Desastres ambientais: o SUS está pronto?
Integrante do Movimento dos Atingidos por Barragens expõe os impactos à saúde e ao atendimento de comunidades. Organização demanda que mais estudos sejam feitos para novos empreendimentos, e que comunidades participem das análises e decisões
Publicado 07/07/2025 às 12:20 - Atualizado 07/07/2025 às 12:21
É notável que a crise ambiental-climática já é uma crise de saúde. Conforme o leque de mudanças climáticas vai ficando mais diverso e os desastres tornam-se mais recorrentes, profissionais de saúde no mundo todo enfrentam novos desafios. No Brasil, como tem se dado o diálogo entre a saúde pública e pautas climáticas? Mais do que isso, como preparar o SUS para essa nova realidade, em que desequilíbrios ecológicos, gerados normalmente por interferência humana, definem quem adoece e quem morre?
Para vislumbrar respostas, o Outra Saúde conversou com Zeca, representante do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Surgindo no bojo da ascensão de lutas contra grandes obras de barragens no Sul do Brasil, o MAB começou a organizar os atingidos, em face à violação de seus direitos com a construção de empreendimentos, já nos anos 1990. A partir da transição para um novo modelo energético – e privatista – no país, bem como a aceleração da crise climática, o movimento nacionaliza-se, de forma que, atualmente, existe em mais de 20 estados. A conversa faz parte do novo programa do Outra Saúde, o SUS 35 Anos, em que serão travados debates que compõem as pautas previstas para o seminário de mesmo nome (Saiba mais e se inscreva aqui).
A relação entre o sistema de saúde e os atingidos por barragens já se inicia com o anúncio de construção desses empreendimentos. De acordo com Zeca, “só de se anunciar que vai ser construída uma barragem, as populações já são atingidas. Todo o cenário da comunidade atingida é alterado. Durante as construções chegam vários trabalhadores de fora, por exemplo, de forma que todas as relações são afetadas”, inclusive as que dizem respeito à saúde. Uma UBS que, antes, atendia com folga uma comunidade de mil pessoas dispondo de apenas um médico especialista, deixa de ser autossuficiente com a chegada de mil novos trabalhadores na região.
Segundo Zeca, é nesse contexto que os danos de saúde gerados por impactos socioambientais começam a aparecer. Com novos residentes em área com um sistema de saúde despreparado para determinado contingente populacional, novas doenças podem surgir. Há inclusive estudos, conforme aponta o representante do MAB, que apontam surtos de doenças em locais de construção de barragens (1, 2, 3).
Tendo como premissa de que os atingidos tornam-se atingidos durante, e até mesmo antes, da construção de barragens, o MAB se preocupa com a não existência de uma área específica para o estudo da saúde dessas populações. Elas são afetadas não só por barragens, mas também por empreendimentos que se relacionam diretamente com o aprofundamento da crise climática e, portanto, com a ocorrência de desastres ambientais. “Quando um atingido vai em uma UBS com uma queixa de coceira, por não haver estudos, não se leva em conta e não se constrói essa relação entre o dano de saúde e os impactos socioambientais na região”, diz Zeca.
É neste cenário que se põe em perspectiva a discussão acerca da adequação do SUS à nova realidade socioambiental no Brasil, bem como a atuação de movimentos sociais como o MAB para a (re)formulação de políticas públicas de saúde. Junto da Fiocruz e do Ministério da Saúde, o Movimento dos Atingidos por Barragens criou uma rede de vigilância popular. No projeto, é estabelecido um termo de cooperação técnica para que se aprofunde o estudo sobre a saúde das populações atingidas.
De acordo com Zeca, a primeira fase do projeto, que está sendo finalizada agora, é justamente o estudo das políticas públicas que compõem o SUS, no sentido de compreender se elas dão conta, hoje, de englobar os danos de saúde provocados pela construção de empreendimentos e por desastres climáticos. A segunda fase, que é a vigilância popular em saúde, é a formação, pelos diversos estados, de atores responsáveis pela identificação de problemas de saúde “na ponta”.
O MAB acredita que essa é uma forma de conscientizar os próprios atingidos sobre a ligação entre seus problemas de saúde e impactos socioambientais; assim, eles também podem ajudar no mapeamento desses problemas e, então, na implementação de novas políticas públicas. Mais que isso, o projeto pode, indiretamente, acabar formando os próprios profissionais de saúde que estão na base do SUS, em contato direto com os atingidos. É neste contexto que Zeca aponta a importância de parcerias com instituições como a Fiocruz e com o poder público, sobretudo com o Ministério da Saúde. Para ele, este estreitamento de laços viabiliza aprofundar o debate da saúde dos atingidos e levá-lo de forma orgânica e sistematizada para dentro do SUS, entendido pelo MAB como central para o combate à crise climática.
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