Campo: Um alternativa com a cara do futuro

O modelo de agronegócio está fadado a se afogar nas crises energética e climática. A agroecologia mostrou-se como única opção sustentável para alimentar bilhões. A disputa está aberta – para ampliar os sentidos da reforma agrária e desmascarar o “capitalismo verde”

Foto: Soledad Quiroga/Brasil de Fato
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Este é o último de uma série de quatro texto que Outras Palavras publica sobre a Reforma Agrária. Leia os outros aqui

O futuro dependerá do campesinato

Independentemente dos avanços, resistências ou derrotas do campesinato no seu enfrentamento histórico com o capitalismo agrário, a agricultura do futuro verá a afirmação desta classe como a única capaz de produzir alimentos de forma sustentável, com base na agroecologia.

Não vou repetir aqui os argumentos que já apresentei em outros artigos, aliás muito melhor apresentados por outros autores e por instituições consideradas confiáveis, como a FAO, entre muitas outras. O modelo produtivo do agronegócio está fadado a desaparecer, sob o impacto de várias crises simultâneas, a energética, a do esgotamento dos recursos naturais não renováveis (como o fósforo e o potássio), a da degradação dos recursos naturais renováveis (como o solo, água e biodiversidade), a da poluição química de águas e solos, a do aquecimento global, a das pandemias provocadas pelo desmatamento, entre outras.

O modelo produtivo baseado na agroecologia já está provado como a única versão sustentável para alimentar 8 a 10 bilhões de terráqueos. E a prática também já mostrou que o campesinato é a única classe capaz de aplicar os princípios da agroecologia de maneira aprofundada.

As próprias características da agroecologia, com desenhos produtivos complexos e diversificados, impedem a sua aplicação em larga escala em sistemas de monoculturas motomecanizadas. Esta complexidade aponta para propriedades de pequeno porte trabalhadas com mão de obra familiar altamente capacitada e motivada e que terá que ser bem recompensada por oferecer produtos essenciais de alta qualidade assim como serviços ambientais essenciais para o equilíbrio dos ecossistemas.

A diversidade dos desenhos agroecológicos favorece a propriedade individual, mas a própria construção do conhecimento agroecológico favorece um esforço coletivo, bem como todos os processos “pós-porteira”, no beneficiamento e na comercialização. Esforços de recuperação dos ecossistemas onde a agricultura ecológica se insere, e que ultrapassam os limites de cada propriedade, também induzem a um planejamento e operação coletivos.

As limitações energéticas de um mundo pós combustíveis fósseis produzirão uma intensa desglobalização. Os circuitos de transporte deverão ser encurtados ao máximo, levando à necessidade de uma produção de alimentos diversificada e ajustada às condições de cada local. Isto implicará no fim das dietas homogêneas que hoje definem o consumo globalmente. O que a população vai comer no futuro será definido localmente e de acordo com as variações climáticas locais e temporais.

Todas estas condições levarão ao fortalecimento do campesinato, tanto em número como em valor social. Os espaços rurais verão um repovoamento intenso, induzindo a relocalização de infraestruturas sociais e culturais, além de empreendimentos econômicos e serviços descentralizados, adequados às escalas locais.

Como podem notar, este novo modelo produtivo não pode estar centrado na busca do lucro máximo, característica do capitalismo. Por outro lado, não se pode buscar nos modelos socialistas conhecidos um exemplo a ser seguido. O mercado continuará um fator de organização da produção e do consumo, mas não será o típico modelo vigente onde a competição marca o sucesso e o fracasso. Estamos na fase de buscar formas de economia solidária sem planejamento estatal e normas impositivas. É um mundo novo em construção.

Para este futuro acontecer, o papel das classes produtoras e o peso relativo de cada uma vai ser modificado. A descentralização da população e o esvaziamento relativo dos centros urbanos deverão acontecer. O repovoamento das áreas rurais vai ser estimulado pela pressão do aumento do nível dos oceanos, que afetará, ainda neste século as áreas urbanas costeiras, deslocando milhões de pessoas. O mundo, tal como o conhecemos, está em vias de ser profundamente modificado, sob pressão dos impactos das várias crises já mencionadas, provocadas pelo desenvolvimento do capitalismo na sua forma mais globalizada.

Recompor um campesinato como classe mais numerosa e decisiva para a novas sociedades sustentáveis poderá se dar de forma mais brutal, pela ampliação dos impactos do capitalismo em extinção ou pela adoção de políticas públicas que preparem a transição. A existência de uma classe camponesa numerosa, adotando as práticas da agroecologia, vai ser um fator essencial para que esta transição possa ocorrer com um mínimo de traumas. Trazer de volta ao campo e à produção agrícola milhões de pessoas será mais fácil se o campesinato residual de hoje estiver avançado na adoção do modelo agroecológico para servir de exemplo a ser seguido pelos neocamponeses. Para isto, o embate com o agronegócio e a resistência do campesinato existente vai ser fundamental.

Para terminar, quero apenas indicar que a “solução” indicada pelo capitalismo verde em expansão, que vem adotando sistemas de produção orgânica em grande escala, não pode ser vista como alternativa. A própria escala destes modelos produtivos e seu necessário uso de monoculturas motomecanizadas entra em contradição com os limitantes energéticos e ambientais já apontados e não poderá sobreviver no médio e longo prazo.

A agenda de lutas do presente tem que ser formulada em função deste futuro inelutável. Temos que ampliar a reforma agrária, viabilizar os assentamentos e o campesinato com a expansão do modelo agroecológico e alterar profundamente a orientação do ensino e pesquisa agropecuária. A responsabilidade desta geração de militantes é enorme frente aos desafios do futuro da humanidade.

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3 comentários para "Campo: Um alternativa com a cara do futuro"

  1. Vitor solda barboza disse:

    O agro, sendo pequeno, médio ou grande produtores, sempre estará movimentando o país, isso precisa ser mais valorizado.

  2. Vitor solda barboza disse:

    O agro, sendo pequeno, médio ou grande produtores, sempre estará movimentando o país, isso precisa ser mais valorizado em algumas classes

  3. JOSE DE ARIMATEA SOUSA BRAZ disse:

    Esse congresso que aí está é maniqueísta, de direita a extrema direita. Absurdo esses bolsonaristas loucos fazerem o que vêm fazendo. Anistia, perdão a partidos políticos irresponsáveis, e não fazem valer a regra por eles mesmos aprovadas. Sacanas e péssimo exemplo para a sociedade, provam que é possível ser ilegal, arbitrário e não ser punido. Horríveis!!!

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