STF despenaliza porte de maconha

• Maconha, STF e Congresso • O financiamento da Saúde e a reação da indústria farmacêutica • Lenacapavir tem alta proteção contra HIV, mas patentes o bloqueiam • Alcoolismo, drama global • Ozempic falsificado • Proibição de produtos com fenol •

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Após uma espera de nove anos, o Supremo Tribunal Federal deu os votos suficientes para resolver uma questão que vem intensificado iniquidades. Trata-se da diferenciação de usuário e traficante, relacionada à quantidade de maconha que o cidadão porta. A decisão do STF estabelece enfim essa diferença – embora o detalhe de quanta droga definirá quem é usuário ainda será decidido nas próximas horas. Essa definição não significa que a substância passa a ser legalizada, apenas que o usuário não será criminalizado. Apesar de se tratar de uma mudança limitada, é um passo muito importante para começar a reduzir a brutal desigualdade entre brancos e negros, pessoas de maior e menor escolaridade.

A reação do Congresso Nacional veio em poucas horas. Ainda na noite de ontem (25/6), o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), oficializou a criação da comissão especial para analisar a PEC das Drogas. Trata-se de um contra-ataque à decisão do STF e mais uma tentativa de atropelo da sociedade com pautas que tendem a ferir a moral conservadora. A PEC, apresentada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), e aprovada no Senado em abril, visa constitucionalizar a criminalização do porte e posse de drogas. Um enorme passo atrás, na contramão da tendência global. A comissão, composta por 34 membros titulares e suplentes, terá 40 sessões para votar o texto, sendo as primeiras 10 destinadas a emendas.

A importância do financiamento da Saúde para os industriais

Uma entrevista de um representante da indústria farmacêutica nacional à Folha pode contribuir para uma perspectiva da relação do setor produtivo com o governo Lula. Reginaldo Arcuri, presidente do Grupo FarmaBrasil, entidade que representa grandes empresas do ramo, foi chamado para comentar a rejeição da MP do PIS/Cofins pelo Senado. A medida provisória visava rever as regras dos tributos para compensar os impactos financeiros da desoneração da folha de pagamentos. Arcuri tratou o tema com muitos dedos, mas insistiu na teoria de que o diálogo da indústria com o governo federal é limitado. Dois pontos de sua entrevista podem ser destacados. O primeiro diz respeito à Anvisa: o industrial acredita que falta investimento na agência reguladora ligada ao Ministério da Saúde. Segundo Arcuri, falta pessoal e tecnologia para dar conta da demanda das farmacêuticas. O que prejudica a empresa, segundo o presidente: “Fizemos a conta de quantos medicamentos entraram [em pedidos à Anvisa] e estão parados. Dá R$ 17 bilhões parados dentro da Anvisa”. O segundo ponto curioso na fala de Arcuri é a defesa da manutenção do piso constitucional da saúde. Para a indústria, como para os brasileiros, retirar financiamento do SUS pode ter consequências dramáticas.

Nova esperança contra o HIV, presa por patentes

Pesquisadores e ativistas na luta contra o HIV celebraram os resultados de um grande ensaio clínico na África, que mostrou que uma injeção semestral de lenacapavir ofereceu proteção total contra o vírus em mulheres jovens. O estudo revelou que nenhuma das 2.134 participantes que receberam lenacapavir contraiu HIV, em contraste com infecções registradas em grupos que usaram outros medicamentos. Mas existe um problema central: o acesso ao medicamento pela população mais vulnerável, que é quem mais precisa dele. A farmacêutica Gilead cobra US$ 42.250 por paciente ao ano nos Estados Unidos, onde o lenacapavir foi aprovado como tratamento para o HIV. Outro medicamento PrEP injetável, o cabotegravir, mostrou excelentes resultados, mas enfrenta desafios parecidos de acesso devido ao alto custo, como já relatado por este boletim. A ViiV Healthcare, fabricante do cabotegravir, cobra US$ 180 por paciente ao ano em países do Sul Global, um preço inacessível para as maiorias. A farmacêutica concedeu uma licença ao Medicines Patent Pool, mas a produção de genéricos não estará disponível antes de 2027. 

Mortes por álcool e a falta de políticas de prevenção

Um novo relatório da OMS revela que o consumo de álcool causou 2,6 milhões de mortes em 2019 – 4,7% de todos os óbitos. Um detalhe importante: 2 milhões dessas vítimas foram homens. O uso das outras drogas psicoativas, em contraste, resultou em 0,6 milhão de mortes. Naquele ano, 400 milhões de pessoas tiveram transtornos por uso de álcool e drogas – 209 milhões com dependência alcoólica. Apesar de uma leve diminuição no consumo global per capita de álcool de 2010 a 2019, o número total de mortes continua alto, especialmente em países de baixa renda. O relatório enfatiza a necessidade urgente de ações globais para reduzir o consumo de álcool e melhorar o acesso ao tratamento para atingir um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável até 2030. Também destaca uma deficiência relevante no tratamento para transtornos por uso de substâncias, com baixa cobertura de tratamento e sistemas de suporte inadequados, agravados pelo estigma e discriminação.

OMS alerta para Ozempic falsificado

Também nesta semana, a OMS emitiu um alerta sobre semaglutida falsificada, usada para tratar diabetes tipo 2 e obesidade. Três lotes falsificados da marca Ozempic foram detectados no Brasil, Reino Unido e EUA em 2023. A entidade observa um aumento nos relatos de falsificação desses produtos desde o ano anterior, quando o medicamento começou a ser bombardeado na mídia. A semaglutida não é recomendada pela OMS para o manejo do diabetes, devido ao alto custo – que garante altos lucros para os donos de suas patentes. Já para o tratamento da obesidade, a entidade ainda não tem diretrizes formuladas. Produtos falsificados podem não conter os componentes necessários ou incluir ingredientes não declarados – como insulina – e causar riscos à saúde. A falta de componentes essenciais nos produtos falsificados pode levar a complicações na saúde devido ao descontrole dos níveis de glicose no sangue ou a outros efeitos adversos imprevistos, comprometendo a eficácia e segurança do tratamento.

Anvisa proíbe produtos estéticos com fenol

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) proibiu a importação, fabricação, manipulação, comercialização, propaganda e uso de produtos à base de fenol em procedimentos de saúde e estéticos, conforme publicado no Diário Oficial da União. A decisão segue a morte de um jovem em São Paulo após um peeling de fenol realizado em uma clínica não autorizada, agora investigado como homicídio. A Anvisa justificou a proibição pela falta de estudos comprovando a segurança e eficácia do fenol para esses usos e destacou os riscos associados ao procedimento, ressaltando que a determinação permanecerá enquanto investigações sobre os potenciais danos do fenol continuam.

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