HIV: Brasil elimina transmissão vertical, mas precisa combater desigualdades
Brasil pleiteia a certificação internacional de eliminação da transmissão do HIV de mãe para filho. Apesar de ser um passo à frente, cenário ainda preocupa ao refletir profundas desigualdades e retrocessos
Publicado 05/06/2025 às 15:03
O ministro da Saúde, Alexandre Padilha, entregou nesta terça-feira (3) à Opas um relatório com dados sobre a redução da transmissão do HIV de mãe para filho, a chamada transmissão vertical. Em 2023, a taxa foi menor que 2%, e a incidência do vírus em crianças foi inferior a 0,5 por mil nascidos vivos. Com os resultados, o Brasil pleiteia a certificação internacional de eliminação da transmissão vertical do HIV.
Segundo o Ministério da Saúde, a taxa de mortalidade por HIV/aids no Brasil foi de 3,9 óbitos por 100 mil habitantes em 2023, a menor desde 2013. Apesar de constituir marco importante, bem como a eliminação da transmissão vertical do HIV, o Boletim Epidemiológico de HIV/aids divulgado no fim de 2024 revela que, também em 2023, o país registrou mais de 45 mil novos casos de infecção, o que representa um aumento de 4,5% em relação a 2022. De acordo com Susana van der Ploeg, para a sua coluna no Outra Saúde, esses números refletem, além de tudo, “desigualdades sociais profundas e estruturais que persistem no Brasil”.
A epidemia afeta de maneira desproporcional a população negra, que corresponde a 63,2% dos casos. Entre os óbitos registrados em 2023, a mesma porcentagem foi também de pessoas negras. Nesse contexto, como celebrar a redução da transmissão do HIV de mãe para filho quando o vírus e a aids permanecem um grave problema de saúde pública, sobretudo para aqueles que constituem a maioria da população brasileira?
Aliado a isso, há a questão das barreiras de patentes sobre os remédios de HIV, que dificultam o acesso de milhões de pessoas a esses medicamentos pelo mundo todo. Em outro texto para sua coluna no Outra Saúde, Ploeg, em co-autoria com Carolinne Scopel, explicam que o Brasil paga um preço excessivo por esses fármacos, que representaram, em 2023, mais de 76% do orçamento total destinado ao Departamento de HIV/aids. Elas afirmam: “A diferença entre o custo de produção e o preço de aquisição no Brasil mostra que o preço não está relacionado ao custo de produção, o que reflete o poder de fixação de preços do setor farmacêutico em situações de monopólio”. As patentes, os preços abusivos e as disputas travadas por empresas acabam asfixiando o programa nacional de combate ao HIV.
A partir disso, Ploeg e Scopel destacam a urgência da revisão política de preços dos medicamentos, o fortalecimento de alianças internacionais e, sobretudo, a defesa das licenças compulsórias. Essa licença trata-se de um acordo que permite a produção e comercialização de um medicamento protegido por patente sem necessitar da autorização do titular. O caráter “compulsório” decorre do fato de que a concessão da licença depende exclusivamente da decisão e interesse do detentor da patente. Enquanto até o governo da Colômbia, que sofria com preços ainda mais abusivos que o do Brasil, já emitiu o decreto da licença compulsória, o povo brasileiro continua sendo sistematicamente excluído dessas licenças em escalas globais.
Em um contexto em que a lógica de mercado da indústria farmacêutica impacta diretamente na saúde pública, ela não pode ser a principal força orientadora para atender às necessidades de saúde da população. Ploeg e Scopel lembram que, para garantir o acesso contínuo a tratamentos necessários e fundamentais de HIV/aids, é imprescindível, além das licenças compulsórias, iniciativas como o Complexo Econômico-Industrial da Saúde, que tem como objetivo fortalecer o SUS e ampliar o acesso universal à saúde mediante o desenvolvimento de tecnologias e produção local de medicamentos, insumos, vacinas, biotecnológicos e dispositivos médicos.
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