Conpeb: Por mais vozes na política externa
Proposta de criação do Conselho Nacional de Política Externa pode garantir participação social nas decisões que definem o papel do Brasil no mundo. Como funcionaria? Por que é essencial para uma diplomacia ativa e altiva permanente, independente de mandatos?
Publicado 08/07/2025 às 18:16

Em 2025, o país pode dar um passo histórico com a criação do Conselho Nacional de Política Externa (CONPEB), colocando a população no centro das decisões que definem o papel do Brasil no mundo.
Essa possibilidade ganhou força recentemente com a realização do Seminário de Política Externa Brasileira, promovido no Itamaraty, com a participação da FES Brasil. O encontro consolidou o diálogo entre representantes do governo, da diplomacia e da sociedade civil, reforçando a importância do CONPEB como um instrumento para democratizar a política externa.
O Conselho representa uma conquista estratégica da sociedade civil organizada na luta pela democratização da política externa brasileira. Seu significado vai muito além da formalidade institucional: visa garantir, de forma permanente e estruturada, que a sociedade tenha voz ativa na definição dos rumos internacionais do país, independentemente dos ciclos eleitorais e dos interesses conjunturais do poder Executivo.
Com composição paritária entre representantes do Estado e da sociedade civil — como movimentos sociais, sindicatos, academia e o setor produtivo —, a instalação do CONPEB é decisiva para romper com a lógica de cima para baixo na formulação da política externa, abrindo caminho para um projeto de país mais justo e alinhado com a diversidade e os interesses da população. Afinal, o que se decide lá fora muda a vida aqui dentro.
Para entender melhor de onde surgiu a proposta, quais forças por trás dela e o que está em jogo para o futuro do Brasil no cenário internacional, conversamos com Gonzalo Berrón, diretor de projetos da FES Brasil e um dos articuladores do processo de criação do Conselho.
Como e quando surgiu a ideia do CONPEB?
Gonzalo Berrón (GB): O CONPEB é produto do acúmulo de décadas de participação da sociedade civil nos debates sobre política externa brasileira. Desde os anos 1990 e 2000, movimentos sociais, sindicatos, organizações feministas, ambientalistas, indígenas, negras, dentre outras, se envolveram em debates internacionais importantes, como os acordos da Organização Mundial do Comércio (OMC), a Área de Livre Comércio das Américas (ALCA) e o Mercosul, que já estava sendo negociado naquela época. Porém, os espaços de participação eram sempre ad hoc, criados pontualmente pelo governo da vez e, portanto, sem continuidade garantida.
Qual foi o papel da REBRIP nesse processo?
GB: A Rede Brasileira pela Integração dos Povos (REBRIP) foi uma das principais articuladoras da proposta. A partir da sua experiência em processos como a ALCA e o acordo Mercosul-União Europeia, a REBRIP começou a defender a criação de um espaço institucionalizado, permanente, que garantisse participação social nos rumos da política externa, independentemente de mandato.
E quando essa ideia começou a ganhar forma concreta?
GB: Nesse contexto todo, já nos anos 2010, surgiu o Grupo de Reflexão sobre Relações Internacionais (GRRI). Formado por integrantes da REBRIP e por diversos atores da sociedade civil, o grupo se consolidou como um dos principais fóruns de debate sobre a chamada democratização da política externa brasileira.
A proposta do CONPEB nasce justamente dessa convergência: o acúmulo da REBRIP somado à articulação de movimentos sociais, sindicatos, academia e representantes do campo político progressista em torno da necessidade de institucionalizar essa participação.
Sua primeira minuta, em formato de decreto, foi apresentada publicamente em 2013, durante a conferência que marcou os 10 anos da chamada “política externa ativa e altiva”, expressão cunhada por Celso Amorim para descrever uma política externa mais autônoma, soberana e orientada pelos interesses do Sul Global, levada adiante nos governos Lula I e II e Dilma I.
Cabe mencionar que havia também uma articulação política por trás da proposta. Parlamentares e lideranças de partidos progressistas viam no CONPEB uma oportunidade concreta de institucionalizar a participação social e aprofundar a democratização da política externa.
Por que o CONPEB é importante para a sociedade brasileira?
GB: Pela Constituição, a formulação da política externa é responsabilidade do Poder Executivo, cabendo ao Parlamento apenas a ratificação dos acordos internacionais. Em tese, não há espaço para a sociedade civil. Mas como as decisões de política externa impactam cada vez mais a vida doméstica, em temas como comércio, meio ambiente, saúde e direitos humanos, é fundamental que a sociedade brasileira seja ao menos ouvida.
O Brasil até acumulou experiências de consulta à sociedade civil ao longo dos anos, mas sempre por meio de arranjos pontuais e não institucionalizados. Faltava um mecanismo estável, que sobrevivesse às mudanças de governo e garantisse a participação de forma permanente.
É exatamente isso que o CONPEB propõe: uma institucionalização da escuta social na política externa. E aqui, quando falamos em sociedade brasileira, não nos referimos apenas a organizações e movimentos sociais, mas também a outros setores relevantes, como o produtivo. Há, inclusive, debates sobre incluir, por exemplo, representantes de igrejas ou outras esferas.
Em resumo, o CONPEB garante a participação social de maneira estruturada e contínua, amplia a transparência e qualifica a formulação da política externa com mais diversidade de perspectivas.
Como o CONPEB contribui para democratizar a política externa? Ele garante mais legitimidade nas decisões?
GB: É importante termos em vista que o CONPEB será um conselho consultivo, sem poder deliberativo, mas com peso político real. Seu papel será estratégico: garantir que vozes historicamente excluídas dos espaços diplomáticos sejam ouvidas, enriquecendo decisões que, de outro modo, seriam tomadas com base em visões restritas ou influenciadas de forma desproporcional por interesses econômicos.
Mas isso não quer dizer que a criação do CONPEB garantirá, por si só, decisões mais legítimas. Mas, ao institucionalizar um canal permanente de participação, nossa aposta é a de que aumentem significativamente as chances da política externa incorporar uma diversidade maior de interesses e perspectivas. E, nesse sentido, se fortalece a legitimidade democrática do processo decisório.
Como será composta a representação da sociedade civil?
GB: A proposta prevê uma composição paritária: metade do governo, metade da sociedade civil – dentre movimentos sociais, academia, sindicatos, povos originários, juventudes, setor produtivo etc. A ideia é que o processo de escolha seja democrático, com mandatos rotativos e critérios claros.
Como será o formato legal do CONPEB? E como ele será financiado?
GB: Propusemos que seja criado por decreto, com apoio legal e orçamento público para garantir seu funcionamento, mas isso ainda está em debate. Assim como se ele será vinculado diretamente à Presidência da República ou ao Itamaraty. Seria mais relevante que estivesse vinculado à Presidência, mas essa definição ainda será negociada nas próximas semanas.
Mas o fundamental é que tenha estrutura, pessoal e recursos para funcionar com autonomia e continuidade.
Como medir o sucesso do CONPEB?
GB: Pela qualidade do debate e pelo impacto real que suas contribuições terão na formulação da política externa. O sucesso depende também da vontade política do governo de levar a sério e adiante esse espaço. Mas estamos confiantes de que o CONPEB pode se tornar uma referência democrática para o Brasil e até para outros países.
Qual foi a contribuição do Seminário de Política Externa Brasileira, que ocorreu no Itamaraty no dia 26 de junho, para a criação do CONPEB?
GB: O Seminário foi fundamental, porque representa o resultado de uma longa construção de diálogo e convencimento, especialmente entre agentes públicos — ministros, assessores de política externa e o corpo diplomático. Ficou claro que o CONPEB pode representar uma contribuição importante para a formulação da política nacional brasileira e para sua democratização. Além disso, destacou-se que garantir a participação social não gera obrigações formais, exceto em casos de constrangimento político, mas isso aí também é parte do jogo democrático.
Estamos mais próximos do que nunca de tirar essa proposta do papel e transformá-la em realidade. Vários ministros se manifestaram a favor, assim como representantes dos setores econômicos, e foi especialmente significativo que o seminário tenha ocorrido dentro do Itamaraty, sinalizando que a instituição já incorpora a ideia de um conselho ou instância de participação como o CONPEB.
Claro, ainda faltam definir o formato definitivo, mas a expectativa é que essa e outras decisões sejam tomadas nas próximas semanas, com a meta de realizarmos a primeira reunião do CONPEB ainda em 2025.
Como a população em geral pode se engajar para pressionar o governo a criar o CONPEB?
GB: É fundamental que a sociedade civil organizada se manifeste favorável ao CONPEB e se engaje nas discussões sobre política externa. Sabemos que esses temas, embora pareçam distantes geograficamente, têm impacto direto na vida cotidiana das/os brasileiras/os. Como fazer isso? Participando ativamente do debate e se posicionando publicamente, fortalecendo assim o esforço coletivo para a criação do conselho.
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