Eleições 2026: a Folha começa a abrir o jogo
Jornal produz e destaca em manchete matéria com informações distorcidas. Objetivos: garantir o “ajuste fiscal” a qualquer preço e evitar que, em ano de disputa eleitoral, o Estado brasileiro seja incapaz de atender às necessidades sociais
Publicado 17/10/2025 às 19:43 - Atualizado 17/10/2025 às 20:27

A Folha de S. Paulo estampou em sua capa desta sexta-feira (17/10) matéria sobre a possível aprovação pelo Congresso, de projeto que abre uma brecha bem-vinda no “arcabouço fiscal”. Se o texto for aprovado, estarão livres das regras que achatam o gasto público as despesas com educação e saúde financiadas com o Fundo Social do Pré-Sal e também os investimentos financiados por empréstimos internacionais.
No decorrer da matéria, o jornal aponta que o projeto teria acendido um “alerta no governo” e que técnicos do ministério da Fazenda estariam preocupados com sua possível aprovação. Mas uma leitura mais atenta da própria reportagem aponta: os fatos contrariam o que o texto tenta passar.
De autoria do deputado Isnaldo Bulhões Jr. (MDB-AL), o Projeto de Lei Complementar (PLP) 163/25 foi aprovado pelo Plenário da Câmara com parecer favorável do relator, José Priante (MDB-PA). A proposta autoriza o uso de até 5% da receita anual do Fundo Social por um período de cinco anos, para financiar despesas temporárias definidas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O objetivo é garantir que parte dos recursos provenientes da exploração do petróleo seja direcionada prioritariamente às áreas de saúde e educação. Atualmente, os aportes anuais no Fundo Social são da ordem de R$ 30 bilhões e o projeto possibilita a utilização de aproximadamente R$ 1,5 bilhão anuais nas duas áreas no próximos cinco anos.
Bulhões destacou à época da aprovação da matéria, em setembro, que, sem essa mudança no arcabouço fiscal, não haveria base legal para ampliar os investimentos sociais. O PL também exclui esses recursos adicionais dos pisos mínimos constitucionais de gastos, evitando que haja alguma nenhum tipo de “compensação”, assegurando assim um acréscimo real de investimentos.
O projeto prevê ainda a exclusão dos gastos financiados com recursos de empréstimos internacionais e suas contrapartidas dos limites de despesas primárias. “A submissão desses recursos ao limite de despesas primárias da LC nº 200, de 2023, pode atrasar a realização das ações planejadas, trazendo prejuízos maiores, inclusive com imposição de multas, a depender do contrato firmado”, diz a justificativa da proposta.
Bulhões é uma aliado do Planalto. Tanto que teve seu nome cogitado para ser líder do governo na Câmara quando já se especulava sobre a saída de Nísia Trindade do Ministério da Saúde com o deslocamento de Alexandre Padilha das Relações Institucionais para a pasta. Caso o atual líder, deputado José Guimarães (PT-CE), ocupasse o lugar de Padilha, o emedebista era cotado para seu cargo na Casa. Pouco provável que um projeto dessa natureza, com a aprovação em regime de urgência, fosse proposto à revelia da gestão Lula.
Quando o projeto passou na Câmara, o próprio site da bancada petista celebrou: “Com o voto do PT, Câmara aprova projeto que libera recursos do Fundo Social para saúde e educação”, dizia o texto da página eletrônica, que trazia um trecho do discurso do deputado Jorge Solla (BA). “Para nós e para o governo Lula, deixar de fora do limite estes recursos extraordinários para a saúde e para a educação é fundamental”, apontava. “Recursos que foram definidos por lei, que seriam destinados à saúde e educação. Recursos que não estão sendo utilizados por causa dos limites estabelecidos pelo arcabouço fiscal.”
Conjunção de interesses
Com esse retrospecto à vista, é pouco provável que “um sinal de alerta” tenha sido acendido no governo. O que pode haver é uma tentativa de “fogo amigo” de integrantes da equipe econômica, alguns deles contrariados com qualquer tentativa de flexibilizar o arcabouço, buscando minar a proposta ou parte dela com a mobilização da mídia tradicional, aliada do chamado mercado na defesa incondicional de cortes de gastos públicos, ainda que isso custe postergar o enfrentamento do gigantesco déficit social (e não só) que o Brasil carrega há décadas.
Além de ser uma tentativa de constranger o governo e mobilizar a oposição para barrar ou modificar o projeto, o jornal buscar pautar desde já a defesa da rigidez do arcabouço fiscal, que deve ser um dos pontos de debate das eleições de 2026. A postura do veículo, evidenciada em editoriais, não é somente por ideologia ou uma alegada “preocupação com o país”. É sempre importante lembrar que a família Frias, que comanda a Folha, tem participação no Grupo Uol, dono do PagSeguro, que oferece serviços de pagamento eletrônico e financeiros, e do PagBank, que apenas no segundo trimestre deste ano reportou um lucro líquido de R$ 565 milhões, avanço de 4% na comparação anual. Ou seja, uma instituição financeira que lucra com a restrição do gasto público e os juros altos estabelecidos de forma quase permanente pelo Banco Central.
A postura de veículos da mídia também tem outros propósitos que caminham junto com os interesses de parte da direita e da extrema direita. Com a retirada de pauta da MP do IOF, o governo se viu obrigado a fazer uma reengenharia para não ter uma queda em seu potencial de gastos e investimentos em 2026, um ano eleitoral. O interesse em manter a gestão federal à míngua ficou explícito em uma manifestação de um dos pré-candidatos à Presidência em 2026, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado, em seu perfil no X (ex-Twitter), em 8 de outubro. “Atenção, deputados: votar a favor da MP 1303 é votar para aumentar impostos e dar um presente de R$ 30 bilhões para o governo Lula torrar em 2026 — com mais medidas populistas e irresponsáveis”, postou na ocasião.
Caiado e outros próceres de seu campo político têm reiterado críticas ao governo atribuindo a ele uma irresponsabilidade fiscal inexistente e o qualificando como “gastador”. Sabem que é uma forma de ter entrada na mídia tradicional, assim como cortejar o apoio de agentes do mercado financeiro. Em que pese o governo Bolsonaro ter furado o então vigente teto de gastos em R$ 795 bi em quatro anos de governo, inclusive em 2019, antes da pandemia, e deixado uma dívida de R$ 141,7 bilhões com precatórios, o que não é exatamente um exemplo para os apologistas da austeridade.
O posicionamento nada surpreendente da mídia é um pré-jogo das eleições de 2026. Assim como o arcabouço foi elaborado como uma solução para acabar com o Teto de Gastos, mas sem criar rusgas mais severas com os defensores da austeridade, tendo em vista ainda uma correlação de forças desfavorável, é preciso ir além e trazer essa discussão para o centro do debate público, onde se busca impor uma espécie pensamento único referendado pelos mesmos de sempre. É possível e necessário ir além.
Sem publicidade ou patrocínio, dependemos de você. Faça parte do nosso grupo de apoiadores e ajude a manter nossa voz livre e plural: apoia.se/outraspalavras