Brasil, a unidade e as eleições

Novembro será crucial para testar resistência ao bolsonarismo — e formular um novo projeto de país. Em algumas (ainda poucas) cidades, candidaturas coletivas mostram potência de unir academia, movimentos populares e periferias

.

Por Roberto Jefferson Normando, do BrCidades | Imagem: Oswaldo Goeldi, Pescadores (1950)

O ano de 2020 é o ano do centenário de dois grandes brasileiros: o sociólogo Florestan Fernandes e o economista Celso Furtado. Dois intérpretes do Brasil que foram muito além das suas vocações de intelectuais de suas respectivas áreas e, fora delas, se tornaram grandes militantes das grandes causas da igualdade. O espírito público destes dois brasileiros deve animar um grande movimento pela unidade. Unidade para pensarmos o Brasil e para interpretá-lo com a mesma ousadia furtadiana e florestiana. Os partidos, as organizações, os movimentos, intelectuais de esquerda e progressistas estão, cada um a seu modo, fazendo este esforço de pensar e de propor saídas. Porém, o convite que se faz aqui é para colocar tudo isso na mesma mesa, na construção/reconstrução de um projeto de nação. Um projeto solidário e generoso, radicalmente comprometido com a democracia e as justiças social e ambiental. Se estas causas empolgam estas organizações partidárias e não partidárias, então o esforço deve ser pela unidade, pois sem ela não derrotaremos a política ultra/neoliberal e de ódio que assola o Brasil. Este projeto é e deve ser plural, costurando o caminho feito até aqui, impulsionando a ação parlamentar no Congresso, nas redes e nas ruas. Não basta derrotar o governo Bolsonaro, é preciso derrotar politicamente a extrema-direita, por isso, a unidade se impõe imperativamente.

As vidas de Celso e Florestan são grande inspiração para nossos dias e para esta hora dramática da vida brasileira e da América Latina. Conhecê-los é beber de uma fonte inesgotável de força política para os novos caminhos que devemos propor. Ambos atuaram em postos-chaves do Estado para modernizá-lo a serviço de um projeto de país democrático e com plena justiça social. Nos dois, vemos a necessidade de conhecer e entender o Brasil, denunciar as suas injustiças e propor caminhos de superação das suas desigualdades. Através de suas obras, vemos o compromisso, a ação intelectual, política e apaixonada pela causa do País justo, democrático e desenvolvido. Suas vidas estiveram a serviço desta causa até os seus últimos dias. Eles continuam vivos e suas obras permanecem atuais para o Brasil de hoje e para a construção do país que queremos.

O Brasil enfrenta uma das suas horas mais difíceis com a pandemia do coronavírus. Somada à falta de uma resposta articulada e comprometida com a vida das brasileiras e brasileiros – o que tem gerado milhares de vidas perdidas diariamente –, as crises política, econômica, social e ambiental que o Brasil já enfrentava antes da pandemia têm sido potencializadas pela política ultra/neoliberal do governo Bolsonaro, apoiada por um movimento de extrema-direita que não esconde as suas iniciativas antidemocráticas e fascistas. A agenda bolsonarista é uma agenda do retrocesso e da extinção de qualquer Estado de Bem-Estar Social. É um ataque a tudo o que representam Florestan e Celso. Reagir e derrotar essa agenda é um dever de todo democrata.

Nesse cenário apocalíptico, temos dois caminhos que se conectam e ao mesmo tempo têm suas demandas específicas. O primeiro é o caminho mobilizador pelo impeachment de Bolsonaro, mobilização que exigirá muita força política e aliança das ruas/redes e parlamento. O segundo já começou a ser trilhado, que é o caminho para as próximas eleições presidenciais de 2022. É aqui neste segundo caminho que gostaria de explorar mais ao propor uma unidade programática, ou seja, a elaboração dos consensos programáticos que poderiam ser assumidos por uma candidatura ou por mais de uma candidatura. Porém, o diferencial daquilo que já foi apresentado seria a construção coletiva de uma proposta de país e isto daria alma para uma ampla unidade das forças de esquerda, progressistas e de centro-esquerda. Proponho que não deveríamos partir do debate dos nomes para uma candidatura, e sim, de um Programa que pudesse reunir os diversos partidos numa espécie de Programa-Movimento que inspire uma cultura do diálogo, que reconheça as diferenças e as divergências e coloque na centralidade o debate do país apontando novos rumos. Será que isso é possível? Haverá a grandeza e a abnegação necessárias? A tarefa é num regime de colaboração e confiança mútua no intuito de construir o clima para esta unidade programática.

Mas antes, teremos as eleições municipais e já estamos vendo as enormes dificuldades de unidade do campo progressista em muitas cidades. Em algumas, a unidade até avança em certa medida por causa do debate de uma Agenda de Cidade que pode ser expressada por uma ou mais candidaturas em um primeiro turno. A sociedade civil através de redes como a BrCidades, Brasil Popular, Frente Povo Sem Medo, Fórum de Reforma Urbana, academia e outras organizações e movimentos têm se dedicado à retomada da democracia nas cidades, a pensar e propor uma agenda urbana conectada na superação das desigualdades. Existem muitas mobilizações e coletivos nas periferias das grandes e médias cidades, nas pequenas cidades e no campo ensaiando as novas possibilidades de poder local, arranjos locais de uma nova economia possibilitando geração de renda para muitas famílias, a luta contra o racismo e qualquer forma de discriminação fazem parte de uma agenda local dedicada à luta pela justiça social e ambiental. Por isso, as eleições municipais deveriam servir de palco para viabilizar a unidade tão necessária para o campo de esquerda e centro-esquerda no país.

Por fim e sem conclusão, que tal um Fórum Nacional dos partidos, movimentos e intelectuais de esquerda, centro-esquerda e progressistas, com a finalidade de reunir as diversas contribuições planos, diagnósticos e propostas que já estão sendo gestadas nos diversos partidos, entre as e os intelectuais, movimentos sociais redes e coletivos e construirmos a unidade programática, um projeto de país, uma proposta audaciosa de centro-esquerda e apresentarmos para as próximas eleições no nível local e nacional, seja com uma única aliança eleitoral, ou com mais de uma candidatura defendendo o mesmo programa e em um eventual segundo turno virarmos o jogo e vencermos o autoritarismo, vencermos a agenda ultra/neoliberal, inaugurando um novo ciclo democrático e progressista radicalmente comprometido com a superação das desigualdades sociais, regionais, ambientalmente sustentável, culturalmente plural e diverso. Será possível? As nossas gerações e as futuras exigem de nós unidade e a viabilidade de uma ampla força política para transformar o país e radicalizar a democracia.

Que o espírito furtadiano e florestiano, nos ajude neste caminho da unidade.

Caminhemos!

Leia Também:

2 comentários para "Brasil, a unidade e as eleições"

  1. José Mário Ferraz disse:

    Absolutamente nada mudará. Doutor Bruno Garschagen matou a charada no título do livro Pare De Acreditar No Governo. Os governantes, como nós todos, sendo fruto da cultura capitalista do enriquecimento acima de tudo, não podem ser diferentes de ninguém. Isto é, ter outro objetivo na vida que não seja ficar rico a qualquer custo. Uma olhadela ao redor basta para saber o quanto os governantes cuidam do bem-estar social.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *