Contaminação indígena por mercúrio é mais grave do que parece

Há décadas a intoxicação pelo metal faz parte do cotidiano de indígenas brasileiros, tendo enquanto principal responsável o garimpo de ouro na Amazônia. Como se o cenário já não fosse preocupante, estudos indicam subnotificação de casos

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Em maio, pesquisadores da Fiocruz, em parceria com os ministérios da Saúde e dos Povos Indígenas, publicaram um documento que reúne diretrizes voltadas para a intoxicação destes povos por mercúrio. A contaminação, que há décadas faz parte da realidade dos indígenas brasileiros, possui como principal responsável o garimpo de ouro na floresta amazônica. O manual técnico, por meio de revisão de pesquisas realizadas em anos anteriores, traz dados epidemiológicos inéditos sobre a incidência da condição.

Um estudo de 2018, ao analisar mechas de cabelo de mais de 200 yanomami – que ocupam regiões do Amazonas e de Roraima –, demonstrou que mais da metade deles apresentava níveis de mercúrio moderado ou alto. Outra pesquisa, de 2021, desta vez com indígenas da etnia Munduruku, verificou números de concentração da toxina superiores aos limites considerados pela OMS. Embora o cenário já pareça preocupante, as publicações também alertam para uma subnotificação dos casos de intoxicação por mercúrio, indicando que a realidade é ainda mais grave.

Essa subnotificação ocorre em razão das dificuldades para identificar adequadamente os casos. Um adulto contaminado por mercúrio pode apresentar diversos sintomas que são comuns a diversos outros quadros clínicos, como dor de cabeça e tremores, de modo que a intoxicação raramente é levantada imediatamente. Outra dificuldade no diagnóstico diz respeito ao fato de que a substância interage de maneira diferente em cada indivíduo, sendo algumas mais vulneráveis e outras mais resistentes a ela.

Para conter os danos de um problema para o qual não há cura, Manuel Lafer, profissional que atua no Ambulatório do Índio da Unifesp, lembra que é necessário que equipes de saúde conquistem a confiança da população e de suas lideranças: “Os médicos devem ser introduzidos como parte do sistema de saúde deles, que já conta com maneiras próprias de identificar e tratar doenças”. 

De acordo com a especialista em Saúde Pública e coordenadora do manual técnico, Ana Claudia Santiago, foi justamente daí que veio a ideia de construir um guia que pudesse ser adotado por uma equipe médica interdisciplinar – com médicos, enfermeiros, agentes de saúde e indigenistas –, a fim de conduzir o atendimento primário levando em conta as particularidades de cada local. Para implementar as recomendações apresentadas no manual, os pesquisadores planejam promover capacitações com as equipes de saúde atuantes nos territórios indígenas. A ideia é priorizar locais que atendam a maior número de pessoas expostas ao mercúrio, como Amapá e Norte do Pará.

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