Para combater Moro e seu pacote de barbáries

Genocídio de pretos e pobres é antigo, mas proposta “anticrime” dará verniz legal para prisões em massa e violência policial. Ruas já mostraram que é possível enfrentar truculência do governo. Ato denuncia, no dia 4, medida autoritária

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Serviço:
Campanha “Pacote anticrime é uma solução fake” (lançamento estadual)
Data: 4 de junho de 2019
Horário: às 19h
Local: Largo São Francisco, 95 – Centro, São Paulo

Na Justiça também as forças se movem, e há este chamamento para o lançamento estadual da campanha “Pacote anticrime é uma solução fake”, no dia 4 de junho, nas Arcadas do Largo São Francisco, às 19 horas.

Esta causa é a defesa da última trincheira, a do direito à vida e à segurança para todos, e merece que todos os movimentos por democracia se façam representar, neste momento de luta que será pedregosa, e que requererá muita sinergia e ação voluntária em educação social, em bairros, escolas, sindicatos e comunidades religiosas.

A força das manifestações de estudantes e professores em 15 e 30 de maio demonstrou a importância de clareza e foco na identidade de cada luta setorial com sua lógica e seus atores, aliados e articulações próprios. Ao mesmo tempo, as faixas, cartazes e palavras de ordem apontaram a consciência e a vontade de construir vasos comunicantes com outras lutas na defesa geral da democracia. Foram eloquentes as conexões entre educação, previdência e direito ao trabalho digno.

Fez-se até mesmo, em alguns cartazes, a conexão entre os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU para 2030. Ora, se Educação está no ODS 4,  e a Justiça está no ODS 16, conectar ambas nesta consigna significa também mundializar essa confluência, pois na base de todos está a sobrevivência da civilização. E, a partir de cada uma delas, há que se buscar a solidariedade internacional no respectivo eixo.

A campanha “Pacote anticrime é uma solução fake”, nasceu em 15 de fevereiro, com a “Carta de São Paulo”, produzida na iniciativa das Defensorias Públicas dos Estados do Rio de Janeiro e São Paulo, do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM) e do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), no Seminário “Recrudescimento Penal e a Política Criminal no Brasil”.

O lançamento nacional na Câmara dos Deputados, já com apoio de 70 entidades, foi o segundo marco, seguido um mês depois pelo lançamento no Senado.

O terceiro marco, lançamento estadual em São Paulo, marca a inflexão no sentido de regionalizar a campanha, contando com as seções estaduais das 70 entidades, e mais núcleos locais, incluindo os programas de pesquisa nas universidades, buscando a confluência do mais refinado saber jurídico e institucional nas questões de justiça penal, combate à criminalidade, e violência de estado (pela polícia, pelo Judiciário e pelo sistema penitenciário), com a capacidade de articulação de entidades tradicionais na sociedade civil e de movimentos sociais, desde os que representam as famílias de vítimas da iniquidade desse sistema, até movimentos de profundas raízes históricas, como o Movimento Negro Unificado.

O 4 de junho, com a forte carga simbólica das Arcadas do Largo São Francisco, em que o professor Gofredo da Silva Teles Jr. liderou em 1977 o grito da Carta aos Brasileiros pelo Estado de Direito, é ponto de passagem indispensável entre o 30 de maio da solidariedade a estudantes e professores, e a confluência na greve geral marcada para 14 de junho, com o alvo imediato de chamar atenção da sociedade, com toda a inteligência jurídica já construída através de notas técnicas das entidades, para a falácia do pacote bárbaro do ministro Moro, que retrocede a justiça aos tempos do absolutismo monárquico justificado por Thomas Hobbes, um século antes da Revolução Francesa.

Regionalizar implica conectar com as especificidades de cada contexto. No caso de São Paulo, o ato se dá no contexto de um movimento local contra a ofensiva legislativa do governo Dória e da Bancada da Bala na Assembleia Legislativa para extinguir a Ouvidoria da Polícia (criada pelo governador Mário Covas, do PSDB, como um dos primeiros atos do seu governo em 1995), e para descaracterizar o CONDEPE (Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana), inscrito na Constituição Estadual desde 1991.

Em todos os lugares são enormes os desafios, começando pela necessidade de símbolos para fazer frente à ardilosa nomenclatura de “pacote anticrime”, que leva até mesmo operadores do Direito a nem titubear, pois, afinal, não pode continuar como está, e quem pode ser contra medidas para reduzir a violência criminal? Difícil contrapor argumentos racionais à desinformação que vaza constantemente no rádio e na TV, alimentando as poderosas emoções do medo e do desejo de vingança e de punitividade. Construir e praticar uma linguagem que apele positivamente às emoções não é uma causa imediatista, e requer que se conquiste das pessoas o tempo para ler, refletir, pensar, discutir…  Para perfurar a couraça da exiguidade de tempo que sobra das lides do trabalho e da família para poder aprofundar um pouco além da superfície e doar um pouco de cidadania para a causa comum do Direito e da Justiça, será necessária muita criatividade, educação e paciência.

É este o chamamento: pegar embalo na campanha Pacote anticrime é uma solução fake”, e regionalizar esse combate íngreme entre o iluminismo jurídico, garantista dos direitos de todos, e a mais bárbara truculência representada no desgoverno Bolsonaro pelo ministro Sérgio Moro, mesmo diante da urgência imediata angustiante, com a iminência da votação na Câmara  dos Deputados, esperada para antes do recesso legislativo do mês de julho. Paira sobre o pescoço da sociedade brasileira o perigo de se solidificar em lei a violência desumana já praticada com impunidade por milícias e governos, como os de Dória em São Paulo e de Witzel no Rio de Janeiro, com as notórias conclamações a suas polícias para atirar de forma indiscriminada e atirar para matar, e suas premiações a policiais que cometem chacinas.

Regionalizar a partir do dia 4, e depois capilarizar porque a luta não se esgota na votação no Congresso. O genocídio de pobres e pretos não é de hoje. Tem história. A violência institucional contra os grupos mais vulneráveis permeou todo o período democrático desde a Constituição de 1988. E, se tem passado, tem também futuro. E tem desdobramentos na violência social, como nas perseguições oriundas do racismo religioso. Na atual correlação de forças, não importa tanto se podemos ou não derrotar o pacote fake anticrime, seja o mais tosco, de Sérgio Moro, ou o menos tosco mas igualmente bárbaro, do ex-ministro da Justiça Alexandre Morais (hoje ministro do Supremo). Não se trata do pensamento binário, sim ou não, agora ou nunca.

Embora a arena central seja a Câmara dos Deputados, em grande parte com as cartas marcadas, a pressão da sociedade pode ao menos mitigar em parte a desumanidade da licença para matar e do superencarceramento, embutidas, entre outros, no “excludente de ilicitude” justificado por “forte emoção”. Pode, em momento mais adiante, ir além das linhas de defesa, e ter forças para propor à sociedade, com a inteligência coletiva do movimento, soluções sérias e efetivas para a tragédia da violência social e institucional que vivemos no Brasil, que pretensas soluções como as do pacote se esquivam de enfrentar.  

Como disse o poeta, “Tudo vale a pena se a alma não é pequena”; e, diante do que está em jogo, na última trincheira que é a do direito à vida e à dignidade, tudo vale a pena mesmo.

Vamos juntos! Quem é de outras regiões, regionalize também. Que o dia 4 seja a voz coletiva pela Justiça, com representação de todos os movimentos sociais, de todas as demais causas democráticas, de todas as entidades que produzem conhecimento para a humanização da Justiça.

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