Anistia nunca mais: como avança o novo movimento

Personalidades e entidades democráticas lançaram petição pública que exige um Tribunal Popular da Pandemia – e a punição dos crimes do governo Bolsonaro. Clamor cresce nas ruas; e é essencial para evitar novos arroubos golpistas

Ato em defesa da democracia, realizado nesta segunda (9), em Porto Alegre. Imagem: Eduardo Amaral/GES
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O grito de “sem anistia” uniu milhares de manifestantes em protestos realizados na noite desta segunda-feira (9) como resposta aos ataques terroristas de bolsonaristas, que invadiram e depredaram o Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Palácio do Planalto, em Brasília. Na posse de Lula, uma multidão já havia clamado pelo mesmo, enquanto o presidente discursava sobre “a lenta e progressiva construção de um verdadeiro genocídio” no país.

Punir os crimes perpetrados pelo governo Bolsonaro e sua horda é essencial para a reconstrução do Brasil. Para isso, o Manifesto Coletivo lançou o abaixo-assinado Anistia Nunca Mais. Já são 70 mil assinaturas, que demandam a construção de um Tribunal Popular da Pandemia, tanto quanto a imediata desmilitarização do Estado, passando para a reserva todo o alto escalão das Forças Armadas, cúmplices dos crimes do bolsonarismo.

Vladimir Safatle, professor da Universidade de São Paulo (USP), é um dos articuladores deste movimento crescente da sociedade civil, que apregoa a construção de um Tribunal Popular da Pandemia e, também, a imediata desmilitarização do Estado, passando para a reserva todo o alto escalão das Forças Armadas, cúmplices dos crimes do bolsonarismo. Isso não é “revanchismo” tampouco “desperdício de tempo acertando contas com o que já foi”, defende, mas crucial para evitar a repetição dum passado em que o silencio sobre crimes contra a humanidade nos 20 anos de ditadura no país, anistiando governantes autoritários e torturadores, ceifou possibilidades de justiça, verdade e reparação – contribuindo para golpismos, ainda hoje, em setores das Forças Armadas e polícias.

“A sociedade civil precisa exigir do governo que se inicia a responsabilização pelos crimes cometidos por Bolsonaro e seus gerentes. Isso só poderá ser feito nos primeiros meses do novo governo, quando há ainda força para tanto. Quando falamos em crimes, falamos tanto da responsabilidade direta pela gestão da pandemia, quanto pelos crimes cometidos no processo eleitoral”, aponta Safatle, em texto publicado por Outras Palavras.

Nesta quarta (11), às 19, haverá uma live de apresentação do Manifesto Coletivo, transmitida via Instagram (@manifesto.coletivo).

O que coletivo diz

O Manifesto Coletivo responde à urgência de mobilização popular pela responsabilização do governo de Jair Bolsonaro ante os crimes cometidos durante a pandemia da covid-19. Somos um grupo heterogêneo de militantes, pesquisadores, artistas, filósofos, professores, advogados, relações institucionais e ativistas sociais de várias áreas.

Sob o grito de “Anistia Nunca Mais”, lançamos um Manifesto que já conta com mais de 70 mil assinaturas individuais e dúzias de entidades e coletivos. Nosso horizonte é a construção de um Tribunal Popular da Pandemia, enquanto reivindicamos imediatamente a desmilitarização do Estado e a passagem à reserva de todo o alto escalão das Forças Armadas, cúmplices indissociáveis daqueles crimes.

Compreendemos essa coleta de assinaturas como instrumento de aglutinação política capaz de pressionar o governo atual a atuar frontalmente contra qualquer tipo de apaziguamento apoiado em anistias dos perpetradores do regime anterior. O Manifesto Coletivo soma-se à luta política de esquerda contra o esquecimento histórico, sempre tão funcional às forças de direita e extrema direita no Brasil. A memória é uma arma política.

O manifesto

O Brasil criou seus impasses por meio do esquecimento. Como se não falar, não julgar, não elaborar, pudesse nos garantir alguma forma de paz. Foi assim em vários momentos de sua história, criando uma verdadeira compulsão de repetição. As violências coloniais nunca foram objeto de elaboração devida. Da mesma forma, as violências da ditadura militar foram caladas através de uma anistia que, longe de ter sido resultado de algum “acordo nacional”, foi fruto de uma imposição dos próprios militares e da conveniência de seus aliados civis. Este é um país de silêncio.

Só que agora está claro para quem quiser ver que esse silêncio nos custa caro. Ele custa nosso futuro. Pois um país que ignora a força histórica, da justiça e da reparação condena-se a estar sempre acorrentado ao seu próprio passado. Ele não pode nunca ver o passado passar, porque aqui não há luto, não há dolo, não há responsabilização.

A partir do começo de 2023, o país ganhará tempo para se fortalecer diante dos embates que virão. A extrema direita brasileira, apoiada na ressurreição do fascismo nacional, demonstrou força enorme e, contrariamente ao pensamento mágico de alguns, não desaparecerá. Combatê-la passa por nomear seus crimes e exigir verdade e justiça. O país não aguenta mais um pacto extorquido e nem merece mais uma farsa dessa natureza.

Os mesmos que não foram responsabilizados pelos crimes perpetrados pela ditadura militar voltaram para “gerir” o país em um de seus momentos mais dramáticos, a saber, diante da pandemia mundial que levou ao menos 700 mil pessoas entre nós. Esse número aterrador não foi uma fatalidade, mas sim fruto da negligência criminosa e da indiferença atroz. O que ocorreu entre nós foi um crime de Estado e deve ser tratado como tal. Por isso, chamamos todes à luta pela instalação de um Tribunal Popular que tem como função forçar o debate público e a ação do novo governo.

Essa ação deve ser acompanhada de outra, tão urgente quanto necessária. Por isso, este chamado é também para juntarmos forças e exigirmos a desmilitarização imediata do Estado brasileiro. Isso significa tanto o afastamento dos militares das instâncias de decisão e administração do Estado quanto o afastamento de toda a cúpula do comando militar envolvida com o governo anterior. Que todos eles passem para a reserva. Nos últimos quatro anos, os militares chantagearam continuamente a sociedade brasileira, com ameaças de golpe e intervenções diretas nos processos políticos nacionais. Isso não pode passar impune. Em uma democracia, os militares não existem politicamente. Eles não falam, não agem e não intervêm sob circunstância alguma. Uma das maiores aberrações da Constituição de 1988 foi definir as forças armadas como “guardiãs da ordem”. Em uma democracia real, quem defende a sociedade é a própria sociedade e não necessita de qualquer força exterior a si mesma para tanto. Está na hora de nos defendermos de nossos “defensores”.

Convidamos a todes para essa dupla luta. Mostremos de forma clara o que não aceitamos mais e consolidemos uma força ofensiva que obrigue os que nos governam a terminar, de uma vez, com a espiral de silêncio que marcou até hoje nosso país.

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#anistianuncamais

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