O resgate do Planejamento no século XXI

Ele teve papel central no pós-guerra, mas neoliberais o destruíram. Emergiu o presentismo, sem diálogo com os desafios do futuro. Retomá-lo exige refletir qual país desejamos construir após três décadas de ruína da sociedade industrial

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Foi somente com o fracasso do liberalismo exposto na Depressão de 1929 que a ideia de planejamento nacional ganhou força. Embora a presença do ato de planejar remonte às antigas civilizações pré-modernas (por exemplo, na construção de grandes obras como as pirâmides egípcias há 4,5 mil anos), o progresso, sob o modo de produção e consumo capitalista, era compreendido pelas elites dominantes como a ser exercido naturalmente pela espontaneidade das forças de mercado.

Diferentemente do sistema de planificação soviético (1921-1991), concebido pelo Comitê Estatal do Planejamento (Gosplan) como a base da economia socialista, o planejamento no capitalismo assumiu indicativo de parte do Estado em relação ao setor privado. Tratou, fundamentalmente, das implicações futuras para a economia e sociedade decorrentes das decisões presentes da administração pública, mais do que decisões propriamente do futuro.

A centralidade alcançada pelo planejamento na maioria dos países, sobretudo após a segunda Guerra Mundial, terminou por transformar a natureza da administração pública. O denominado O novo Estado Industrial por John Galbraith em 1967 alterou profundamente a atuação do Estado em relação aos mercados e à sociedade.

No Brasil não foi diferente. Como o atraso nacional era expressivo e decorrente do longevo e primitivo agrarismo vigente, o planejamento emergiu na década de 1930, incorporado à construção própria do Estado moderno.

Naquela oportunidade, por exemplo, o seu pressuposto fundamental era estruturar a passagem do país atrasado para uma nova sociedade urbana e industrial. Com a criação do Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) em 1938, a ossatura estatal foi sendo constituída através do impulso da maioria política construída a partir da Revolução de 1930.

A ação programada pelo Estado alçou dinamismo com o enfrentamento do subdesenvolvimento proveniente do tradicional modelo econômico primário-exportador. A partir daquela época, o planejamento se tornou o meio pelo qual o distante futuro foi sendo antecipado pelas decisões do presente da nação no interior da administração pública.

Ao longo do tempo, no Brasil, o Estado de natureza industrial sofreu reformas preparadas para transformá-lo no Estado mais adequado aos desafios contemporâneos. No segundo governo de Getúlio Vargas (1951-1954), por exemplo, o planejamento sustentou a montagem de empresas estatais estruturadoras do capitalismo organizado do segundo pós-guerra, assim como na presidência de Juscelino Kubitschek (1956-1961), a operação dos chamados grupos executivos setoriais se mostrou competente para a consolidação da industrialização sob o tripé dos capitais privado nacional, estrangeiro e estatal.

Também durante o regime militar (1964-1985), a reforma do Estado nos anos 1960 foi acompanhada pelo fortalecimento do fundo público e da tecnocracia dirigente. Em meio século de planejamento, a estrutura produtiva foi modernizada, colocando o Brasil entre as principais economias modernas do mundo.

A derrota da maioria política desenvolvimentista ao final da década de 1980 possibilitou a dominância neoliberal. O abandono do planejamento seguido pelo desmonte do Estado Industrial confinou a administração pública a uma espécie de pronto-socorro a gerir as emergências do país que passava a cancelar o seu próprio futuro.

O haraquiri neoliberal aprisionou o presentismo, sem diálogo com os desafios do futuro. Neste contexto nacional, o máximo que o receituário neoliberal permitiu foi o planejamento orçamentário na administração pública. O planejamento nacional seguiu esvaziado e sem sentido para a maioria política que validava a desindustrialização feita ao mesmo tempo em que ocorria a combinação da dominância da financeirização do estoque de riqueza com o modelo econômico primário-exportador.

Neste início da terceira década do século 21, o planejamento deveria ser recuperado, concomitantemente com a transformação do Estado brasileiro, fundamental para trazer para as decisões do presente as escolhas sobre o futuro que o conjunto da sociedade deseja. Para tanto, é necessária a definição de qual país se deseja alcançar após mais de três décadas de ruína da sociedade industrial.

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