Em xeque, Planalto poderia rifar Pazuello

Ministério Público e TCU ampliam investigação sobre negligência do ex-ministro. Fala-se em “punição rigorosa”. Depois de cumprir todas as ordens do “chefe”, general arrisca-se a virar bode expiatório de Bolsonaro

“FOI ELE!”: No governo, Eduardo Pazuello obedeceu sem questionar orientações de Bolsonaro — inclusive insistir na cloroquina. Agora especula-se que Planalto pode entregá-lo, para escapar das investigações sobre negligência e sabotagem à Saúde, na pandemia
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PAZUELLO CERCADO

Eduardo Pazuello está na mira do Ministério Público Federal, do TCU e até do Planalto, disposto a lançar a culpa pelo caos sanitário no colo do ex-ministro da saúde durante a CPI. Ontem, a situação do general se complicou em todas essas frentes.

O Ministério Público Federal apresentou cinco ações de improbidade administrativa contra Pazuello. Concluiu que a crise do oxigênio em Manaus foi causada por omissão de vários gestores, com destaque para o ex-ministro. Segundo os procuradores, ele agiu de forma atrasada e lenta no envio da equipe para diagnosticar a nova onda de casos da covid-19. Depois, foi omisso no monitoramento da demanda de oxigênio e na adoção de medidas para evitar o desabastecimento. Também demorou na adoção de medidas para transferência de pacientes que aguardavam leitos. 

“Ao omitir-se, o ex-ministro sabia da situação calamitosa da rede de saúde no Amazonas, seja em virtude da maior incidência da pandemia no estado, seja pela desorganização administrativa que, como se expôs, já havia sido constatada pelo próprio Ministério da Saúde”, diz o trecho do documento. E continua: “Ademais, sendo oriundo do Amazonas e tendo exercido função militar no estado, também conhecia detalhadamente as grandes dificuldades logísticas a serem enfrentadas em caso de desabastecimento, o que implicava a necessidade de dimensionar com antecedência as demandas por produtos que não pudessem ser eficientemente transportados pela via aérea”.

Além disso, Pazuello também vai responder junto com correligionários pela promoção do mentiroso “tratamento precoce” no Amazonas às vésperas da crise do oxigênio estourar, ao invés de reforçar o que funciona: isolamento social.

“O ex-ministro atuou, em conjunto com os secretários Mayra Pinheiro e Helio Angotti Neto, na campanha de pressão sobre os médicos no Amazonas para que implementassem o ‘tratamento precoce’ de eficácia questionada e deixou de adotar, no estado, estratégia comunicativa que incentivasse o isolamento social e demonstrasse o caráter cogente dos decretos estaduais que impunham o distanciamento social mais severo. Ao assim agir, inobservou seu dever de promover a prevenção do agravamento da pandemia e atou em descompasso com a tecnicidade que deve orientar a conduta dos agentes públicos integrantes do Ministério da Saúde”, apontam os procuradores.

Pinheiro e Angotti, aliás, ainda mantêm seus cargos de secretários no ministério. Além deles, o MPF vai processar o coronel Luiz Otávio Franco Duarte, que era secretário de Atenção Especializada na gestão Pazuello. E também o secretário estadual de saúde do Amazonas, Marcellus Campelo, e o coordenador do Comitê de Crise do estado, Francisco Ferreira Máximo Filho. 

E o Tribunal de Contas da União sinalizou ontem que deve punir tanto Pazuello quanto seus auxiliares por sua atuação na crise sanitária. Relator da ação sobre a conduta do Ministério da Saúde durante a pandemia, o ministro Benjamin Zymler listou vários problemas, como perda de testes para diagnóstico, e apontou o papel desses gestores na explosão dos casos da doença na segunda onda.

O relatório também indica que, sob o comando do general da ativa, a pasta passou a se esquivar das suas responsabilidades de gestão nacional do SUS. Dá como exemplo uma mudança feita por Pazuello no plano de contingência da pasta, que impactou o gerenciamento de estoques de medicamentos, insumos e testes. “Em vez de expandir as ações para a assunção da centralidade da assistência farmacêutica e garantia de insumos necessários, o ministério excluiu, por meio de regulamento, as suas responsabilidades”, afirmou Zymler.

O ministro sugeriu a abertura de processos para avaliar omissões sobre estratégias de comunicação, testagem e distribuição de insumos e medicamentos. 

Na sessão de ontem, o ministro Bruno Dantas disse que a gestão do ministério “envergonha” e que já há argumentos para impor “condenações severas” a gestores da pasta. Segundo Dantas, as responsabilidades podem ser medidas “em números de mortos”.

Indicado por Jair Bolsonaro, o ministro Jorge Oliveira pediu vistas – o que vai atrasar a análise do caso em 30 dias. Ele é ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência e fez um discurso de que as instituições devem respeitar umas às outras. 

Mas a proteção a Pazuello pode estar com os dias contados. O Valor apurou com fontes do governo que a estratégia de “terceirizar” os erros de gestão possivelmente respingará no general. “A ordem é tirar o Palácio do Planalto da mira da comissão e responsabilizar setores específicos”, diz o jornal. Resta esperar o que o ex-ministro tem a dizer sobre o papel do presidente nesse caos.

SENADO DECIDE

Por dez votos a um, o plenário do STF confirmou a decisão de Luiz Roberto Barroso que determinou a instalação da CPI da Covid no Senado. A corte indicou que cabe aos parlamentares escolher como a CPI funcionará: se por videoconferência, presencialmente ou por modo semipresencial. Apenas Marco Aurélio Mello divergiu do voto do relator, não por discordar que a CPI deveria ser imediatamente instalada, mas por entender que a decisão individual não precisava ser submetida ao referendo do plenário antes de algum recurso ser apresentado.

TORTURA POR OMISSÃO

“Eles ficam tudo acordado, sem sedativos, intubados, amarrados e pedindo para não morrer”. O relato chocante é de uma enfermeira do Hospital Municipal Albert Schweitzer, onde há 78 pessoas internadas, mas a situação se repete em muitas outras unidades de saúde do Rio de Janeiro. “Não funciona direito, só deixam eles um pouquinho sedados, mas não apaga da forma que precisa”, conta um médico do Hospital Municipal Pedro II, onde 67 pacientes estão internados, fazendo referência à substituição do medicamento Dormonid, em falta, por outro mais antigo e menos eficiente, o Diazepam.

“Não tinha medicações, não tinha sedativos para os pacientes do CTI e então, infelizmente, eles vieram a óbito. Nós vimos, assim, os profissionais desesperados, chorando, porque não tinha o que fazer pra ajudar, né?”, denuncia outra enfermeira, do Hospital São José, em Duque de Caxias. Entre sábado e domingo, 21 pessoas morreram na unidade – e os profissionais creditam parte das mortes à falta de sedativos. 

“Pode levar à morte, mas por uma série de fatores. Não é só a falta de sedativo que vai levar diretamente o paciente à morte. A falta de sedativo vai somar lá na balança do tratamento, de coisas que estão atrapalhando. E o sedativo não vai estar ajudando o paciente a economizar energia. Com certeza vai prejudicar em muito o tratamento dele, além de ser um desconforto e uma situação desumana”, explica um médico intensivista, ouvido pela reportagem do RJTV

As prefeituras do Rio e de Caxias não negam que faltem sedativos. Os medicamentos estão sendo distribuídos pelo Ministério da Saúde desde março, quando a pasta lançou mão do instrumento da requisição administrativa, obrigando os fabricantes a direcionarem ao governo federal sua produção. 

Em São Paulo, o secretário estadual de saúde fez uma denúncia ontem: num período de 40 dias, enviou nove ofícios ao ministério solicitando medicamentos do kit-intubação. Não recebeu nenhuma resposta. “A situação de abastecimento dos medicamentos, principalmente daqueles que compõem as classes terapêuticas de bloqueadores neuromusculares e sedativos está gravíssima, isto é, na iminência do colapso, considerando os dados de estoque e consumo atualizado pelos hospitais nesses últimos dias”, diz trecho do documento enviado na terça-feira ao governo federal, no qual a secretaria pede o envio de medicamentos em até 24 horas para abastecer 643 hospitais. 

Em centenas de unidades, porém, os medicamentos do kit-intubação já acabaram – e a situação deve ser muito semelhante aos relatos do Rio de Janeiro. Segundo o conselho que reúne os secretários municipais de SP, num total de 3.126. serviços de saúde, o estoque de bloqueadores foi zerado em 2.127 e o de sedativos acabou em 961. “O último caso é fazer o procedimento sem eles. Mas intubar um paciente sem sedativo ou relaxante é tortura, não podemos aceitar”, reconheceu o presidente do conselho, secretário de São Bernardo do Campo, Geraldo Reple. 

E o que diz o ministro da saúde sobre tudo isso? Marcelo Queiroga não responde a todos os questionamentos, apenas repete uma promessa que faz desde o dia 29 de março: a de que estão para chegar os medicamentos que o governo comprou por intermédio da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas). Lá atrás, demoraria 15 dias – prazo que se esgotou na última terça-feira. Ontem, o ministro disse que a expectativa é de que cheguem “em até dez dias”. Mas como informamos aqui na semana passada, a própria Opas ressalva que alguns dos 22 remédios pedidos pelo governo brasileiro só devem chegar em maio.  Pudera: o pedido de intermediação só foi feito à organização no final de março

Essa semana, chegam da China 3,4 milhões de medicamentos comprados por empresas brasileiras. Serão repassados ao Ministério da Saúde, que promete distribuir imediatamente.

Pois é… Tudo isso remonta à decisão de Eduardo Pazuello de cancelar uma compra internacional dos remédios do kit-intubação no dia 12 de agosto do ano passado. Na época, o Conselho Nacional de Saúde emitiu uma recomendação à pasta, pedindo que voltasse atrás da decisão

TÉCNICA EXPERIMENTAL?

O médico alemão Josef Mengele, oficial da SS, usou prisioneiros de Auschwitz para conduzir experimentos humanos muitas vezes letais. É dele que o infectologista Francisco Ivanildo de Oliveira, gerente médico do Sabará Hospital Infantil, em São Paulo, se lembra ao comentar a nebulização com hidroxicloroquina que provocou mais uma morte em Manaus. “Nunca vi isso. Não sabemos quantos pacientes foram utilizados, não há termo de consentimento nem comitê ético. É até mau gosto chamar de estudo. Trata-se de um experimento mengeliano“, diz ele, à Folha.

A reportagem esmiúça o caso de Jucicleia de Sousa Lira, de 33 anos,  que estava com covid-19 e tinha acabado de ter um bebê em um parto de emergência. A ginecologista e obstetra paulista Michelle Chechter conseguiu da paciente uma autorização para usar  “a técnica experimental nebuhcq líquido, desenvolvida pelo dr. Zelenko de Nova York”, que consiste em nebulizar hidroxicloroquina macerada. Só que não é assim que se aplica um tratamento experimental, como ressalta Oliveira. Além de o “estudo” não ter aprovação de comitê de ética, o papel assinado por Jucicleia não a informava sobre os riscos ela que corria.

A autorização permitia ainda que Chechter divulgasse um vídeo de Jucicleia feito durante o procedimento. Ele começou a circular em 9 de fevereiro e viralizou. Foi só assim, ao receber de parentes a gravação via WhatsApp, que o marido dela ficou sabendo da história. O vídeo também animou o presidente Jair Bolsonaro, que imediatamente passou a defender a técnica. Jucicleia morreu no início de março, mas sua “cura” continuou sendo divulgada. No último dia 20, o ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Onyx Lorenzoni (DEM) publicou um vídeo sobre ela: “Decisão da médica em conjunto com a paciente: de 0 a 10 melhorou 8”, escreveu.

Segundo a Folha, pelo menos outras três pessoas receberam a nebulização mesmo sem terem autorizado o procedimento – e morreram. Uma outra, que concedeu autorização, sobreviveu. Mas só teve alta dois meses depois do falso tratamento. Lembramos que outros três pacientes morreram no Rio Grande do Sul depois da mesma conduta.

Horas depois de a matéria ser publicada, o Conselho Federal de Medicina postou nas redes sociais uma imagem com os dizeres. “O médico brasileiro é competente: respeitem sua autonomia“. O grifo é do próprio CFM. 

MODO DE ESPERA

Em pelo menos quatro capitais, a vacinação com a primeira dose de vacinas contra a covid-19 foi paralisada por falta de imunizantes. Salvador, Curitiba, João Pessoa e Rio Branco suspenderam a campanha. Segundo o UOL, a situação é pior em João Pessoa, que teve que parar até com a distribução de segundas doses

As vacinas continuam a chegar aos pouquinhos. Ontem, um milhão de doses da CoronaVac foram liberadas pelo Instituto Butantan. A entrega das próximas, porém, pode atrasar. Ao todo, o Butantan disponibilizou ao SUS 40,7 milhões de doses e até agora é responsável por 83% das vacinas aplicadas. A Fiocruz vai entregar até amanhã 5 milhões de doses, chegando a um total de 14,8 milhões. 

E ontem o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que a Pfizer deve antecipar o envio de dois milhões de doses de sua vacina no primeiro semestre. Se isso se confirmar, receberemos 15,5 milhões até junho, em vez das 13,5 milhões previstas originalmente. É uma diferença ínfima, mas Queiroga fez questão de enaltecer o presidente. A antecipação, disse ele a jornalistas, é “fruto de uma ação direta do presidente da República”.

O ministro também vai criar uma Secretaria Especial de Enfrentamento à Covid, com a atual coordenadora do PNI, Francieli Fontana, no comando. Ao explicar a decisão, ele disse que foi para “uma maneira de sinalizar minha prioridade de vacinar a população brasileira, e também para prestigiar os técnicos do ministério”.

NOVELA DA SPUTNIK V

Além da falta de documentos, a Anvisa aponta 15 pontos críticos relacionados a qualidade, segurança e eficácia da Sputnik V, que estariam travando a autorização da compra do imunizante. A informação é de uma reportagem do Valor baseada em laudos internos da agência. 

Quanto à segurança, o órgão destaca a ausência de um estudo de biodistribuição, que seria como fundamental para verificação dos efeitos do imunizante sobre tecidos e órgãos, e de dados sobre a toxidade reprodutiva e de desenvolvimento da vacina. Sobre a eficácia, é citada a falta de justificativas para que testes tenham sido conduzidos em animais com imunidade baixa. 

Na segunda-feira, uma comitiva da Anvisa irá a Rússia para inspecionar as fábricas e, se tudo der certo, emitir o certificado de boas práticas de produção, necessário para o aval à importação. 

NÚMEROS INCERTOS

Dissemos ontem que, segundo o Ministério da Saúde, 1,5 milhão de pessoas não tinham retornado para tomar a segunda dose das vacinas no tempo certo. O Conasems, que reúne secretários municipais de saúde, contestou o dado, explicando que na realidade há atraso dos municípios na inserção de dados sobre vacinados no sistema do governo federal. Por isso, o número real seria “muito menor” do que 1,5 milhão. 

IRREDUTÍVEIS

Em reunião ontem na Organização Mundial do Comércio (OMC), o governo brasileiro deixou claro que não vai mudar de posição em relação à quebra temporária de patentes de vacinas contra a covid-19. “Os direitos de propriedade intelectual são incentivos de mercado fundamentais para a inovação e devem ser protegidos de forma sustentada”, disse o secretário de Assuntos Econômicos e Comércio Exterior do Itamaraty, embaixador Sarquis B. J. Sarquis, segundo o colunista do UOL Jamil Chade.

Em vez disso, o Brasil defende que “parcerias público-privadas de sucesso devem se tornar referências internacionais para promover vacinas como bens públicos universais”. A ideia seria apostar em licenciamentos voluntários e transferência de tecnologia, uma abordagem possível desde sempre, mas que não tem resultado em uma produção que dê conta da demanda mundial.

Os argumentos brasileiros fazem coro com os da indústria farmacêutica, que também ecoaram ontem na voz da Fundação Bill & Melinda Gates. Um alto funcionário de lá, Chris Elias, disse em um evento do Instituto de Pós-Graduação de Genebra que a instituição filantrópica está trabalhando em uma série de novos acordos de transferência de tecnologia para expandir a produção em países de baixa e média renda. 

“O maior problema das vacinas é como conseguir o máximo dessas transferências de tecnologia para que possamos obter vacinas de alta qualidade e baixo custo em escala o mais rápido possível. (…) Em nossa experiência, as patentes não são tanto o problema”, disse Elias. Vale lembrar que a Fundação Bill & Melinda Gates fundou a Gavi Alliance, que co-lidera a Covax Facility junto com a OMS.  A instituição dos Gates é também um dos principais financiadores da própria OMS. 

Mas o diretor da Organização Mundial da Saúde, Tedros Ghebreyesus, tem dado repetidas demonstrações discordância em relação a enfoques que desconsiderem a necessidade de quebrar patentes. Na reunião da OMC, ele repetiu que “esta é uma emergência sem precedentes que exige medidas sem precedentes”: “Não devemos deixar pedra sobre pedra. Devemos explorar todas as opções para aumentar a produção, incluindo licenças voluntárias, pools de tecnologia, o uso de flexibilidades do TRIPS e a renúncia de certas disposições de propriedade intelectual”.

Já a diretora da OMC, Ngozi Iweala, vem defendendo a adoção de uma “terceira via”, ao propor que governos e empresas farmacêuticas cheguem a um entendimento entre si, sem necessariamente passar pelo licenciamento compulsório. De acordo com Jamil Chade, porém, ela ontem pediu que os países iniciem negociações sobre a suspensão das patentes.

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