Argentina: a intrépida história da Fúria Travesti

País é vanguarda em direitos relacionados à diversidade de gênero. Estigmas e violências eram estimulados por leis repressivas. Até que uma rede de coletivos foi às ruas para desafiar o preconceito e derrubar tabus. Vale conhecer sua trajetória

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Por Alessandra Viggianoe Siobhán McGuirk, no Red Pepper | Tradução: Rôney Rodrigues

Esta é a história da #FuriaTravesti: um coletivo de pessoas que enfrentaram a perseguição e a brutalidade nas mãos da polícia, muitas vezes foram expulsas de suas casas e sofreram extrema discriminação. No entanto, mesmo ocupando um não-lugar aos olhos do Estado e da sociedade, continuaram lutando para construir novas formas de cidadania e conquistar direitos.

Assim como o cheiro doce da rosa, um nome pode conferir o desejo de educação, saúde, trabalho, reconhecimento e o direito de viver livre de violências e estigmas. Esta é uma história sobre o direito ao nome próprio.

Em 2012, a Argentina se tornou o primeiro país do mundo a permitir que as pessoas mudem oficialmente seu nome e gênero sem a necessidade que um juiz ou médico dê permissão; sem passar por cirurgia de mudança de sexo, hormonioterapia ou avaliação psicológica. Muitas outras políticas inovadoras se seguiram, incluindo o decreto do ano passado que reserva 1% dos empregos no setor público para pessoas trans (um termo abrangente para designar pessoas cujo gênero não reflete o sexo atribuído no nascimento).

A lei foi desenvolvida depois que uma pesquisa realizada em 2017 que descobriu que apenas 9% das pessoas trans estavam formalmente empregadas; 70% delas eram profissionais do sexo. E a maioria delas não tem acesso à saúde. A luta argentina pelos direitos trans está longe de se esgotar, mas continua sendo um farol de esperança à medida que outros países instituem medidas regressivas.

O caminho para a Lei de Identidade de Gênero de 2012 traz lições valiosas para lutas paralelas, ao mesmo tempo em que se insere em um contexto argentino específico. Ela foi forjada por organizações de base trabalhando por meio de alianças políticas, colaborando com acadêmicos, construindo bases para o apoio popular e agindo tanto a favor quanto contra a ordem legal estabelecida.

A lei foi apenas a ponta do iceberg. Sob a superfície, duas dinâmicas-chave impulsionaram a mudança: a rua como local de ação política e a reivindicação das travestis como locus de construção e resistência identitária.

Das ruas ao Legislativo

A Argentina é um país onde a democracia é exercida, lutada e encarnada por meio de caminhadas e gritos nas ruas. O espaço público, principalmente a Plaza de Mayo, tem sido central para a subjetividade política argentina desde 25 de maio de 1810, quando multidões se reuniram em frente ao Cabildo, o órgão governamental nascente, exigindo transparência e participação popular.

Mais de 150 anos após a Revolução de Maio, naquela mesma praça, mães e avós começaram uma peregrinação de protestos para exigir o reaparecimento vivo de filhas e filhos “desaparecidos” pela junta militar. Essas mesmas avós ainda hoje lutam para identificar seus netos, roubados ainda bebês pelos militares em um ato planejado e sistemático de opressão ditatorial.

Pouco depois da virada do novo milênio, após anos de conchavos e neoliberalização febril, o povo voltou às ruas quando crises institucionais e econômicas — múltiplas e interconectadas – chegaram às suas casas. À medida que o pensamento radical se espalhava no calor da crise, novos atores sociais e políticos historicamente marginalizados cresceram em visibilidade, força e influência.

Nesse mesmo locus de resistência, organizações de direitos trans de base já começaram a se formar através de esforços compartilhados para revogar os códigos penais dos tempos coloniais que permitiam a repressão policial de comportamentos “escandalosos”, incluindo a presença de travestis em público.

Vários grupos se uniram ao movimento #FuriaTravesti. Entre eles, a Associação para a Luta pela Identidade Travesti e Transsexual (ALITT), liderada por Lohana Berkins; a Organização de Travestis e Transexuais da Argentina (OTTRA) liderada por Nadia Echazú; o Movimento Anti-Discriminação para a Libertação (MAL) fundado por Diana Sacayán; bem como a FALGBT (Federação Argentina de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Trans), a ATTTA (Associação de Travestis, Transexuais e Transgêneros da Argentina), a Travestis Unidas (TU) e a Comunidade Homossexual Argentina (CHA). A capacidade de formar e sustentar coalizões tem sido fundamental para o sucesso contínuo do movimento.

Desde cedo, o movimento se apropriou de um termo pejorativo para reivindicar uma nova identidade política, travesti. O termo contestou a etimologia e suas raízes em toda a América Latina. Tem uma conotação com “travesti”, mas também uma conexão com shows de revista, que apresentavam impressionantes estrelas vedettes, combinado com o prefixo latino trans, de “para além”.

Travesti designa uma diversidade de experiências e encarnações que não coincidem com as tradicionais classificações estatais de gênero ou sexo. Como conceito e identidade, confronta heteronormatividade e autoritarismo – estruturas que sustentam exclusões espaciais e repressões legais de pessoas consideradas sujeitos patológicos. É um termo usado por pessoas da classe trabalhadora, rurais e indígenas. Para Berkins, líder do OTTRA, conota uma subjetividade política ligada à “luta, resistência, dignidade e felicidade”.

A apropriação do termo travesti buscava contrapor o discurso dominante de “desvio sexual” perigoso. Esse discurso estava profundamente enraizado em marcos jurídicos eurocêntricos e decretos que puniam delitos menores como fraude, carnaval, embriaguez, desordem pública e jogos, bem como o “travestismo” e a homossexualidade.

O delito de escândalo e a prevenção de comportamentos perigosos têm sido usados pela polícia como pretexto para deter e investigar pessoas que “se vestiam ou se disfarçavam com roupas do sexo oposto” ou usavam “roupas impróprias”. Notavelmente, esses “decretos policialescos” criminalizaram a pessoa – não seu comportamento. Os profissionais de saúde que tentaram dar assistência para as pessoas em relação a sua corporeidade também enfrentavam sanções por suas ações.

As táticas de sobreposição adotadas pelo movimento travesti/trans – afirmar o direito de estar presente e visível em público, transformar o insulto em poder coletivo e pressionar pela revogação de leis opressivas – foram, nas palavras de Berkins, destinadas a “demolir as hierarquias que ordenam as identidades e os sujeitos”.

Essa luta continua: embora os decretos policiais tenham sido revogados em 1996 após uma longa e dolorosa batalha, a ilegalidade da prostituição e as novas diretrizes introduzidas para garantir a tranquilidade pública permitiram que o assédio policial e as prisões, muitas vezes sem mandado, continuassem.

Apesar das proteções conquistadas na última década, tais diretivas ainda sobrevivem e são usadas principalmente em regiões remotas como pretexto para perseguir e deter travestis e trans. Em toda a Argentina, a brutalidade policial continua sendo a causa mais frequente de ferimentos graves e mortes em comunidades travestis e trans – e também pauta central da luta do movimento.

Leis de opressão, leis de resistência

A luta épica para tornar as ruas mais seguras para travestis e trans, apenas brevemente narrada acima, deve-se tanto a uma necessidade de sobrevivência quanto a uma demonstração inicial de como a lei poderia se tornar um espaço de resistência, não apenas fonte de opressão. Seu poder gerador, afinal, constitui e exclui sujeitos do Estado. A luta pelo espaço público continuava e, paralelamente, também as lutas individuais pela identidade.

No final da década de 1980, as autoridades médicas e judiciais tinham o poder de conceder ou negar o pedido de um indivíduo para mudar seu sexo e/ou nome legalmente reconhecido após terapias hormonais e cirurgias. A primeira decisão, de 1989, indeferiu o pedido do requerente, afirmando a “verdade jurídica” do “sexo genético” – portanto inalterável por meio de intervenção médica. As perspectivas começaram a mudar após a Argentina adotar um dos principais tratados de direitos humanos da ONU na Constituição de 1994.

Uma vez que a linguagem dos direitos humanos entrou na esfera judicial, seguiu-se a primeira decisão favorável a um requerente – ainda que apenas em 1997, e sob a condição de que fossem submetidos à cirurgia genital feminizante, que não existia na Argentina, somente no exterior. Logo, porém, as decisões começaram a distinguir gênero de sexo, e nomearam gênero como uma “ficção legal”, não uma verdade natural.

Em 2003, mais 17 decisões haviam concedido mudanças de nome e, em alguns casos, autorizavam mudanças pós-operatórias de sexo registrado. As decisões dos juízes basearam-se na “naturalidade do desempenho” dos candidatos e na sua incorporação “correta” no gênero.

À medida que o conhecimento das decisões se espalhava, autoproclamadas organizações de direitos de travestis, trans e lésbicas, gays e bissexuais (como as mencionadas acima) começaram a se organizar coletivamente para desafiar os rígidos parâmetros das leis de reconhecimento de nome e sexo. Elas se agruparam como a Frente Nacional pela Lei de Identidade de Gênero (FNLID), que pressionou poderes executivos e parlamentos, recorrendo aos Princípios de Yogyakarta, a declaração internacional de direitos humanos relacionados à orientação sexual e identidade de gênero, para apoiar sua posição.

Como resultado dos esforços da FNLID, entre 2003 e 2011, os secretários de Educação e Saúde da cidade e da província de Buenos Aires e também da província de Santa Fé determinaram que as pessoas poderiam mudar seu nome legalmente com base na autopercepção, sem intervenção médica.

Ao fazê-lo, essas decisões de nível estadual e municipal tomaram emprestado o conceito de identidade de gênero dos Princípios de Yogyakarta, referindo-se à auto-identificação de gênero como um direito pessoal que “corresponde a cada pessoa, por sua única condição como tal”.

Enquanto isso, no nível judicial nacional, significativas batalhas paralelas estavam sendo travadas – e vencidas. A decisão da Suprema Corte de 2006 que concedeu status legal à ALITT refletiu uma importante mudança na política e na sociedade. A associação, que trabalha expressamente pelos direitos das travestis e trans, já havia tido seu reconhecimento legalnegado com o argumento de que sua existência não “contribui para o bem comum” e que as travestis e trans não tinham o direito legal de se organizarem e realizarem campanhas por seus direitos. Mas a ALITT não se deteve em sua luta por reconhecimento.

Outro passo incremental foi dado por meio da decisão Hooft em 2008, que autorizou a mudança de nome legal e sexo de um requerente sem exigir cirurgia genital. Então, em novembro de 2010, a famosa atriz argentina Florencia de la V recebeu seu pedido para mudar seu nome legal e o sexo registrado sem ter que se submeter a uma “intervenção de adaptação sexual” (cirurgia genital). Fundamentalmente, a decisão foi baseada apenas na declaração de vontade da requerente – sem o uso de perícia médica.

Florencia de la V foi apoiada e aconselhada pela FALGBT, FNLID, ATTA, CHA e outros, e seu caso indiscutivelmente mobilizou a opinião pública. Após a decisão, o FALGBT rapidamente começou a recolher e patrocinar novas solicitações, entendendo que decisões favoráveis permitiriam o tratamento legislativo de uma futura lei de adequação da própria identidade.

No mesmo ano, a decisão do caso Scheibler autorizou a mudança de nome e sexo registrado de masculino para feminino sem intervenção médica e utilizando o conceito de autopercepção, admitindo não haver possibilidades de identificação formal em nível estadual da comunidade travesti/trans.

A decisão Scheibler estabeleceu que a identidade de gênero deveria ser legalmente protegida como parte do direito à autonomia pessoal. Também sustentou que as experiências subjetivas e corporais que desafiam o binarismo genérico “não constituem desvios”, o que representou uma correção importante da patologização dos marcos legais e médicos.

Impacto generalizado

Ao longo desse período, a FALGT e outros aliados do movimento pelos direitos das travestis e trans também vinham travando outra batalha que teria enormes ramificações jurídicas, sociais e políticas: reformar o Código Civil para permitir o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Essa luta também ocorreu nas ruas e no Legislativo. Reuniões de massa, marchas e comícios foram frequentemente recebidos por contra-manifestações.

Figuras progressistas em diferentes partidos políticos trabalharam juntas para combater as campanhas de oposição promovidas pela Igreja e por atores conservadores, que enquadravam o casamento entre pessoas do mesmo sexo como um ataque aos “valores da família” e prejudicial às crianças. O então cardeal Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires (agora papa Francisco), convocou seus fiéis a travar “uma guerra de Deus” contra a lei proposta, provocando uma réplica da então presidenta Cristina Kirchner de que ele deveria “abandonar os tempos medievais e a inquisição”.

A aliança governista de Kirchner, a Frente para la Victoria (FPV), estava na época no auge de sua popularidade e detinha a maioria no Senado e na Câmara. Promoveu, então, a lei como parte de sua plataforma de “acesso a direitos”, evocando os compromissos pós-ditadura com a não-discriminação, a inclusão social e a justiça na vida pública.

A estratégia da FALSBT foi combater o preconceito com positividade. O slogan escolhido, “mesmo amor, mesmos direitos”, enfatizava o afeto e a igualdade, e também utiliza testemunhos de “famílias da diversidade”, chefiadas por gays e lésbicas. A campanha buscava combater o medo relacionado a crianças, adoção e paternidade.

Quando colocado em votação no Congresso, em julho de 2010, o projeto de lei do casamento entre pessoas do mesmo sexo quase não foi aprovado: na Câmara, o placar foi de 126 a 109 (quatro abstenções); no Senado, ficou 33 a 27 (três abstenções). Após a votação, Kirchner anunciou: “Não promulgamos uma lei, promulgamos uma construção social”. Quando o caso de Florencia de la V chegou às manchetes alguns meses depois, o discurso dos direitos LGBTQ estava firmemente estabelecido na esfera pública.

Uma luta de décadas, impulsionada por alianças e travada em múltiplos aspectos, havia estabelecido as bases para que a Lei de Identidade de Gênero fosse aprovada pelo Congresso 18 meses depois, em maio de 2012. A lei padronizou procedimentos e critérios para as pessoas mudarem seus registros legais de sexo e/ou nome em todo o país.

Notavelmente, o projeto de lei recebeu muito menos atenção da mídia do que o do casamento entre pessoas do mesmo sexo e foi aprovado por uma votação muito menos polarizada, inclusive com aprovação quase unânime do Senado. As provas apresentadas para análise legislativa foram fornecidas por acadêmicos, ativistas e conselheiros políticos, sem pesquisas públicas ou debates na mídia para influenciar a votação. A Igreja se calou sobre o assunto.

Para a Argentina, o direito à auto-identidade estava entrelaçado com o compromisso de redemocratização, após anos de ditadura, com os direitos humanos, a igualdade e a liberdade pessoal. Para o mundo, mesmo uma década depois, continua sendo uma proposta radical.

Legados, alianças e lutas contínuas

Hoje, na Argentina, qualquer pessoa maior de 18 anos pode solicitar a retificação de seus registros nos cartórios e no documento de identidade (DNI), o instrumento emitido pelo Estado que identifica cada cidadão. Eles podem fazer isso sem autorização judicial, atestado médico ou intervenção cirúrgica, pois a lei estabelece que todas as pessoas têm o direito de autodefinir sua identidade de gênero e viver livremente de acordo com ela, e que sua identidade deve ser respeitada pelas autoridades.

A redação da lei era suficientemente flexível para que a opção de um sexo não binário oficial, “X”, pudesse ser introduzida posteriormente, como foi em julho de 2021 sob o governo peronista de Alberto Fernández.

A luta pelos direitos e liberdades de travestis e trans não se arrefeceu na última década, transformando a política e colocando a sociedade ao lado (e como parte) de movimentos LGBTQ e feministas mais amplos na Argentina. Os caminhos percorridos por esses movimentos nem sempre foram lineares, e objetivos específicos receberam ênfase especial em diferentes momentos.

É possível, no entanto, distinguir como suas variadas estratégias e trajetórias tiveram influência sobreposta e cumulativa sobre os discursos estatais, normas sociais e realidades jurídicas. Por exemplo, outra decisão marcante de 2012 conquistada por meio da incansável luta feminista foi a incorporação do feminicídio no Código Penal, um importante reconhecimento da violência doméstica e de gênero.

A mesma emenda também criminalizou crimes de ódio baseados na orientação sexual ou identidade de gênero da vítima. A violência contra as mulheres, no entanto, continua endêmica em toda a Argentina, estimulando o movimento “Ni Una Menos”, que continua exigindo maior financiamento estatal e respostas mais ativas.

Quando Diana Sacayan foi morta em 2015, o movimento travesti/trans exigiu que o travesticídio fosse usado no julgamento criminal de seu assassino. Utilizando o arcabouço legal do feminicídio, o tribunal incluiu o termo em sua decisão. A discussão sobre como tornar o travesticídio legalmente operacional continua em andamento.

A morte de lideranças proeminentes do movimento como Lohana Berkins, Mocha Celis e Nadia Echazu, entre inúmeros outras, apenas reforçam a urgência de mais ações para proteger travestis e trans da violência e melhorar seu acesso a assistência médica e social. Todos os que morreram durante a luta contra a invisibilidade e a perseguição deixaram uma marca indelével nos sobreviventes que continuam sua luta.

A acadêmica e ativista Marlene Wayar, Florencia de la V e a militante Alba Rueda, atual subsecretária para a diversidade, estão entre os muitos que hoje carregam a tocha do reconhecimento público e do direito de existir, motivados pelas palavras finais publicadas por Berkins: “O motor de mudança é o amor. O amor que nos foi negado é nosso impulso para mudar o mundo”.

A legalização do aborto, em 2020, foi outro marco para a Argentina. Foi conquistado através de décadas de ação, desencadeada pela Campanha Nacional pelo Aborto Legal, Seguro e Gratuito em 2003 e impulsionada por campanhas multifacetadas, coalizões amplas e obstinadas disputas legislativas: projetos de lei para a “interrupção voluntária da gravidez” foram apresentados e derrotado seis vezes na Câmara dos Deputados entre 2007 até sua aprovação, em 2020.

Os apelos aos discursos dos direitos humanos também foram essenciais para essa luta, que se articulava em direção à “educação sexual para decidir, anticoncepcional para não abortar, aborto legal para não morrer”. Solidariedade e lobby entre partidos, manobras políticas de proeminentes acadêmicas e militantes feministas, as marchas massivas do Ni Una Menos, exposição midiática gerada pelo coletivo Actrices Argentinas, entre outros, e o capital simbólico da bandana verde – ecoando o icônico lenço branco usado por Las Madres de Plaza de Mayo – galvanizaram a pressão pública em uma irrefreável “maré verde”.

Como foi o caso do casamento entre pessoas do mesmo sexo, a luta pela legalização do aborto exigiu a construção de coalizões em setores progressistas de todo o espectro político contra poderosos atores conservadores. O movimento travesti apoiou consistentemente a campanha pelos direitos reprodutivos, participando de desfiles com entusiasmo, colocando nomes de suas organizacões em declarações e sempre afirmando sua luta compartilhada com o feminismo contra a opressão heteropatriarcal.

A lógica da autodeterminação e da autonomia corporal são, afinal, centrais para as batalhas pelo aborto legal e pela identidade de gênero – batalhas que continuam até hoje. O Ministério da Mulher, Gênero e Diversidades, também criado em 2020, ressalta essas conexões.

Em sua batalha para ampliar radicalmente as concepções sociais, políticas, ideológicas, pessoais e jurídicas sobre direitos, liberdades e justiça, a comunidade travesti e trans argentina continua alcançando amplo impacto. Sua lição para o mundo é clara: se o feminismo é um projeto emancipatório para combater a opressão, deve incluir – no mínimo – lutas de travestis e trans.

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