Após crítica a evento pró-comunidades terapêuticas, Abrasme sofre tentativa de intimidação da AGU
Associação Brasileira de Saúde Mental denuncia “assédio jurídico” da AGU, em “perseguição” que abre perigoso precedente. Órgão do governo exige retratação pública da entidade por críticas a evento pró-comunidades terapêuticas
Publicado 12/12/2025 às 14:16 - Atualizado 12/12/2025 às 16:14

Por meio de nota pública, nesta quarta-feira (10), a Associação Brasileira de Saúde Mental (Abrasme) foi a público denunciar o que aponta como uma “perseguição” e “assédio jurídico” de “setores do governo alinhados às comunidades terapêuticas”.
A entidade revela ter recebido uma notificação extrajudicial da Advocacia-Geral da União (AGU), em que o órgão do Governo Federal demanda a exclusão de críticas feitas pela Abrasme a um evento pró-comunidades terapêuticas realizado pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) em outubro, na Universidade de São Paulo (USP). Na atividade, estudantes foram agredidos, e um servidor do MDS estaria envolvido nas agressões. À época, a Abrasme pediu a apuração da conduta pública do servidor, o que a AGU alega ter “potencial de causar danos à imagem institucional do MDS”.
Vídeos dos momentos de violência contra manifestantes no evento estão disponíveis nas redes sociais, como no perfil do DCE Livre da USP (1) e da Frente Antimanicomial de São Paulo (2, 3).
De acordo com a Abrasme, a notificação extrajudicial afirma que, se uma retratação pública não for divulgada e as críticas não forem excluídas, a entidade poderá ser alvo de providências de “responsabilização civil e penal” – isto é, ser processada.
Em artigo publicado neste boletim, a presidente da Abrasme, a psiquiatra e pesquisadora da Fiocruz Ana Paula Guljor, chama atenção para um aspecto sui generis do caso: a utilização de um órgão de Estado para a defesa dos interesses individuais de um funcionário. O servidor defendido pela AGU é Diego Mantovaneli do Monte, diretor do Departamento de Apoio a Entidades de Álcool e Drogas (Depad), órgão do MDS criado em 2023 pelo atual ministro Wellington Dias (PT-PI).
O Depad promove editais que contratam com recursos federais as comunidades terapêuticas, instituições que são alvo de inúmeras denúncias de violência e violações de direitos, para acolhimento de pessoas que fazem uso abusivo de drogas.
Agente penitenciário de carreira, Mantovaneli ocupou cargos no Ministério da Justiça e Segurança Pública durante toda a gestão de Jair Bolsonaro (2019-2022), como mostra seu currículo oficial, antes de assumir o posto no MDS do governo Lula.
Em reunião desta quinta-feira (11), o pleno do Conselho Nacional de Saúde (CNS) decidiu assinar uma nota pública de sua Comissão Intersetorial de Saúde Mental sobre o caso Abrasme-AGU, reafirmando a posição do CNS “em defesa dos direitos humanos e da política de saúde mental”. A nota destaca que o diretor do Depad “em flagrante desvio de função, […] incitou ações de segurança que geraram lesões físicas”.
O Conselho Nacional de Saúde também aprovou uma recomendação para que a AGU “apresente explicações formais acerca da medida adotada contra entidade nacional que atua na defesa dos direitos humanos e da política de saúde mental, expondo os fundamentos jurídicos e institucionais que motivaram tal ação”.
O espaço está aberto para manifestação da AGU.
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