais especulativos.

No ano passado, o Banco Central taxou os chamados capitais de curto prazo, mantendo a isenção sobre capitais de investimento. Imediatamente o capital especulativo migrou para a rubrica investimento, com multinacionais – estrangeiras e brasileiras – trazendo capital, como se fosse de investimento, mas para aplicar em renda fixa.

Se o BC reduzir os juros e bloquear o capital gafanhoto, haverá dois efeitos capazes de alterar a natureza do desenvolvimento brasileiro.

O primeiro, o fim da pressão sobre o real – que tem se apreciado devido a esse volume adicional de dólares, que entram para especular. O segundo, o de obrigar o grande capital brasileiro – que está aqui ou entra na forma de capital externo – a buscar a economia real, como alternativa para a queda de rendimento da renda fixa.

A cada dia são menores as oportunidades existentes no mercado internacional. Os grandes investidores fogem dos títulos públicos europeus; em breve, haverá o esvaziamento dos mercados de derivativos com a queda nas cotações de commodities.

A alternativa será cair na economia real – como nos anos 30 – financiando o desenvolvimento de novos setores da economia e das grandes obras de infraestrutura através do mercado de capitais.

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