A Argentina mostra a falácia do déficit zero

Perseguida por Milei, a meta – idêntica à defendida por Haddad no Brasil – já custa caro aos argentinos. Políticas essenciais de saúde e subsídios de transporte foram eliminadas. Pobreza agora castiga metade da população

Foto: Natacha Pisarenko/AP
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Por Raphael Sanz, na Revista Fórum

“Vaaaamooos Toto”, escreveu o presidente Javier Milei, da Argentina, nas suas redes sociais na noite da última sexta-feira (16), em comemoração ao anúncio do seu ministro da Economia, Luis Caputo, de que o governo apresentou em janeiro, pela primeira vez em 12 anos, um superávit. “Déficit zero não se negocia”, postou o ministro.

Desde sua posse, o novo presidente argentino tem prometido zerar as contas do Estado e tomou uma série de medidas antipopulares para atingir tal objetivo. Propôs o DNU (Decreto de Necessidade de Urgência) e a Ley Omnibus, a fim de dar-lhe poderes extras e tocar adiante as políticas que, em sua avaliação, irão entregar tal objetivo.

É verdade que o DNU passou por uma devassa no Congresso, que suavizou os impactos mais devastadores para a economia popular e para o equilíbrio entre os poderes, e no Senado a Ley Omnibus foi rejeitada e enviada de volta aos seus formuladores. Mas mesmo assim Milei promoveu uma série de cortes no país que hoje, de acordo com as fontes oficiais do governo, proporcionam o inédito superávit de 589 milhões de dólares, o equivalente a quase R$ 3 bilhões.

O problema é que muitos desses cortes foram feitos em setores estratégicos, não apenas do ponto de vista nacional, mas sobretudo do ponto de vista social. Entre os cortes estão os tratamentos médicos, no sistema de saúde pública, de crianças e gestantes que têm câncer e doenças crônicas. Nesse caso, o Dadse (Direção de Assistência Direta para Situações Especiais), órgão responsável pela aquisição de medicamentos e insumos médicos para pessoas em situações de vulnerabilidade, e iniciativa de 2016 do kirchnerismo, foi praticamente desfinanciado.

Outro corte que impactou na vida dos argentinos foram os subsídios para o transporte público nas províncias. Além de causar um rombo no bolso do trabalhador argentino que vive nessas províncias, Milei tem sido duramente criticado por diversos governadores, entre eles os de La Rioja e Córdoba.

O governador de La Rioja, Ricardo Quintela, antecipa que “um julgamento político poderia ser iniciado com o presidente, uma vez que o país não pode estar nas mãos de tal pessoa”. O comentário de Quintela foi feito durante uma entrevista em 11 de fevereiro para a Rádio El Destape em que o governador fez duras críticas ao corte dos subsídios de transporte.

Em meio às comemorações de Milei, dados oficiais do seu governo apontam que 45% da população vive em situação de pobreza. Mas a cifra parece ser ainda maior. De acordo com pesquisa encomendada pelo jornal Ámbito Financiero, seria 57,4%, ou quase 30 milhões de pessoas, vivendo abaixo da linha de pobreza.

Em outras palavras, não existe uma correlação direta entre a melhoria das condições de vida em um país e os números positivos ou negativos nas contas do Estado; o que vai definir o desenvolvimento são as políticas. É possível um Estado se endividar para investir em setores como saúde e educação, com os quais colherá bons frutos no futuro. Por outro lado, é possível “equilibrar as contas” às custas de cortes de gastos que jogam os mais pobres no abismo do abandono e da precarização enquanto mantém-se fieis os pagamentos de juros e dívidas com o sistema financeiros, como é o caso da Argentina.

Enquanto isso, Milei promete mais 3 três meses de abismo para, então, começar a registrar melhoras nos índices sociais. Paralelamente, responde às reivindicações das centrais sindicais que pedem aumento de 85% no salário mínimo que tal reivindicação, em nome da “liberdade econômica”, deve ser discutida entre trabalhadores e empregados – não com o Estado. Há quem acredite, incluindo os meios de comunicação hereditários brasileiros que têm feito essa cobertura, que a Argentina vá ‘decolar’ com a pauperização da sua população e a instituição de uma verdadeira “lei da selva” no mundo do Trabalho. Será mesmo?

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