Colômbia, o próximo front contra o neoliberalismo?

População, lastimada por retrocessos trabalhistas e instáveis acordos de paz, opõe-se a pacote de privatizações de Iván Duque. Greve geral, convocada para quinta-feira, pode inserir país na onda insurgente que toma a América Latina

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Por Amanda Harumy, no Opera Mundi

As diversas resistências populares que emergiram na América do Sul nos últimos meses, servem de exemplo para as organizações sociais da Colômbia. Os movimentos sociais estão fortemente organizados e possuem uma pauta política específica: frear o golpe neoliberal liderado pelo atual presidente Iván Duque. O chamado de greve é para o dia 21 de novembro de 2019. A aposta é de que o fracasso do modelo neoliberal chileno e as novas medidas de austeridade se transformem em um gatilho social.

Tudo indica que, assim como também ocorre em outros países, como o vizinho Equador, o aprofundamento da agenda neoliberal recentemente imposta para a região possa se tornar o combustível para novas formas de mobilização. Há uma grande expectativa em torno dessa reação, todavia ainda não é possível prever se será um levante popular. As principais demandas políticas definidas pelos movimentos sociais que organizam a greve geral são:

  • Contra a reforma trabalhista, que atinge de forma estrutural as condições de trabalho, permitindo a maior flexibilização por meio de contratos por horas, redução do salário mínimo, implementação de um salário diferencial, com menor valor para jovens com menos de 25 anos, extinção dos direitos em caso de demissões e simplificação na demissão de trabalhadores. 
  • Contra a reforma das pensões, que tramita a possibilidade da eliminação da pensão como direito trabalhadores. Além disso, o governo busca converter a Colpensiones, atual administradora colombiana de pensões, em um fundo privado que permita o pagamento de pensões com valores abaixo do mínimo.
  • Contra a exploração financeira, que tenta eliminar o controle estatal direto sob o capital das empresas financeiras estatais, com isso também ocorreria um ataque direto às condições de trabalho dessas entidades.  
  • Contra a privatização. O governo especula privatizar a Ecopetrol,  Cenit (filial de Ecopetrol transporte de hidrocarbonetos e a empresa de energia Interconexión Eléctrica S. A. (ISA), empresas de energia regionais e todas aquelas onde a participação do Estado é abaixo de 50%. 
  • Contra a corrupção que atinge a estrutura política colombiana. Os casos de corrupção mais citados no país são: Odebretch com o Caminho do Sol, Navelena, Carrossel da toga, Reficar, Fedegan e Universidade do Distrito.
  • Contra a taxa nacional, que irá aumentar em 35% para os estratos 4.5 e 6 do país em benefício da Eletricaribe, empresa de serviço de distribuição e comercialização de energia elétrica na Costa Caribe.
  • Contra a reforma tributária, que visa reduzir impostos sobre grandes corporações e multinacionais, ao mesmo tempo que impõe novas taxas para a classe média e os trabalhadores.
  • Por um salário mínimoque permita uma vida decente e o sustento familiar.
  • Pelo o cumprimento dosacordos que o governo nacional firmou com os funcionários do estado e estudantes e dos compromissos com os agricultores e povos indígenas.
  • Pela a defesa do protesto social. Atualmente o governo desestimula e restringe atos e protestos sociais, além de criminalizar e estigmatizar lideranças e participante de mobilizações.

Breve histórico das lutas sociais na Colômbia

Ao analisar os itens de defesa dos movimentos sociais é possível verificar que essas medidas neoliberais fazem parte de uma ampla política direcionada para a América Latina. Todavia, a Colômbia conta ainda com um item de maior complexidade: a violência do conflito armado. O Acordo de Paz, assinado por Juan Manuel Santos e as FARC em 2016, teve como objetivo dar fim ao conflito que dura mais de 52 anos. Há indícios de descumprimento do Acordo de Paz por parte do governo, o que tende a fragilizar a vitalidade do cenário de pacificação. Desde a assinatura, em 2016, até hoje, a implementação das políticas acordadas foi precária. Organizações sociais denunciam que a falta de instrumentos jurídicos impede a materialização e avanço do acordo. Há acusações ainda mais graves de perseguições políticas à líderes camponeses e sociais, além da prisão de ex-guerrilheiros anistiados.

Os anos após o acordo são fundamentais para garantir o sucesso do fim do conflito armado. Hoje, a Colômbia corre o risco de dissipar o esforço político do Estado e dos movimentos sociais acumulados no processo de paz. O fato é que o avanço do neoliberalismo, proposto por Iván Duque, agrava o fator de origem do conflito: a desigualdade social e luta pela terra. Não há como construir a paz na Colômbia sem alcançar a justiça social demandada pelos movimentos sociais e atores políticos. 

Esse contexto aumenta a expectativa sob os movimentos sociais e sua capacidade de estimular a sociedade. Nos últimos anos, mesmo em um momento de insegurança da atividade política, os movimentos sociais colombianos cresceram e aumentaram sua influência política. Os diálogos de paz, que ocorreram anterior ao acordo, ganharam força institucional quando Juan Manuel Santos, até então alinhado político ao discurso de guerra do ex-presidente Álvaro Uribe, ganha a eleição e se posiciona a favor do processo de diálogos com a FARC. Porém, é importante destacar que esse posicionamento foi resultado também da pressão política das mobilizações sociais que já se articulavam sob o tema da paz, desde 2008. 

Foi na convocatória da Marcha do Bicentenário, em 21 de julho de 2010 – comemoração da independência da Colômbia -, que se iniciou uma forte experiência mobilização. Esse ato teve grande importância para a retomada da atuação dos movimentos sociais, que tinham atravessado um período de ausência de vias democráticas.  O chamado uniu mais de 150 organizações sociais de diferentes temáticas: sindical, camponês, estudantil e popular. Essa mobilização foi um marco na história de mobilizações recente da Colômbia, pois construiu uma rede de comunicação e articulação de inúmeras organizações sociais em torno da mesma pauta: autonomia territorial, cultural e defesa dos direitos humanos. 

Os movimentos sociais se fortaleceram como protagonistas políticos nos diálogos de paz. Para a greve geral do dia 21 de novembro, contra o pacote neoliberal de Duque, os principais movimentos articulados são os camponeses, indígenas, professores, estudantes, comunidades afro, mulheres, comunidade LGBTQI+, aposentados, trabalhadores e sindicatos. Partidos políticos como A Lista de Decência, o Pólo Democrático Alternativo e a Aliança Verde também anunciaram participação na paralisação. Isso expressa que o movimento é amplo e possui diversidade em suas pautas.

Há uma parcela da sociedade que questiona o sucesso da greve, com a justificativa de que a manifestação irá impulsionar a violência e o vandalismo. É importante destacar que a Colômbia e seus setores populares resistem há décadas, sob enorme opressão do Estado que, por muitas vezes, silencia e sufoca essas experiências. 

Dessa forma, é possível acreditar que onde há uma grande desigualdade econômica, conflitos sociais e violência, cria-se um terreno fértil para um levante massivo e popular. A história recente da América Latina nos mostra que essas experiências são positivas às estruturas democráticas e que delas surgiram lideranças importantes para a transformação da região. Devemos lembrar também que os movimentos sociais colombianos possuem acúmulo político para resistir a mais um ataque do neoliberalismo e serão fortes atores na resistência política da América Latina.

Fontes: 

Agência de Informação Laboral: http://ail.ens.org.co/noticias/las-10-razones-del-paro-nacional-del-21-de-noviembre/

La FM Notícias: https://www.lafm.com.co/colombia/que-sectores-participaran-en-el-paro-nacional-del-21-de-noviembre

Centro de Pensamento e Diálogo Político – La implementación del Acuerdo Final durante los primeros 8 meses de gobierno de Iván Duque Márquez*Amanda Caroline Harumy Oliveira é doutoranda em Integração da América Latina PROLAM-USP e professora de Relações Internacionais na FSA.

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