Dossiê 19J | Goiânia: encontro entre duas esquerdas

Presença dos partidos garantiu marcha organizada e segura. Mas eles tiveram sabedoria de não monopolizar as falas, nem tomar manifestação com suas marcas. Mudança de atitude pode ser crucial para ampliar luta contra a direita

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Organizadas por experientes entidades de esquerda e tomadas por novas e velhas gerações de militantes. Que recado as manifestações de 2021 mandam para a política brasileira e para o futuro?

Em Goiânia a manifestação foi organizada por militantes experientes de partidos políticos de esquerda: PT, PSOL, UP e PCdoB. O resultado dessa organização profissional do evento apareceu muito positivamente na condução do ato. Às 9hs da manhã a concentração já estava de pé, com o carro de som oficial dando o ritmo com falas políticas de entidades da sociedade civil organizada. Às 11hs a passeata saiu da Praça Cívica descendo a Avenida Araguaia até a Rua 4, percorrendo essa rua até a Avenida Goiás e descendo até a Praça do Trabalhador. Durante o percurso dava pra notar o trabalho das equipe de segurança, de controle do tráfego, de negociação com a polícia e de organização das falas no carro de som. Essa experiência de organização faz falta em outras manifestações como as que aconteceram em 2013 e mesmo em manifestações da direita lavajatista, que sequer conseguiam sair em passeata para se deslocar pela cidade.

Também pudemos ver, em Goiânia e em todo o Brasil, um amadurecimento na organização do ato público. A troca das manifestações em dias da semana (quando era mais fácil mobilizar estudantes) pelo sábado (quando predominam os militantes mais ideologicamente motivados) foi uma grande mudança. Goiânia também acerta ao marcar sua manifestação para a manhã, horário no qual a luz do dia torna mais difícil o aparecimento de conflitos. O sol areja tudo, não apenas a contaminação pelo vírus.

Apesar de ser organizada pelos partidos, com a exceção do PSOL, os partidos não levaram suas bandeiras para dominar a manifestação. Com isso, predominou os rostos humanos e pequenos cartazes artesanais ou feitos por sindicatos. Isso provavelmente foi uma opção consciente dos partidos. Mas também pode ser explicado pelo enfraquecimento da militância tradicional dos balançadores de bandeiras, certamente um tipo de militância cujo tempo já passou.

Quanto ao perfil dos participantes, tivemos pessoas de todas as idades. Estava lá a geração de 68, todos vacinados e prontos pra retomar os antigos sonhos. Estavam lá os militantes experientes, que passaram os últimos anos militando nos partidos e sonharam com a construção da justiça social. Estavam lá muitos jovens nascidos e crescidos na esperança da construção de uma nova sociedade inclusiva, feminista, livre dos costumes antigos, orgulhosos de sua liberdade sexual, ciclista, solidária e pacífica.

O novo se mescla ao antigo. O antigo é bem representado pela enfadonha tagalerice das falas políticas do carro de som. “Vamos chamar agora o representante do Sindicato dos Motoristas de Carrinhos de Mão” E segue: “Estamos aqui pra repudiar esse genocida que nos governa… bla bla bla”. E os lugares comuns vão se seguindo por 3 ou 4 horas.

Outra coisa antiga e que dialoga pouco com a nova militância espontânea que surge com a juventude é o costume de gerar imagens de violência como as queimas de bonecos de judas com a cara do presidente ou o uso de caixões como objetos cenográficos. Um erro estético e narrativo. Em Goiânia, a queima do Judas foi o único momento em que a polícia aproveitou para pressionar os manifestantes, com a cavalaria investindo contra a multidão.

Na política, o extremismo bolsonarista faz um milagre na política de esquerda: provoca uma união conjuntural e uma aproximação política que pareceria impossível há alguns anos. Quem olha para as manifestações desse começo de 2021 diz: a esquerda irá para as eleições nacionais de 2020 unida. A prioridade de derrotar Bolsonaro é um consenso e os partidos que jogarem contra a unidade podem perder com isso.

As manifestações devem continuar em 2021, apesar do risco controlado que provocam. Hoje em Goiânia todos usavam máscaras, a maioria usava a de melhor qualidade, NFF2. Da manifestação de 26/5 26M para a de 19/6 19J pudemos notar um ganho de qualidade e um aumento de talvez 50% no número de manifestantes. As pautas principais giraram em torno do Fora Bolsonaro Genocida, Pandemia e Meio Ambiente.

Uma questão importante que as manifestações revelam é o papel que os partidos terão no futuro das organizações políticas de esquerda. Os partidos estão agindo agora com sabedoria, colaborando sem centralizar ou tomar as manifestações com sua marca, como em uma disputa por espaços em uma vitrine. Quando faziam isso invisibilizavam os reais protagonistas, as pessoas. Ao respeitar o espaço dos militantes novos que estão chegando eles voltam a ganhar importância e se estabelecer como lideranças. É importante que esses partidos tenham sabedoria para o novo tipo de liderança que a política exige, onde o partido não é o centro, mas um mero instrumento.

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