As ruas reagem a um “pacto sinistro”
Protestos contra a PEC da Bandidagem e o projeto de Anista abrem neste domingo (21) um debate fundamental. Como suportar um Legislativo que age permanentemente em favor de seus próprios privilégios – de costas para a sociedade e o interesse público?
Publicado 19/09/2025 às 18:01

Diversas manifestações estão agendadas para este domingo (21) contra o avanço do PL da Anistia e a chamada PEC da Blindagem ou da Bandidagem, como vem sendo chamada a proposta aprovada na Câmara dos Deputados que exige autorização do Legislativo para que sejam abertas ações penais contra parlamentares.
A mobilização começou a surgir logo após a PEC ser aprovada, na noite da quarta-feira (17), com usuários das redes sociais propondo datas e locais para a realização de atos, que ganharam impulso com a aprovação do requerimento de urgência do projeto de anistia. Em meio à discussão, movimentos populares organizados e as Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo passaram a divulgar as cidades que vão contar com atos neste domingo (ver a lista abaixo).
Outras Palavras já abordou os significados das duas propostas aqui e aqui. A união entre os bolsonaristas e integrantes do Centrão consolida um estado de crise institucional no qual um Poder, o Legislativo, tenta se sobrepor aos outros dois, contrariando o que é a narrativa habitual da extrema direita de “ditadura do Judiciário”.
Inconstitucionalidades
As duas propostas ainda seguem um padrão. Além da questão ético-política, afrontam o ordenamento jurídico e a jurisprudência dos tribunais brasileiros. A urgência aprovada no caso da anistia, por exemplo, faz com que a matéria não seja analisada na Constituição de Comissão e Justiça e de Cidadania da Câmara, que deveria analisar sua admissibilidade legal (embora essa função tenha sido negligenciada pelo colegiado nos últimos anos).
“No Brasil, quando a Constituição de 1988 se ergueu contra os escombros da ditadura, estava claro que a democracia deveria ser cláusula pétrea e fundamento da vida política. Anistiar agora, em plena continuidade de um projeto golpista, seria o oposto da reconciliação: um retrocesso civilizatório, uma vergonha institucional”, dizem os juristas Pedro Serrano e Fernando Hideo em artigo publicado no Conjur. “Não há pacificação possível quando os ofensores permanecem organizados e ativos; o que se teria é a legalização da impunidade como prática de poder, a normalização do crime como prática política e o estímulo aberto ao golpismo como projeto de poder.”
Em um contexto no qual um deputado federal age, do exterior, para que o Brasil seja alvo de sanções externas por parte de outra nação, o presidente daquele país utiliza uma retórica de interferência externa em um rito quase formal de chantagem, não é possível dizer que a marcha golpista tenha sido freada. Apenas ganhou outras feições.
Desconfiança pública
A PEC da Blindagem ou da Bandidagem incorre em vícios similares sob a ótica legal, carregando ainda o mesmo viés imoral do projeto da anistia.
Para o professor de Direito Constitucional da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Miguel Gualano de Godoy, e o doutorando em Direito do Estado da mesma universidade, Erick Kiyoshi Nakamura, “a PEC é inconstitucional desde a sua origem, por violar cláusula pétrea da Constituição de 1988 e não poderia sequer ser objeto de deliberação. Ao Senado, portanto, não cabe buscar versões do texto supostamente mais ‘palatáveis’, mas sim rechaçá-lo por completo, por inconstitucionalidade”.
“O sistema democrático pressupõe que todos – inclusive os representantes eleitos – estejam sujeitos à investigação pelas autoridades competentes. Criar barreiras corporativas como essa significa reforçar a percepção de que parlamentares estão acima da lei. Isso fere a confiança pública nas instituições”, dizem eles, em artigo publicado no Jota.
Tudo indica que tanto um quanto o outro texto seriam barrados no Judiciário em caso de aprovação no Senado, reforçando mais o clima de confronto entre Poderes e a crise permanente. Ou, como já se discute no caso do PL da Anistia, com a nomeação do deputado federal Paulinho da Força (Solidariedade-SP) como relator da matéria, uma espécie de “arranjo por cima” menos ostensivo em seus propósitos, que deixaria as sementes para novas tentativas de golpe próximas de um solo fértil.
E o interesse público?
Não é possível que propostas absurdas que não atendam ao interesse público e sejam voltadas a apenas a alguns poucos possam tramitar e ser aprovadas sem a participação da sociedade, contando somente com eventuais barreiras jurídicas para que não se concretizem. Parte do atual Congresso Nacional conta justamente com a apatia da população para levar adiante essas propostas, confiando que as volumosas emendas orçamentárias e o sistema de eleições proporcionais no Brasil garantirão sua permanência no poder.
Nesse sentido, as manifestações, além do caráter de protesto, também têm uma vertente pedagógica e de abrir um debate, trazendo uma questão que não se confunde com a mera antipolítica, motor da extrema direita em diversos países: são esses tema que devem ser discutidos no Legislativo? Que projetos de fato transformadores deveriam estar na agenda de deputados e senadores?
A distância da sociedade em relação aos parlamentares precisa ser diminuída, inclusive com vistas às eleições de 2026, onde eles poderão ser cobrados pelo que fizeram e também naquilo que se omitiram. Os atos deste domingo podem ser o início de uma proximidade maior e de uma prestação de contas mais efetiva de um Congresso Nacional que não pode dar guarida a golpistas e criminosos em geral.
Os atos também têm mobilizado boa parte da comunidade artística e a manifestação no Rio de Janeiro contará com a participação de Chico Buarque e Caetano Veloso. Confira abaixo as cidades com atos confirmados até a tarde desta sexta-feira (19):
Cidade | Horário e Local |
---|---|
ARACAJU | 16h – Praia da Cinelândia |
BELO HORIZONTE | 9h – Praça Raul Soares |
BELÉM | 9h – Praça da República |
BRASÍLIA | 9h – Museu da República |
CUIABÁ | 14h – Praça Alencastro |
CURITIBA | 14h – Boca Maldita |
FORTALEZA | 15h30 – Estátua de Iracema Guardiã |
GOIÂNIA | 16h – Praça Universitária |
JUÍZ DE FORA | 10h – Praça da Estação |
MACAPÁ | 16h – Teatro das Bacabeiras |
NATAL | 15h – Midway |
PORTO ALEGRE | 14h – Redenção |
RECIFE | 14h – Rua da Aurora |
RIBEIRÃO PRETO | 15h30 – Praça Spadoni |
RIO DE JANEIRO | 14h – Posto 5 de Copacabana |
SALVADOR | 9h – Morro do Cristo |
SANTOS | 16h – Ana Costa |
SÃO PAULO | 14h – Masp |
UBERLÂNDIA | 9h – Feira Livre do Luizote |
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