O que o crash japonês pode ensinar

Queda abrupta da bolsa de Tóquio não se deveu a desequilíbrios financeiros ou cambiais, mas a movimentos especulativos. Por isso, amainou. Ainda assim, expõe os riscos que as sociedades correm, quando oferecem aos rentistas liberdade para enriquecer sem limites

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A bolsa de ações de Tóquio subiu 10% nesta terça (6/8) e recuperou quase todo o terreno perdido na véspera, mas o trauma não foi vencido. Passados mais de 15 anos, os efeitos da grande crise dos mercados financeiros aberta em 2008 e os riscos associados a ela ainda não foram revertidos. Os ganhos dos mais ricos por meio do rentismo são maiores do que nunca, mas as economias ocidentais seguem estagnadas e a pobreza espalha-se. A instabilidade e as tensões sociais crescem. Por isso, alguns temeram o pior. Seria a tempestade japonesa prenúncio de um novo terremoto? Se sim, quais as consequências políticas?

Há boas e más notícias para os donos do mundo. Por trás do colapso de segunda-feira, não há nem uma crise financeira ou cambial, nem o estouro de uma bolha de supervalorização insustentável. No curto prazo, a sangria estancou-se rapidamente. Mas o enorme solavanco é resultado de movimentos especulativos muito intensos, em que enormes volumes de dinheiro movem-se na velocidade da luz, sem controle dos Estados, em busca de valorização rentista. Esta movimentação ser devastadora.

As ações japonesas despencaram devido a uma mudança súbita de expectativas. Durante anos, grandes especuladores acostumaram-se a multiplicar suas fortunas aproveitando-se da diferença entre as taxas de juros do Japão e as dos resto do mundo ocidental. Tomava-se dinheiro no Japão, quase sem custo, e aplicava-se por exemplo em títulos do Tesouro dos EUA (5,25% ao ano) ou do Brasil (10,5%). Aplicada em somas gigantescas, a operação (chamada em inglês de carry over) rendia enormes ganhos, sem esforço algum e com risco próximo de zero. Para multiplicar as fortunas bastava… tê-las. O jornal El País calcula que os empréstimos tomados por especuladores estrangeiros no sistema bancário japonês beira 1 trilhão de dólares, pouco menos da metade do PIB do Brasil.

Mas há um complemento: o dinheiro ganho nos chamados mercados de derivativos, em apostas em torno da cotação das moedas. Como o iene japonês desvalorizou-se continuamente, a maior parte dos especuladores esperava comprá-lo ainda mais barato no futuro, e investia dinheiro nesta posição. Isso começou a mudar, de forma rápida, há cerca de um mês.

Por um lado, o Banco do Japão (o BC do país) iniciou um movimento, ainda tímido de elevação das taxas de juros. Por outro, nos demais países centrais, há sinais de movimento no sentido contrário. Nos EUA, surgiram sinais de recessão e cresceram as pressões para que o Federal Reserve (ou Fed, o BC norte-americano) reduza as taxas de juros. É possível que o Banco Central Europeu acompanhe o movimento. O abismo entre a remuneração do dinheiro no Japão e nos EUA e Europa deve diminuir de modo sensível, e talvez brusco. O carry over tende a acabar ou a reduzir-se muito. Em consequência, o iene começou a subir: 12%, só nos últimos 30 dias.

Os especuladores que haviam apostado na queda da moeda japonesa deram-se mal – e, para cobrir os prejuízos, tiveram de deslocar grandes volumes de dinheiro da… Bolsa de Tóquio. Daí a queda abrupta e a maré de pessimismo que espalhou-se pelo mundo e derrubou outros mercados. Feitas as correções, tudo voltou aparentemente ao normal hoje.

Sim, aparentemente, porque o sobressalto expõe a enorme ameaça que representam montanhas de dinheiro deslocando-se pelo mundo, sem nada produzir – apenas engordando o patrimônio de quem as possui, às custas do conjunto das sociedades. Se estes deslocamentos são capazes de produzir pequenos abalos mesmo sem a ocorrência de crises, que ocorrerá quando elas forem reais?

E há duas tempestades armando-se no horizonte. Uma é o já mencionado risco de recessão nos EUA analisado neste texto do Wall Street Journal. Ele pode agravar-se se o Fed não reduzir as taxas de juros, em setembro. Outra é a possível formação de uma bolha especulativa gigante, ligada às empresas de Inteligência Artificial (IA). Segundo a revista Economist, o boom de investimentos em curso no setor chegam a 1 trilhão de dólares.

Prevê-se que, em 2030, os sistemas que utilizam IA serão tão ubíquos quanto são hoje os motores de busca na internet. Mas, no Ocidente, não há planejamento, porque a lei econômica central é a “liberdade” dos mercados. Não há, tampouco, certeza alguma de que estas previsões poderão se concretizar. Em caso de uma quebra de expectativas semelhante à do estouro da bolha internet, na virada do século, os prejuízos serão monumentais.

Num texto que Outras Palavras publica hoje, a economista norte-americana Ellen Brown chama atenção para os riscos. Os mercados de derivativos, conta ela, transformaram-se num universo opaco e não regulado, que pode equivaler a 37 vezes o PIB do planeta. Os principais bancos comerciais do mundo estão envolvidos. Em diversos países (como os EUA), as leis dão aos especuladores neste tipo de operação privilégios especiais, em caso de falência dos bancos. Os depositantes comuns podem ficar a descoberto.

Máquinas imensas de produzir desigualdade, os mercados financeiros do Ocidente parecem cada vez mais vulneráveis. É preciso construir alternativas, para seu eventual colapso.

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